26 de fevereiro de 2025

Após "fritura", Lula demite Nísia Trindade da Saúde

A ministra Nísia foi a primeira mulher a assumir o comando do Ministério da Saúde (Foto: Gabriela Biló)

Com a popularidade em queda e pressionado por aliados que reivindicam mais espaço na Esplanada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deflagrou a reforma ministerial no primeiro escalão com a esperada demissão da ministra da Saúde, Nísia Trindade. 

Para comandar a pasta, que tem um orçamento de R$ 239,7 bilhões, Lula escolheu o ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT). A ideia é ter um perfil mais político no ministério. O Centrão reivindicava o cargo, mas Lula não atendeu o grupo, sob o argumento de que a pasta é estratégica para o seu governo.

Com as mudanças, que continuarão nos próximos dias, o presidente tenta impor um freio de arrumação na segunda metade de seu mandato para estancar o desgaste e se preparar para 2026, quando pretende disputar a reeleição.

Ao deslocar Padilha, que cuidava da articulação política do governo, o chefe do Executivo abre espaço para uma nova troca justamente na área que trata da difícil relação do Palácio do Planalto com o Congresso, agravada por causa do impasse em torno das emendas parlamentares.

O mais cotado para a cadeira ocupada pelo ministro é o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), que foi chamado para uma conversa com Lula na noite desta terça-feira. Caso a ida de Guimarães para o núcleo duro do governo se confirme, a chamada "cozinha do Planalto" continuará nas mãos do PT. No Planalto, o único ministro não filiado ao partido é o publicitário Sidônio Palmeira, que desde janeiro está à frente da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência.

Menos mulheres

Com a saída de Nísia, o governo Lula passa a ter nove mulheres entre os 38 ministérios. Na primeira composição da equipe ministerial, em 2023, elas eram 11. Ao todo, nos últimos dois anos, foram feitas sete trocas no governo, com a saída de seis ministros — sendo a metade, de mulheres.

Uma possível saída para Lula recuperar parcialmente a representatividade do governo está em outra mudança ministerial, na Secretaria Geral da Presidência da República, atualmente chefiada pelo ministro Márcio Macedo. A presidente do Partido dos Trabalhadores (PT) é a favorita para assumir o posto e recebeu muitos elogios do presidente, durante o aniversário da legenda, no último fim de semana.

"Graças a Deus, o partido compreendeu a necessidade de te eleger porque, se não fosse você, não sei se a gente teria um homem capaz de aguentar a barra que você aguentou defendendo o PT. Você é motivo de orgulho para mim", disse Lula a Gleisi, no evento. A deputada federal está na presidência do PT desde 2017 e é a primeira mulher a assumir o cargo na legenda.

A dispensa de Nísia já era esperada e ocorre após semanas de "fritura" no cargo. Aplaudida de pé por colegas e servidores, ela deixou ontem o ministério, após dois anos de trabalho. "O presidente agradeceu à ministra pelo trabalho e dedicação à frente do ministério", diz a nota oficial do governo.

Antes da reunião em que comunicou a dispensa de Nísia, Lula e a ministra estiveram na cerimônia de anúncio da produção de uma vacina contra a dengue 100% nacional, a partir de 2026. No evento, ficou patente o constrangimento entre os dois.

Primeira mulher a assumir o comando do Ministério da Saúde, Nísia fez um discurso já com tom de despedida. Com a voz trêmula e uma longa lista de agradecimentos à equipe, falou por mais de 30 minutos, o que não condiz com o perfil dela, que prefere falas breves e diretas. O fato de a ministra se alongar nas declarações provocou visível impaciência em Lula, que olhava frequentemente para o relógio. Ao terminar, Nísia foi ovacionada.

No encerramento, Lula foi questionado se faria trocas na Esplanada, mas não respondeu. Uma hora depois, recebeu a ministra em seu gabinete e a comunicou da exoneração.

O chefe do Executivo já vinha dando indícios de insatisfação com o trabalho de Nísia. A principal crise foi no início do ano passado, durante o surto de dengue que atingiu o país. Em uma reunião ministerial, ele cobrou a ministra por uma resposta mais eficaz à doença, e Nísia teria deixado a sala para chorar, reclamando da pressão que vinha sofrendo. À época, o Centrão também pressionava por vaga na pasta.

Nísia também teve imagem desgastada pela queima de doses vencidas da vacina da covid. Além disso, Lula a pressionava por uma entrega melhor do programa Mais Acesso a Especialistas, que busca reduzir a espera nos atendimentos por médicos especialistas no SUS. Para o chefe do Executivo, faltava uma "marca" de seu governo na Saúde.

Legado

Nísia, que pegou um ministério sucateado pelas gestões do governo anterior, conseguiu realizações como a disponibilização da vacina da dengue no SUS no ano passado — embora ainda com ofertada limitada a crianças e adolescentes de 10 a 14 anos, por causa da limitação de entregas pela fabricante. Com isso, o Brasil se tornou o único país a ofertar o imunizante para a doença de forma gratuita.

Também na gestão dela houve aumento na cobertura vacinal de crianças, com o Brasil voltando a ser um país livre de sarampo — título concedido pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), que havia sido perdido no último governo. O país ainda saiu da lista dos 20 países com mais crianças não vacinadas, em um levantamento feito pela Unicef e a Organização Mundial da Saúde (OMS), no último ano.

Em 2025, Nísia anunciou a gratuidade de todas medicações e insumos do programa Farmácia Popular. Além disso, entregou a reestruturação dos hospitais federais do Rio de Janeiro, que tinham denúncias de corrupção e estavam em condições precárias de funcionamento.

Publicado originalmente no Correio Braziliense

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