18 de dezembro de 2024

Pulverização de agrotóxicos por drone pode ser liberada no Ceará

A votação na Comissão de Meio Ambiente foi adiada por pedido de vistas do deputado estadual Renato Roseno (Foto: Marcos Moura)

Um projeto que permite que drones realizem a pulverização de agrotóxicos no Ceará tem gerado embates na Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), inclusive dentro da base do governador Elmano de Freitas (PT). Proposições sobre o tema foram apensadas e tramitam nas comissões do Legislativo. A matéria têm gerado divergências dentro e fora do Parlamento, com entidades e parlamentares criticando o texto e o ritmo em que o trâmite ocorre.

Nessa terça-feira, 17, a proposta passou a tramitar em regime de urgência. Quando faltam dez dias para o fim do período legislativo, o trâmite em urgência não depende de votação — basta a solicitação de três deputados estaduais.

A votação na Comissão de Meio Ambiente foi adiada por pedido de vistas (mais tempo para análise) do deputado estadual Renato Roseno (Psol), autor da lei em vigor que proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos no Ceará.

No início deste mês, Elmano disse a representantes do setor agropecuário que a Assembleia articula para aprovar a liberação do uso de drones, com essa finalidade, ainda neste ano. O projeto já foi aprovado em discussão na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e tramita em outros colegiados temáticos antes de ser encaminhado ao Plenário.

A pulverização aérea de agrotóxicos é vedada no Ceará desde 2019, em decorrência da Lei Estadual Nº 16.820/19, conhecida como Lei Zé Maria do Tomé, da qual Elmano foi coautor como deputado estadual. A lei foi referendada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceu a sua constitucionalidade em 2023, e conta com o apoio dos setores ambientalista, acadêmico e de movimentos sociais.

Durante eventos neste mês, Elmano tem defendido o apoio à pulverização aérea de agrotóxicos via drones. De acordo com o chefe do Executivo “o que nós proibimos e continuará proibida é a pulverização aérea por avião”. Durante uma agenda de gestão, o agora governador disse ao O POVO que, na época da votação da lei, não existia a tecnologia de utilização de drone.

"Isso não existia à época. O que existia era a pulverização aérea por avião. O que a Assembleia está discutindo é que você possa ter uma flexibilização ao longo de uma nova tecnologia", argumentou o petista, acrescentando que a discussão atualmente gira em torno de "substituir um homem que aplica veneno para uma máquina aplicar veneno".

Divergências

Renato Roseno tem cobrado o governador publicamente sobre a mudança de posição. O deputado trata a liberação como “inadmissível” e tem afirmado que Elmano “cedeu à pressão do agronegócio”.

Nessa terça-feira, 17, o deputado informou que os projetos que liberam os drones passaram a tramitar em regime de urgência na Casa e disse ter pedido vistas na Comissão de Meio Ambiente. "Como estão em regime de urgência, amanhã (quarta) eles vem para Plenário", informou ao O POVO.

"O apoio do governo ao infame projeto que autoriza o uso de drones na pulverização aérea de agrotóxicos no Ceará revela uma inflexão política em que o governador Elmano resolve abraçar os interesses do agronegócio e dar as costas aos movimentos sociais, à ciência e ao ambientalismo. É um retrocesso absurdo sob todos os pontos de vista", disparou.

Em discurso recente na tribuna, Roseno lembrou que os drones agrícolas não são pequenas peças, como os comumente vistos e utilizados para registros fotográficos.

“São drones que hoje carregam 60, 100, 200 litros. Hoje já se comercializam drones de 600 litros e, no Brasil, estão sendo desenvolvidos drones de 900 litros de calda tóxica. A legislação brasileira é extremamente frágil contra isso, porque ela permite que drones cheguem a 20 metros de áreas residenciais, permite que um piloto possa fazer um curso por Ensino à Distância”, alertou.

O deputado Missias Dias (PT), que tem trajetória ligada ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e preside a comissão de Agropecuária, é um dos parlamentares da base que vai na contramão do projeto e, consequentemente, do que defendeu Elmano.

“Não se trata apenas de um drone, se trata de colocar veneno nos territórios da zona rural. Automaticamente esse veneno, de forma escalonada, vai atingir casas, pessoas, o solo, a biodiversidade, a água. Estamos tratando de um tema complicado que diz respeito à saúde pública”, destacou o parlamentar do mesmo partido do governador.

E seguiu: “(...) É o veneno que realmente mata se não tivermos cuidado e zelo. Se me perguntarem, sou contra a pulverização aérea. Sou contra todo tipo de veneno jogado na natureza, temos que buscar outras alternativas e trabalhar numa transição agroecológica”.

Entre os defensores da aprovação do texto e liberação do uso de drones para a prática está o deputado Felipe Mota (União Brasil), de partido que faz oposição ao governo do PT. Ele é autor de um dos projetos que prevê a liberação. Após a aprovação na CCJ ele comemorou e disse que a matéria deve chegar ao Plenário em "tempo recorde" para ser apreciada por seus pares.

“Uma notícia boa para os produtores rurais, para quem ama a agricultura de verdade; aprovamos o projeto dos drones na CCJ, um passo muito importante. Agora passará pelas outras comissões e em tempo recorde chegará ao Plenário 13 de maio”, celebrou.

Pressão externa

O Fórum Cearense Pela Vida no Semiárido foi uma das entidades que se manifestou contra a tramitação de projetos que liberam o uso de drones para pulverização dos materiais. A entidade manifestou “profundo repúdio à proposta de liberação da pulverização aérea de agrotóxicos por drones” e cobrou uma transição agroecológica.

“Enquanto se nota a agilidade para a tentativa de aprovação de propostas como essa, segue paralisada a iniciativa de aprovação de uma Política Estadual de Agroecologia e Produção Orgânica no Ceará, que vem sendo pautada por agricultores familiares e pelas mais diversas organizações sociais em nosso Estado”.

Representantes da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Ceará (Fetraece) e outras entidades estiveram na Assembleia Legislativa, na semana passada, quando conversaram com parlamentares do PT e de outras siglas sobre o tema.

A entidade publicou registro dos encontros nas redes sociais e pediu "tempo para debate, realização de audiência pública, apresentação de argumentos, estudos e notas técnicas que demonstram os impactos ambientais e de saúde pública causados pela pulverização aérea de veneno".

Os representantes se reuniram com os deputados Missias Dias (PT), De Assis Diniz (PT), Jô Farias (PT), Jeová Mota (PDT) e Lucinildo Frota (PDT). Uma nova mobilização de entidades está prevista para ocorrer na Alece, nesta quarta-feira, 18.

Publicado originalmente no O Povo+

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