Lula e Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia (Foto: Ricardo Stuckert) |
O fim das negociações foi visto como um grande ganho para o presidente brasileiro, que ganhou as eleições de 2022 com a promessa de que colocaria o Brasil de volta no protagonismo da diplomacia internacional. "A conclusão do acordo é, para Lula, uma vitória relevante, mesmo tendo os próximos passos para ser, de fato, implementado. Mesmo mantendo sua conhecida preferência pela cooperação Sul-Sul, o presidente demonstrou maturidade ao fazer o necessário para destravar negociações que se arrastavam havia 25 anos e manter os interesses do Brasil preservados", avalia Beatriz Nóbrega, consultora de Relações Governamentais e CEO (principal executiva) do Instituto VivaCidades.
"O acordo é um grande avanço para uma nova inserção do Mercosul no comércio internacional. É também um elemento positivo para o Brasil no novo contexto geopolítico com a crescente confrontação entre os EUA e a China", destaca o ex-embaixador do Brasil em Washington Rubens Barbosa, CEO do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice).
O presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, considera a conclusão das negociações do acordo Mercosul-UE "um passo importantíssimo" para o Brasil, tanto no aspecto político quanto comercial. "Ele mostra ao mundo que o país é capaz de fazer acordos com grandes blocos e que o Brasil é importante economicamente e comercialmente, porque abre espaço para as exportações de produtos industrializados", afirma. Contudo, ele lembra que o texto ainda precisa ser revisado e aprovado pelos parlamentos dos países dos dois blocos. Para Barbosa, esse obstáculo poderá ser superado até o fim de 2025, quando o país assumirá a presidência pró-tempore do Mercosul.
Lula ainda se prepara para outra etapa também importante dessa agenda, pois, em 2025, o Brasil sediará a Cúpula do Brics — grupo dos países emergentes inicialmente integrado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, agora, ampliado — e a 30ª reunião da conferência sobre mudanças climáticas da Organização das Nações Unidas (ONU), a COP30.
"O presidente Lula encerra 2024 mantendo-se fiel ao plano de permitir ao Brasil retomar um posto mais relevante no cenário global, retomando o status quo das relações bi e multilaterais. Ainda que não tenha tido toda a relevância desejada, com uma participação pouco noticiada na Assembleia Geral da ONU, neste ano, pode ser considerado um bom aquecimento para o que está por vir", avalia Nóbrega.
Em setembro, na abertura da Assembleia Geral da ONU, em Nova York, Lula tratou de temas como a guerra na Faixa de Gaza, crise climática, fome e reforçou o apelo para uma reforma na governança global. Mariana Cofferri, analista de relações internacionais e membro das Comissões de Advocacia nos Tribunais Superiores e Relações Internacionais da regional da Organização dos Advogados do Brasil do Distrito Federal (OAB/DF), considera que "Lula tem transmitido positivamente uma imagem de liderança regional no âmbito Sul-Sul, principalmente com a ampliação de alianças comerciais, do Brics , e da volta do protagonismo internacional".
Mas a participação de Lula na cúpula do Brics, em setembro, foi marcada, principalmente, pela defesa de uma moeda comum no grupo, em alternativa ao dólar, tem gerado tensão com Donald Trump. O republicano ameaçou aumentar as tarifas, quando retornar ao poder, para os países do bloco que ganhou novos integrantes: Irã, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Egito e Arábia Saudita.
Apesar da retomada do protagonismo do Brasil em alguns foros multilaterais importantes, tal qual o G20, o cientista político Leandro Consentino, professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), faz ressalvas. "Ainda fica uma dificuldade, sobretudo, por conta de uma certa ideologização de alguns temas, como a aproximação dos países do Brics e o antiamericanismo, porque isso pode dificultar um pouco a inserção do Brasil no cenário internacional", afirma.
Posicionamento
político
Neste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi cobrado por um posicionamento mais contundente sobre as guerras entre Palestina e Israel, no Oriente Médio, e Rússia e Ucrânia, na Europa. Além disso, a falta de críticas sobre a eleição sem transparência na Venezuela, que colocou, novamente, Nicolás Maduro na presidência, deixou a diplomacia do governo brasileiro, que sempre defendeu a democracia, em posição bastante desconfortável ante o ditador vizinho.
