16 de fevereiro de 2025

As contradições no discurso de Lula incomodam ambientalistas

Ao lado de Marina Silva, Lula questionou as razões que levam o órgão de fiscalização ambiental a não liberar pesquisa de petróleo na foz do Amazonas (Foto: Ricardo Stuckert)

A pressão renovada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) aponta contradições entre o programa ambiental do governo e o plano para expandir a produção de petróleo nos próximos anos. Lula se elegeu com um projeto para redução da emissão de carbono e proteção ao meio ambiente. Porém, criticou publicamente, na última semana, o "lenga-lenga" do Ibama para autorizar a perfuração do Bloco 59, a menos de 200 km da foz do Rio Amazonas. A fala enfureceu servidores do órgão e ambientalistas, e gerou preocupações sobre interferência política em um processo estritamente técnico.

Na quarta-feira, Lula defendeu abertamente a exploração de petróleo na Margem Equatorial, na costa do Amapá, durante entrevista para a Rádio Diário FM, de Macapá. "Não é que eu vou mandar explorar, eu quero que seja explorado. Nós temos de pesquisar, ver se tem petróleo", disse, cobrando liberação do Ibama. Na sequência, ele viajou para visitar obras da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), em Belém, no Pará, onde será debatido a redução do uso de combustíveis fósseis — como petróleo, carvão e gás natural. No entanto, o presidente não reconheceu a incongruência no fato de estar na presidência da discussão ambiental e ir contra deliberações internacionais.

"Vê se os Estados Unidos estão preocupados, a Alemanha, França. Não, eles exploram o quanto puderem. É a Inglaterra que está aqui na Guiana, é a França que está no Suriname [explorando petróleo]. Então, só nós que vamos comer pão com água? Não! A gente também gosta de pão com mortadela", rebateu o presidente a críticas.

A região que a Petrobras quer explorar possui fortes correntes marítimas, além da proximidade com o litoral amazônico e a presença do Grande Recife da Amazônia, um dos maiores do mundo, com mais de mil quilômetros de extensão. Especialistas ouvidos pelo Correio repudiam a pressão colocada sobre o órgão ambiental, mas apontam que a discussão sobre o Bloco 59 é apenas o primeiro passo para intensificar a exploração de petróleo, prejudicando não somente o bioma local, mas os compromissos de descarbonização assumidos pelo país.

"É hora de enfrentar o debate sobre o ritmo lento da descarbonização do planeta e trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis", discursou Lula em 2023, durante a COP 28, em Dubai. O acordo firmado entre os países participantes foi o primeiro em todas as COPs a mencionar o termo "combustíveis fósseis", apesar de não cobrar o fim de sua exploração. "Quantos líderes mundiais estão, de fato, comprometidos em salvar o planeta?", provocou ainda Lula.

Nesta semana, porém, Lula defendeu reiteradas vezes a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, uma das cinco bacias sedimentares presentes na Margem Equatorial. Ao todo, a costa norte do país pode ter reservas estimadas em 30 bilhões de barris de petróleo, o que dobraria a reserva comprovada atual do Brasil. A preocupação dos especialistas começa com o ataque a um órgão técnico, que deveria ser livre de pressões políticas. Além disso, a operação representa risco de um desastre ambiental na Amazônia caso haja derramamento de óleo, com consequências difíceis de serem mensuradas.

"O Ibama está olhando o empreendimento, se a Petrobras tem a capacidade de resposta. O Ibama não tem competência legal para discutir o futuro do petróleo no Brasil. Não tem uma posição antipetróleo, porque não pode ter. E, se tivesse, não existiria nada no mar. Mas o Ibama já deu mais de duas mil licenças offshore em sua história. Está negando uma, e o mundo está caindo", diz a coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo, ex-presidente do Ibama. "Eu neguei licenças para cinco blocos ao lado do 59, e mal saiu no jornal. É raro o Ibama rejeitar licença, ele só rejeita quando o empreendimento está com problemas muito sérios", acrescentou.

