13 de janeiro de 2025

Ciência e cultura popular andam juntas na previsão e no monitoramento do clima? por Lara Vieira

O 29º Encontro de Profetas da Chuva reuniu mais de 30 profetas IFCE de Quixadá (Foto: Samuel Setubal)

A chegada da quadra chuvosa no Ceará é esperada com um misto de ansiedade e esperança. Ao longo das décadas, muitas pessoas, especialmente no meio rural e que tiram da terra seu sustento, confiaram nos saberes populares para entender os sinais da natureza e prever o clima. Mas será que esses conhecimentos podem se aliar às previsões cada vez mais precisas da meteorologia moderna?

No último sábado, 11, ocorreu o 29º Encontro de Profetas da Chuva, que reuniu mais de 30 profetas para valorizar os conhecimentos populares e divulgar as profecias sobre a quadra chuvosa no Estado em 2025. O evento ocorreu no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) de Quixadá, a 169 km de Fortaleza.

Em 2024, os profetas acertaram as chuvas na média, com alguns projetando volumes acima. Para 2025, a previsão de grande parte é de "inverno muito bom", com maior fluxo de chuvas em março e abril.

Segundo Yls Rabelo Câmara, professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e pesquisadora dos profetas da chuva, as previsões populares continuam a desempenhar um papel fundamental.

"Os profetas confiam na sabedoria acumulada ao longo do tempo. Para eles, as condições naturais, como o comportamento dos animais e o cheiro da terra, possuem significados profundos, que podem antecipar a chegada das chuvas", explica a professora.

Uma das profetizas mais emblemáticas do Ceará é Maria Lourdes Leite Lemos. Aos 87 anos, a ex-agricultora e professora foi a primeira mulher a integrar o projeto Profetas da Chuva de Quixadá. Ela se orgulha de ser reconhecida como "Rainha dos Profetas".

A sabedoria de Dona Lourdes vem de uma vida inteira de observação. Uma das experiências que ela mais confia é a das Pedras de Sal. "Eu pego pedrinhas de sal e coloco em uma "taubinha", marcando de janeiro até julho. Se aquelas pedrinhas de sal desmanchassem todinhas, que molhasse a "taubinha", aí seria um bom inverno", explica.

Ela também explica sobre o sinal da Barra do Sol. "De manhã cedinho, 5h, você olha para o céu e ela está lá", diz. A barra do sol é uma faixa de nuvem horizontal na frente do sol. Quando aparece, é considerada, pelos profetas, como um sinal de chuva, especialmente se houver nuvens escuras ao redor.

Aos 97 anos, José Célio de Assis é o mais longevo a participar do Encontro e conta que aprendeu a observar os sinais do clima ainda menino, trabalhando na roça: "Comecei a prestar atenção nos ventos, nas nuvens, na temperatura. Aqui no Ceará, o vento Aracati é um bom indicador. Quando ele vem firme, o inverno está bom e vai ser um bom inverno, neste ano".

Para ele, a experiência é um presente que vem com os anos. "Hoje, com 97 anos, ainda continuo aprendendo com a natureza. É um conhecimento que não está nos livros, mas no dia a dia".

Indicativos apontados pelos profetas

Mandacaru: A floração fora do período chuvoso do mandacaru (um tipo de cacto) é vista como sinal de que a chuva está próxima.

Cumaru: Se árvores como o cumaru florescem bem fora do período chuvoso acredita-se que uma boa temporada de chuvas está por vir.

Formigas: O movimento das formigas, especialmente quando elas reforçam as entradas com barro, é interpretado como um sinal de chuva.

Estrela D'Alva: Quando o planeta Vênus, conhecido pelos sertanejos como Estrela Dalva, aparece cedo no mês de outubro, isso é um sinal de bom inverno

Diálogo entre ciência e sociedade beneficia ambos

No Ceará, a previsão do tempo é feita pela Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme). Para a quadra chuvosa de 2024, a previsão inicial indicava 45% de chance de chuvas abaixo da média, enquanto os profetas previam um bom período chuvoso.

Em abril, a Funceme revisou sua previsão, indicando 40% de chance de chuvas dentro da média entre abril e junho. A quadra chuvosa de 2024 terminou como a melhor dos últimos 15 anos no Ceará, 25% acima da média histórica.

O presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Ceará (Faec), Amílcar Silveira, criticou os prognósticos recentes: "Acredito na ciência e cada vez mais nos profetas, Mas os prognósticos da Funceme têm sido questionáveis. Muitos produtores deixaram de plantar no ano passado por acreditarem na previsão, e eu fui um deles".

A previsão climática envolve o monitoramento das variáveis meteorológicas e oceânicas, especialmente as temperaturas dos oceanos Pacífico e Atlântico, que influenciam a Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), responsável pelas chuvas no Nordeste.

Professor do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental (DEHA) da Universidade Federal do Ceará (UFC), Cleiton Silveira ressalta que a meteorologia atua principalmente com probabilidade.

"A Funceme classifica as chuvas em três categorias: acima, normal e abaixo da média, emitindo previsões probabilísticas. Enquanto a ciência trabalha com cenários probabilísticos, os profetas apresentam previsões determinísticas, como 'bom inverno' ou 'inverno ruim'", diz

A Funceme declara que respeita a tradição dos profetas da chuva. "Faz parte da cultura do povo cearense. Porém, a Funceme se baseia na ciência".

Diretor das Unidades de Negócio do Interior da Cagece, Carlos Salmito detalha que a Companhia utiliza tanto dados científicos quanto as previsões dos "profetas" no planejamento de estratégias para o abastecimento hídrico.

Publicado originalmente no O Povo+

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