“Um aspecto da atuação de Lula em 2024 foi a habilidade de não se expor diante de cenários de crises regionais sem comprometer a imagem do Brasil. Mesmo diante de situações delicadas envolvendo aliados históricos, como a Venezuela de Maduro, optou por uma postura mais institucional, evitando desgastes desnecessários e preservando o capital político do país para momentos mais estratégicos. Isso mostra um Lula mais pragmático”, afirma a consultora Beatriz Nóbrega.
Mariana Cofferri, da OAB-DF, avalia a situação da mesma maneira. “É necessário manter a neutralidade natural e esperada do chefe de Estado brasileiro, para que sejam minimizados efeitos laterais de soft power ou desgastes que venham ase estender por alguns anos, principalmente com as mudanças de lideranças em outros países que vêm acontecendo. ”Para ambas as especialistas, aposição mais “neutra” do presidente brasileiro contribuiu para a imagem externa do Brasil, que, historicamente, é vista como a de um país pacifista. Segundo Nóbrega, Lula tem buscado posicionar o Brasil como mediador confiável entre diferentes interesses globais, “especialmente no equilíbrio delicado entre China, Rússia e Estados Unidos”, mantendo canais de diálogo abertos com todas as grandes potências, “sem entrar em rota de colisão com nenhuma delas”.
Leandro Consentino, do Insper, não vê da mesma maneira. Para ele, em muitos momentos, houve uma tentativa de neutralidade que acabou pendendo mais para um lado do que para outro. “Essa imagem de pacifista em si, não sei se a gente consegue cultivá-la muito bem, sobretudo, porque o país acaba se intrometendo em alguns assuntos de uma maneira que tenta parecer algo como isento, mas acaba soando um pouco para um lado. Quer dizer, no conflito da Ucrânia e no conflito em Gaza, o governo tenta fazer a ideia de que nós não queremos guerra de qualquer forma, que o Lula não deseja conflito de nenhum lado, mas sempre responsabiliza mais um lado que o outro.” Em discurso, por exemplo, Lula chegou a comparar o governo de Israel ao de Adolf Hitler, na Alemanha nazista, que matou milhões de judeus. Vale lembrar que, desde a eleição, ele evita críticas às ditaduras de esquerda, como a de Daniel Ortega, na Nicarágua.
Protagonismo
ambiental
A bandeira levantada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a crise climática, que constou em todos seus discursos internacionais e foi uma das prioridades durante a cúpula do G20, é considerada o principal acerto da diplomacia brasileira, segundo os especialistas.
Na declaração final dos líderes do G20, constou o compromisso de garantir que o aumento da temperatura média global fique abaixo de 2ºC. O Acordo de Paris, assinado em 2015, previa que o valor permanecesse em 1,5ºC até 2030. No entanto, neste ano, o mundo já está próximo da marca.
Além disso, durante a COP29, realizada simultaneamente ao G20 no Azerbaijão, foram atualizadas as metas individuais para a redução de emissão de gases do efeito estufa, que geram o aquecimento da Terra. As Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC, na sigla em inglês) são compromissos que cada país assume para mudar a situação climática até 2030.
"Lula acerta muito bem em situar essa questão da COP30, da questão ambiental, como um ativo de política externa brasileira. Esse é um gol, entre aspas, importante do ponto de vista da nossa diplomacia. O Brasil precisa se inserir mais nesse tipo de debate, em que tradicionalmente nós temos uma posição de liderança importante, nós temos um soft power, que a gente chama de um poder de convencimento, um poder de ideias importantes. O Lula situa bem o Brasil nesse patamar, nessa discussão, sem dúvida nenhuma", afirma o cientista político Leandro Consentino, do Insper. "Essa é a face que o Brasil precisa tornar mais vistosa lá fora, em detrimento de querer se tornar mediador ou querer se intrometer em assuntos, como a guerra da Ucrânia, como conflito em Gaza, para o qual a gente não tem credenciais e nem tamanho razoável do ponto de vista de potência para querer, enfim, resolver", acrescenta.
O
lançamento da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, na cúpula do G20, será,
na avaliação dos especialistas, a base de expectativa para assumir os
compromissos internacionais do ano que vem. Beatriz Nóbrega, do Instituto
VivaCidades, vê a atuação de Lula no Rio como "um ensaio" para 2025.
Publicado
originalmente no Correio Braziliense
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