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8 de dezembro de 2024

O poder que o Legislativo tem de fazer um governo balançar, por Vítor Magalhães

Nos últimos anos, o que se tem visto na esfera federal é um Legislativo mais insurgente, contrapondo-se a diferentes governos (Foto: Zeca Ribeiro)

A separação e a autonomia dos poderes são mecanismos importantes para o funcionamento do sistema institucional democrático. Dentro dessa realidade, Executivo e Legislativo dois pilares fundamentais, com atribuições próprias e forças equivalentes. Embora a regra geral seja a de que cada um atue no seu quadrado, a relação nem sempre é linear ou harmoniosa e pode ter efeitos práticos na dinâmica política brasileira, seja na esfera federal, estadual ou mesmo municipal.

Executivo e Legislativo são interdependentes. Na dinâmica de um governo, a relação com o parlamento tem um peso, muitas vezes, definidor. Pode refletir em boa governabilidade e aplicação das agendas da gestão ou em pautas embarreiradas no Legislativo. Já deputados e senadores buscam o Executivo para obter espaços políticos, como indicações para órgãos, além de viabilização de projetos em suas bases eleitorais.

Nos últimos anos, o que se tem visto na esfera federal é um Legislativo mais insurgente, contrapondo-se a diferentes governos. No Ceará, um impasse político após a indicação de um candidato a presidente da Assembleia Legislativa quase implodiu uma aliança estadual de mais de 15 anos. Em Fortaleza, o prefeito eleito, Evandro Leitão (PT), tenta aglutinar vereadores à base após uma fragmentação eleitoral fruto da polarização nas eleições.

O POVO ouviu cientistas políticos e especialistas sobre os motivos que levam o Legislativo a ter tamanho peso na dinâmica institucional brasileira e como isso impacta nas decisões do Executivo, a depender do contexto ou do momento político atravessado.

Paula Vieira, cientista política e pesquisadora vinculada ao Laboratório de Estudos sobre Política Eleições e Mídias (Lepem-UFC), analisa que o sistema político brasileiro tem reflexo direto no funcionamento institucional. “O Executivo tem um nível de centralização de poder porque controla a agenda política, que são as pautas de governo. Entretanto, para implementá-las precisa de apoio do Legislativo”, lembra.

Ela cita o peso do Legislativo na própria formação das equipes do Executivo. “Por que, às vezes, vemos parlamentares, de diferentes partidos, ocupando vagas nos Ministérios e secretarias? Porque quando se faz essa divisão, dando representação ao Legislativo, cria-se um diálogo entre os poderes. Para o Executivo exercer o poder de agenda, ele precisa do legislador. Precisa que o presidente da Câmara articule e paute, coloque nas agendas legislativas as pautas do governo. O diálogo é necessário”.

No contexto local, Cleyton Monte, cientista político e colunista do O POVO, atribui o peso do Legislativo a alguns fatores, dentre eles orçamento próprio e força dos parlamentares em diferentes localidades. “O Legislativo tem peso pelo orçamento que comanda. A Assembleia e a Câmara de um município como Fortaleza têm autonomia orçamentária”, destaca.

E segue: “Além disso, o Legislativo pode ter uma agenda própria. Deputados e vereadores estão próximos das comunidades. É algo difícil de se ter no Executivo, por mais próximo que prefeito e governador estejam da população, eles não podem estar em todos os bairros de uma cidade ou municípios de um Estado. Os parlamentares, por sua vez, estão em agendas permanentes de debates com as comunidades”, comenta.

Os especialistas destacam que o Legislativo ganha ainda mais musculatura em tempos de crise. “Estamos num sistema com muitos partidos e com um Legislativo que ganha poder em tempo de crise e lideranças fragilizadas, mas é um poder disperso, com partidos de diferentes tipos e ideais. O que torna essa relação entre poderes mais custosa”, diz Monte.

Vieira descreve uma diferença entre o Legislativo na esfera Federal. “Percebemos nos últimos anos um Legislativo se contrapondo aos governos: Dilma, Temer e Bolsonaro. Até mesmo o presidente Lula vem tendo dificuldades por conta do acirramento político. Por isso sempre há um esforço dos governos no sentido de dialogar e sempre há expectativas em relação às eleições para as presidências da Câmara e do Senado”, relata.

Já em nível estadual ou mesmo municipal, observa que a maior parte das agendas dos parlamentares é reflexo de agendas dos governos. “De modo geral, deputados estaduais e vereadores se alinham com os Executivos, como forma de manter a visibilidade para a localidade onde foram eleitos. Mostrando que eles têm acesso ao Executivo”.

