6 de novembro de 2024

Como a vitória de Trump pode impactar o Brasil?

Vitória de Trump deve gerar desalinhamento ideológico entre as agendas defendidas pelo Brasil e pelos Estados Unidos (Foto: Brian Snyder)

Com a vitória de Donald Trump, que conquistou um novo mandato como presidente dos Estados Unidos, segundo projeções dos principais veículos de comunicação norte-americanas, o Brasil deve enfrentar um período de desalinhamento político com a nação a ser comandada pelo republicado.

Isto porque Trump é muito próximo ideologicamente do principal oponente do presidente brasileiro. Na publicação que fez parabenizando Trump pela vitória, Jair Bolsonaro chega a chamá-lo de amigo. Além disso, durante a corrida eleitoral, Lula se posicionou e disse que torcia pela vitória de Kamala, pois seria um resultado mais seguro para a democracia.

Vale destacar, no entanto, que, nas primeiras horas da manhã, assim que foi projetada a vitória de Trump, Lula parabenizou o presidente eleito pelo partido Republicano e afirmou que “a democracia é a voz do povo e deve ser respeitada”.

A ascensão de Trump pode gerar impacto em temas domésticos no Brasil e ganhar eco na direita, como fortalecimento de ideias e de líderes conservadores. Além disso, deve impactar na discussão de temas mundiais, como preservação do meio ambiente e combate às mudanças climáticas.

Analistas e especialistas ouvidos pelo Correio apontam que as questões diplomáticas e as relações de amizade entre os dois países podem ficar estremecidas em um primeiro momento, mas ainda não está claro como a economia brasileira será impactada.

Alguns afirmam que os laços econômicos são fortes o suficiente para não se abalarem com a mudança de presidente; outros avaliam que o Brasil pode ser beneficiado com a vitória de Trump, uma vez que o republicano pode dificultar relações com a China e abrir mercado para produtos brasileiros. Por outro lado, a proposta de taxar as importações para os Estados Unidos pode prejudicar setores da economia.

Veja o que dizem os especialistas sobre o impacto da vitória de Trump ponto a ponto

Política externa

As relações entre Brasil e Estados Unidos devem se manter estritamente pragmáticas, sem qualquer alinhamento ideológico. Agendas globais como a reforma de organismos internacioais e pautas ambientais podem ser impactadas a curto e longo prazo.

“Com a ascensão de Trump ocorrerá um desalinhamento político. Nós devemos lembrar que Biden e Lula se aproximaram dentro de uma retórica de defesa do Estado democrático de direito contra a direita radical e a extrema-direita. Havia esse alinhamento de posturas. O que nós vamos ver agora é que, com a ascensão do Trump, pelo menos a curto prazo, haverá uma aproximação a governos ideologicamente próximos a ele. Estou falando da Argentina do Javier Milei, estou falando de El Salvador, entre outros países alinhados mais à direita.” Danilo Porfírio, professor de relações internacionais do Ceub

“Do ponto de vista da política externa norte-americana, a América Latina é uma preocupação lateral. Não vejo muita mudança nas relações diplomáticas entre os dois países. O que vai mudar é a tensão entre os líderes, com Claudia Sheinbaum (México), Gustavo Petro (Colômbia), Gabriel Boric (Chile) e, especialmente, Lula, que estão no campo das esquerdas. Haverá rusgas políticas, mas não creio, porém, em tensões diplomáticas entre os dois países a partir da posse de Trump.” Melillo Dinis do Nascimento, advogado, analista político e diretor do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral MCCE/CNBB

“Em verdade, o Brasil tradicionalmente adota o pragmatismo nas suas relações internacionais. Ainda que o presidente Lula tenha abertamente demonstrado sua predileção por Kamala Harris, tal fato não deverá afetar as relações entre Brasil e Estados Unidos. Espera-se que as relações se mantenham cordiais. O que certamente ocorrerá serão posicionamentos divergentes com relação a questões sensíveis, como segurança e meio ambiente.” Ricardo Caichiolo, professor de Relações Internacionais e Diretor do Ibmec Brasília

“Não se espera um alinhamento entre os dois presidentes. Vai ter um distanciamento natural das divisões de posições e de colocações. A lógica vai ser muito mais nas agendas. O governo brasileiro apoia agendas que o governo Trump não vai apoiar. A questão ambiental, as discussões dentro de uma nova ordem mundial, as questões econômicas e de comércio. Essas são as agendas que vão colocar uma uma relação de contraposição entre Brasil e Estados Unidos na gestão Trump.” Denilde Holzhacker, cientista política, especialista em Relações Internacionais e Relações Governamentai e Diretora Acadêmica de Pesquisa e Pós-Stricto Sensu da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM)

Política interna

Os analistas ouvidos pelo Correio apontam que a vitória de Trump deverá ser utilizada pelo bolsonarismo como ferramenta para angariar mais aliados e fortalecer o discurso da direita, acirrando ainda mais a polarização no país. Vale destacar que o ex-presidente Jair Bolsonaro, ao celebrar a vitória de Trump, desejou que ela "inspire o Brasil a seguir o mesmo caminho".