As licenças foram negadas em 2018 à empresa francesa Total. Suely explica que a região possui fortes correntezas, que podem levar um derramamento de óleo à costa brasileira, da Guiana Francesa, da Guiana e do Caribe em poucas horas. Por isso, o Ibama exige o cumprimento de medidas mais severas, como a instalação de um centro de recuperação para animais oleados próximo ao poço, e que a Petrobras prove que poderá atuar rapidamente em uma emergência — o que ainda não ocorreu. A coordenadora explica que há uma pressão "absolutamente acima do aceitável" em cima do Ibama, com o objetivo de facilitar a emissão das licenças.

"O Bloco 59 só compete ao Ibama. A autoridade máxima é o Rodrigo Agostinho, não cabe recurso à (ministra do Meio Ambiente) Marina Silva, ao presidente Lula, e não pode haver pressão política sobre o licenciamento ambiental. Isso destrói o licenciamento", afirmou Suely. O porta-voz de Transição Energética do Greenpeace Brasil, Rarisson Sampaio, concorda com o impacto negativo dos ataques sobre a legislação ambiental, e adiciona que a pressão sobre o Ibama leva a uma fragilização institucional, com prejuízo para a própria democracia. Além disso, aponta que a exploração do petróleo em um momento em que o Brasil tenta despontar como uma liderança é problemática.

"É tão contraditório que o próprio governo assume. Sabe que isso contraria compromissos nacionais e internacionais. Ele vem dando indicativos que quer entrar na Opep (Organização dos Países Produtores de Petróleo), tem alinhamentos com o Azerbaijão, com a Arábia Saudita. O Brasil sempre foi vanguarda, liderando grandes decisões no campo internacional, ao mesmo tempo em que investe em petróleo e vincula essa exploração à transição energética", diz o porta-voz.

Mais petróleo

O Bloco 59, em discussão atualmente, é o que possui o processo de licenciamento mais adiantado. Se for aprovado, vai abrir caminho para que dezenas de outros possíveis poços sejam explorados apenas na bacia da Foz do Amazonas. Caso a Petrobras encontre realmente uma reserva no local, um segundo processo de licenciamento será feito junto ao Ibama, dessa vez para a autorizar a produção.

Enquanto Lula argumenta que a ampliação do petróleo é necessária para desenvolver economicamente o Amapá e a região amazônica, Rárisson discorda. "O Brasil nem precisa investir mais em petróleo para alavancar sua economia. E a licença por si só não é uma chancela de que esse processo é isento de qualquer problema", explica o especialista. "O Brasil não é um país desprovido de outras alternativas, de recursos, que pudesse justificar esse posicionamento. Tem uma matriz renovável fantástica. Precisa de ajustes, sim, mas existe esse potencial, e o Brasil tem condições de construir uma agenda econômica mais sustentável", acrescenta.

Também nesta semana, o Ministério de Minas e Energia anunciou que fará um leilão de 332 blocos de petróleo em todo o país, sendo 47 na Foz do Amazonas, de acordo com o edital publicado pela pasta. Isso faz parte do planejamento feito pela pasta para elevar o Brasil do oitavo maior produtor de petróleo do mundo, que ocupa atualmente, para o quarto maior, ultrapassando o Irã, a China, o Iraque e o Canadá.

Para Suely Araújo, o Brasil deveria se ater aos locais onde já existe exploração de petróleo, como a Bacia de Santos e a Bacia de Pelotas. Ela argumenta ainda que a Agência Internacional de Energia (AIE) prevê que a demanda mundial por petróleo vai atingir seu pico e começar a cair em 2030, ou seja, antes mesmo que os poços tenham começado a produzir.

"Os brasileiros têm que entender o que é aumentar a exploração de petróleo. Vimos as enchentes no Rio Grande do Sul, secas gravíssimas na região amazônica em dois anos consecutivos, 2023 e 2024, incêndios causados pelo ressecamento da vegetação, o calor que está agora em muitas cidades. É um negócio que passou de todos os limites. Eu, pessoalmente, acho que os brasileiros têm que debater muito isso, porque tem algo errado", alerta.

Com informações Correio Braziliense

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