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O escritor Paulo Coelho (à esq.) e o cantor Raul Seixas, em foto de 1973 (Foto: Reprodução/IPC) |
Minha esposa, Isabel, sentou com seu filho de 14 anos, Felipe, ele é um fã refinado de Jorge Ben, de quem conhece tudo, e lhe mostrou o programa Chico e Caetano, exibido na TV Globo na década 1980 e, atualmente, disponível na Globoplay.
Nas primeiras cenas, Chico canta a música "Cotidiano", do Caetano ("Quando eu chego em casa nada me consola") e, em seguida, Caetano canta a música "Cotidiano" do Chico ("Todo dia ela faz tudo sempre igual"). Direção do grande Roberto Talma.
Espantado com tanta beleza, Felipe saiu com essa: "Um programa como esse hoje seria impossível, só se fosse de música sertaneja".
Ele tem razão. O agro dominou a economia do País e agora está dominando a cultura através das novelas da Globo e da música sertaneja. E com Gusttavo Lima, querem dominar a política.
Quem analisar a canção popular brasileira com calma, vai ver que, a partir de Getúlio Vargas, surge a "Música Popular Nacional", como lhe designou José Ramos Tinhorão. É quando a nova forma do samba urbano afastou-se do partido alto baiano criando um andamento mais solto. Foi o começo com Donga, Pixinguinha, Noel, Candeia, Grande Otelo e Cartola. Foi também o primeiro ciclo da canção popular.
O segundo grande ciclo começa com o impacto da mudança de voz dos cantores que passam a diminuir a exibição do volume vocal e cantar com uma respiração mais natural.
Foi João Gilberto que começou tudo e a nova tendência proliferou nas boates de Copacabana e nos apartamentos de classe média alta como o de Nara Leal. Nos primórdios deste ciclo, além de João, os grandes mestres foram Tom Jobim e o poeta Vinícius de Moraes. Nascia a Bossa Nova, em seguida identificada no conceito mais amplo de Música Popular Brasileira, a MPB.
O terceiro ciclo começa com o tropicalismo, que junta os baianos Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Tom Zé e as ideias paulistas dos irmãos Campos (Haroldo e Augusto) e Décio Pignatari, e mantém laços com a MPB Universitária de Chico Buarque, que corre na paralela com o rock basileiro. Em seguida pipocam movimentos musicais nos estados (Minas Gerais, clube da esquina; Ceará, pessoal do Ceará).
Pois bem. O ciclo do tropicalismo, da grande MPB, e do rock como de Raul Seixas, está se encerrando e nada de tão bom surge no cenário cultural. Só o sertanejo da pior qualidade, o rap (com alguma invenção), o trap e o funk surfam neste fim dos tempos.
Quando
comecei a ficar triste pensando como a música brasileira - o mais forte traço
da nossa cultura - começa a entrar num momento de crise, sem ninguém genial com
talento de criar canções de massa capazes de fazer arte, digo aqui fazer ante
com o desafio de criar densidades, complexidades, criar versos e melodias que
se tornam interpretações do Brasil, me lembrei deste verso de Raul Seixas, que
depois foi modificado por Paulo Coelho: "Veja: não diga que a canção está
perdida. Tenha fé em Deus (a versão de Raul dizia tenha fé em você), tenha fé
na vida". Ok, Raul, mas a canção brasileira precisa recomeçar a prestar.
Publicado
originalmente no portal O Povo +
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