“Em termos domésticos, de fato [a vitória de Trump] reforça o discurso bolsonarista e a posição bolsonarista de que é possível retomar o poder, mas tem duas implicações que a gente tem que considerar: uma que é que a eleição municipal sinalizou um outro caminho do eleitorado. Foi por uma direita mais tradicional. Com a força do centrão e com a emergência de outras figuras da direita que também podem se superar; e a segunda que o Bolsonaro está inelegível. Então teria que esse movimento ser primeiro para garantir a elegibilidade dele, para, aí sim, se posicionar no front, frente ao governo Lula e a uma possível candidatura. Mas vai depender do estado da economia, vai depender da capacidade do governo de responder às demandas da própria esquerda e centro esquerda se organizar, mas é um sinal de alerta importante para o governo brasileiro e para a esquerda brasileira, como também para a esquerda latino-americana. O voto Latino foi uma sinalização de que é a perspectiva de as questões ligadas a agendas dominadas pela direita no mundo tem uma tração muito forte no voto latino nos Estados Unidos e provavelmente isso se reflete também nas dinâmicas locais em cada um dos países." Denilde Holzhacker, cientista política, especialista em Relações Internacionais e Relações Governamentai e Diretora Acadêmica de Pesquisa e Pós-Stricto Sensu da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM)

“O grande desafio é o uso que a vitória de Trump terá internamente, pelo bolsonarismo e pelo lulismo, para aumentar as chamas da polarização que o populismo autoritário trouxe para quase todos os países do mundo em que houve crescimento da hiperpolitização e da disputa eleitoral entre setores da política cada vez mais comprometidos com estes discursos. A vitória de Trump impacta tanto o eleitorado como a política brasileira. No caso do eleitorado, sempre formado por grupos múltiplos e com muitos perfis, tende a cristalizar as opiniões contra e a favor a um modelo de autoritarismo que identifica a política como um espaço de acirramento de conflitos e não de pactos em torno de soluções. No caso da política interna brasileira, há um sinal de alerta. Lula cumpre a função de incumbente, ou seja, está no governo federal como possível candidato à reeleição. Em 2022, o Lula era o mais capaz de vencer as eleições. Tanto que o fez. Nessa toada, em 2026, o Lula será o mais capaz de perder as eleições, se não ligar o sinal de alerta desde agora." Melillo Dinis do Nascimento, advogado, analista político e diretor do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral MCCE/CNBB

Impacto das relações entre Brasil e Estados Unidos na economia brasileira

Brasil e Estados Unidos têm uma forte relação comercial, sendo os Estados Unidos o segundo país que mais recebe itens exportados brasileiros e o terceiro que mais fornece insumos e produtos para o Brasil. Apenas no ano passado, esse câmbio movimentou 75 bilhões de dólares. Além disso, em 2023, o Brasil recebeu 10 bilhões de dólares de investimentos direto dos Estados Unidos, conforme dados do Banco Central.

Esse forte relacionamento comercial não deverá ser abalado pela mudança ideológica de gestão, no entanto, a proposta de Trump de taxar em até 20% todos os materiais importados para os Estados Unidos pode gerar um impacto significativo em alguns setores da economia brasileira.

“Na verdade, o Brasil já teve a experiência de se relacionar com o governo  do presidente Trump ao longo do seu primeiro mandato. Ainda que mudanças possam ocorrer nesse segundo mandato, espera-se uma retomada das medidas adotadas por ele quando então presidente. Nesse sentido, deverá haver um aumento das tarifas para importação de produtos de fora dos Estados Unidos e isso poderá afetar o Brasil, sobretudo em produtos como aço e alumínio.” Ricardo Caichiolo, professor de Relações Internacionais e Diretor do Ibmec Brasília

“O que é importante e pode gerar uma uma pressão maior americana é com relação a este ponto sobre como os Estados Unidos vai enxergar países que estão aliados à China. Aí, sim, pode ter alguma relação não só de distanciamento, mas mais conflituosa de posições que levem ações contra a setores brasileiros. Mas também existem alguns estudos econométricos que mostram que há uma possibilidade de ganhos para alguns setores, que podem entrar no vácuo das imposições com relação aos produtos chinese. Então, esse é um ponto que o governo brasileiro tem trabalhado. Agora, a proposta de Trump de taxar em 20% todas as importações que vão para os Estados Unidos pode afetar alguns setores que já estão estabelecidos e, aí sim, ter impacto negativo." Denilde Holzhacker, cientista política, especialista em Relações Internacionais e Relações Governamentai e Diretora Acadêmica de Pesquisa e Pós-Stricto Sensu da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM)

“Sob o prisma econômico, nós não vamos ver grandes diferenças. Nós temos relações muito estáveis economicamente com os Estados Unidos, que é um dos nossos quatro grandes parceiros, ao lado de União Europeia, China e Mercosul. Existem demandas por parte dos norte-americanos de commodities vegetais e minerais, como também de certos produtos manufaturados. Então, não vejo problema em relação a isso. E enfatizo: existe uma falsa impressão de que os democratas não são protecionistas ao seu mercado, e isso é uma falácia, porque tanto republicanos quanto democratas têm um pensamento de proteção do seu mercado produtivo, no seu Parque econômico; por isso, poucas diferenças ocorrerão, ao meu ver.” Danilo Porfírio, professor de relações internacionais do Ceub

“O maior impacto econômico possível é a dedicação da política interna americana a resolver os problemas do próprio EUA, em vez de dedicar-se aos temas latino-americanos, com a retirada do papel de negociador do país dos grandes acordos multilaterais, como os da questão climática e das soluções a partir das Nações Unidas.” Melillo Dinis do Nascimento, advogado, analista político e diretor do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral MCCE/CNBB

Publicada originalmente no portal Correio Braziliense

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