24 de janeiro de 2025

O cinema brasileiro surpreende o mundo

Ainda estou aqui é o primeiro título em português indicado como Melhor Filme no Oscar (Foto: Reprodução/Instagram)

Mais internacional do que nunca, a 97ª edição do Oscar credenciou o cinema brasileiro para uma festa completa. Ainda estou aqui é o primeiro título em português selecionado, ao lado de outros nove longas, para o principal prêmio mundial do cinema, na disputa para a categoria de melhor filme. Além disso, o longa de Walter Salles desponta, com a indicação a melhor atriz para Fernanda Torres (ganhadora do Globo de Ouro), e também puxado pela simultânea indicação a melhor filme internacional, com mais quatro concorrentes. Emilia Pérez, do francês Jacques Audiard, faz parelha na disputa de favorito com Ainda estou aqui, indicado nas dyas categorias: melhor filme e melhor filme internacional.

Até confirmar a indicação ao prêmio, Fernanda Torres contou em entrevista à GloboNews que estava alheia, especialmente, pela tensão da ordem alfabética das indicações e de seu nome estar entre os últimos. A senha da indicação veio da boca do marido, o cineasta Andrucha Waddington, e do filho Joaquim: "Nanda, rolou!".

No papel da ativista e advogada Eunice Paiva, morta em 2018, Fernanda se viu imersa no mundo da tortura e do silenciamento criminoso do ex-deputado Rubens Paiva (papel de Selton Mello). "Acho que Eunice viveu tempos parecidos com o que a gente está vivendo. Ela viveu o período da Guerra Fria", comentou, na entrevista à televisão.

Uma sensação de pertencimento para os brasileiros vem de área por muitas vezes claudicante em termos de apoio regular: o segmento da cultura. O Brasil agora está no primeiro plano internacional do cinema, num ano em que Donald Trump retorna ao poder, ameaçando cerceamentos. Integrado ao elenco de Ainda estou aqui, Selton Mello se pronunciou, nas redes sociais, sobre a conquista do filme de Walter Salles: "O cinema brasileiro foi indicado ao Oscar hoje — não apenas nós que fizemos este filme; os sensíveis foram indicados. Viva o poder da nossa cultura".

A atriz  Fernanda Montenegro, presente no filme, não escondeu a euforia, em texto que circulou pela internet, e no qual acusou o coração de mãe em estado de graça. "Eu, Fernanda Montenegro e Fernando Torres — onde quer que ele esteja — estamos realizados e felizes, em estado de aleluia", grafou, ao tratar das indicações de Fernanda Torres e de Walter Salles ao "importante" prêmio do Oscar (leia na página 22). Em 1999, com Central do Brasil, Fernanda Montenegro disputou o primeiro Oscar de melhor atriz, numa ocasião em que perdeu para Gwyneth Paltow (de Shakespeare apaixonado).

Entusiasmo

Com presença regular em produções de impacto no cinema (Boi neon e Pedágio), e atriz costumeira do diretor Kleber Mendonça Filho (de Aquarius e O som ao redor), Maeve Jinkings dá vida à personagem Dalva Gasparian, em Ainda estou aqui. Ao Correio, se disse completamente eufórica. "Olha, fazer um filme é uma grande vitória; você conseguir ser representante do Oscar é uma grande vitória e estar entre cinco finalistas é uma gigante!", avaliou. O gostinho de "7 a 1 em final de Copa" a favor do Brasil é pressentindo por Maeve, ainda mais diante do precedente de Fernanda Montenegro. "A Nanda (Torres) virou nossa paixão nacional. Melhor é que tudo isso venha com um filme que resgata um momento importantíssimo da nossa história, que se encontrava, para toda uma geração; assim, sob escombros", avalia a atriz brasiliense.

Saído de berço artístico, filho do cineasta Geraldo Moraes e da atriz e produtora Mallú Moraes, o ator e diretor Bruno Fatumbi Torres engrossa o entusiasmo. "A Nanda não perde como atriz em qualidade artística e técnica para nenhuma das concorrentes. Como ator, sinto essa indicação como se fosse para mim. Vibro tanto que me sinto totalmente contemplado: essa indicação é de toda a dramaturgia brasileira", pontua. Ele ressalta a força temática de uma reparação para um dos períodos "mais cruéis da história do Brasil"; nisso, Salles estaria retratando tudo "com extremo primor no filme". Bruno externa a reflexão acerca da importância da solidificação de coproduções internacionais. "Isso impulsionará o alcance de maior expressividade em todos os territórios. O cinema brasileiro está ganhando muito com tudo isso: só temos a agradecer", explica.

Diversidade

Uma lista diferenciada de concorrentes: a começar pela inclusão de dois filmes estrangeiros (Ainda estou aqui e Emilia Pérez, esse, recordista com 13 indicações) na categoria principal e uma dobradinha de longas do gênero musical, na lista central (Wicked e, novamente, Emilia Pérez). A sinalização é de um recado de arejamento e acidez, numa conjuntura em que o império de Donald Trump está retratado em O aprendiz (indicado para ator central e coadjuvante), um exame dos primeiros passos do atual presidente norte-americano, ainda sob aprendizado junto ao mais do que controverso Roy Cohn.

Na conjuntura das indicações, Ainda estou aqui crava um recado contra a tirania. E Fernanda Torres aparece no único papel de drama, cercada por colegas que pregam a diversidade (Cynthia Erivo traz a coloração verde, e é discriminada), Karla Sofía Gascón (em Emilia Pérez, defende a liberdade de se afirmar trans), Mikey Madison se afirma contra preceitos machistas, na aventura à la Cinderela de Anora (candidato à direção, roteiro e edição). Tudo isso, enquanto Demi Moore se vê escravizada, em clima de horror, aos padrões de beleza em A substância (filme que rendeu indicação para a cineasta Coralie Fargeat).

Na lista principal, o cineasta Brady Corbet desponta, em O brutalista, embalando um sonho americano algo arruinado, no filme que deu nova indicação ao ator Adrien Brody. Conclave, que apresenta um recado progressista na esfera do Papado, está entre os finalistas (bem presente na categoria de roteiro adaptado e ator central, Ralph Fiennes, para além de outras cinco indicações). Com enredos sobre reformatórios e injustiças contra negros, Sing sing e Nickel Boys cumpriram papel de denúncia na lista.

Para além da excelência técnica de Duna: Parte 2 (valorizado com cinco indicações), a espinha dorsal do Oscar se completa com Um completo desconhecido (de James Mangold), plataforma para o retrato das pretensões libertárias de figuras como Bob Dylan, Joan Baez e Pete Seeger, pela ordem, interpretados por Timothée Chalamet, Monica Barbaro e Edward Norton (todos indicados pelas atuações).

Publicado originalmente no Correio Braziliense

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