Impasse na Assembleia quase implode aliança no Ceará

Parlamentares da atual Mesa Diretora da Alece com o futuro presidente (Foto: Júnior Pio)

A indicação de quem seria o candidato da base a novo presidente da Assembleia Legislativa (Alece) quase pôs fim a uma aliança de mais de 15 anos no Ceará. O senador Cid Gomes (PSB) ameaçou deixar a base do governador Elmano de Freitas (PT), gerando estremecimento e temor entre deputados estaduais que ficaram no meio do fogo cruzado.

Cid é precursor do arco de aliança que hoje está à frente do Palácio da Abolição, que esteve na Prefeitura de Fortaleza e na própria presidência da Assembleia. Originalmente, Fernando Santana (PT) tinha sido escolhido para o cargo de presidente, mas Cid mostrou relutância com o que seria uma concentração de poder do PT.

No fim das contas, Fernando anunciou a desistência e Romeu Aldigueri (PDT) foi eleito com 44 votos. Cid negou que tenha rompido com o governador, embora a insatisfação tenha ficado cristalina.

Paula Vieira, pesquisadora política, destaca que embora Cid componha uma aliança com o PT no Ceará, o senador tomou a atitude a fim de preservar a força política do grupo de comandados. “O que Cid buscava era preservar algum espaço do seu grupo político, que é forte, porém com a indicação inicial perderia todos os espaços institucionais de visibilidade”.

Aldigueri foi eleito e afirmou que Cid estava contemplado com a eleição. "Com certeza", foi a resposta do deputado ao ser questionado se a eleição dele atendia a reivindicação do senador. "Acredito que o movimento, a conversa, houve diálogo, não foi individualizado, foi um contexto. O senador Cid é uma pessoa autêntica, sempre colocou isso, que acreditava que fosse dado mais espaço para a parte dos aliados”, disse o deputado.

Após a turbulência devido à eleição da mesa diretora da Alece para o biênio 2025-2026, Romeu Aldigueri destacou: “O bom tempo chegou à Casa, está pacificada. Nós precisamos olhar para os grandes temas políticos, para os grandes projetos políticos do Estado".

O cientista político Cleyton Monte avalia o mal-estar gerado a partir da indicação para a presidência da Alece. “Por qual motivo existiu um conflito na escolha do presidente? Porque é ele quem determina a agenda legislativa. É uma figura central no sistema político. A base está estritamente relacionada com o governo. Quando se tem estremecimentos na base aliada isso gera efeitos e reflete no governo e vice-versa. Eles são interrelacionados”, diz.

Monte lembra ainda do que a posição de presidente atrai para o personagem e para o grupo político que ocupa a vaga. “Basta olharmos para os exemplos mais recentes. Quando o atual grupo político que está no poder escolhe alguém para ser candidato a prefeito de Fortaleza, eles escolhem quem? O presidente da Alece. Foi assim com Roberto Cláudio, José Sarto e Evandro Leitão. Isso se dá porque enquanto presidentes do Legislativo, esses personagens já tiveram suas habilidades políticas testadas. Imagine só o quão é difícil garantir que tantos interesses distintos, num universo de 46 deputados, estejam alinhados”, complementa.

Evandro e a relação com a Câmara de Fortaleza

Mesa Diretora da Câmara de Fortaleza (Foto: Evilázio Bezerra)

Desde que venceu o segundo turno das eleições de 2024, o prefeito eleito de Fortaleza, Evandro Leitão (PT), articula apoio na Câmara Municipal a fim de garantir governabilidade. Evandro se reuniu com diversos parlamentares, inclusive os que apoiaram o candidato opositor, André Fernandes (PL). A prática é comum entre líderes do Executivo, que dependem de um Legislativo disposto a pautar suas agendas.

O desafio da gestão eleita é superar acirramentos políticos gerados no período eleitoral e um esforço parece estar sendo feito neste sentido. Até porque, na esfera municipal, sobretudo na Capital, ocorre uma espécie de dependência mútua. Os vereadores também têm interesse em ter proximidade política com a Prefeitura, pois é a partir dessa relação que garantem ações e levam os benefícios aos respectivos bairros e bases eleitorais.

A professora universitária e pesquisadora política Paula Vieira já vislumbra que o Executivo conseguirá uma maioria pró-Evandro sem grandes percalços. Ele já tinha uma pequena maioria de apoios. Logo após as eleições alguns vereadores saem desse tensionamento porque é do interesse deles levar as políticas públicas às suas bases eleitorais. É interessante para o vereador estar articulado com o prefeito”, explica.

Vieira reforça que alguns parlamentares podem até estar na oposição discursiva, mas na prática acompanham parte dos projetos que chegam às bases eleitorais. Ela também projeta o que Evandro deve enfrentar de oposição na CMFor. “O que vamos ver com Evandro é a resistência de um grupo de oposição, mais ideológico e que está mais forte, mas tendo a acreditar que ele, que já é conhecido por amplos diálogos, tende a conseguir apoio dos vereadores. Até esse momento não há sinalizações de que não haverá diálogo”.

Publicado originalmente no O Povo+

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