22 de dezembro de 2024

Dezembro entra no consultório, por Kaio Pimentel

A Praça do Ferreira em Fortaleza recebe milhares de pessoas todo final de ano (Foto: Reprodução/Natal de Luz)

A canção do cantor Djavan com participação da saudosa Cássia Eller, Milagreiro, do álbum de mesmo nome de 2001 remete às festividades de fim de ano. “Agora vamos ter os girassóis / Do fim do ano / E o calor vem desumano / Tudo irá se expandir / Crescer com as águas / Quiçá, amores nos corações”, cantam.

Por outro lado, a promessa do Natal e do Réveillon pode ser vivenciada por algumas pessoas com sentimentos opostos ao clima efusivo da época, como angústia, ansiedade e/ou depressão.

A condição é chamada de “dezembrite” ou “síndrome do fim de ano”. Apesar disso, é um termo informal e a psicologia não reconhece na Classificação Internacional de Doenças de Transtornos Mentais e Comportamentais (CID F).

Segundo Juçara Mapurunga, psicanalista, psicóloga e professora da Universidade de Fortaleza (Unifor), o seu efeito é conhecido em estudos. “Todos passamos por um ritual de transição: fim de um ciclo e outro que vai começar. Diante disto, é comum sentir angústia e nostalgia e, ao mesmo tempo, entusiasmo com tudo o que está por vir", explica.

"Fatores como avaliação do ano que está finalizando, incluindo promessas frustradas, insucessos, perdas e metas inalcançadas podem gerar crises e as pessoas entram em um processo de ansiedade e/ou depressão”, sublinha. Para a especialista, o mês de dezembro abriga um aumento de casos danosos à saúde mental.

De acordo com a professora, para atenuar os sintomas da dezembrite, o primeiro passo é se dar conta que o fim do ano não é o fim de sua vida e que a próxima fase é uma oportunidade de fazer o que ainda não foi feito.

“Tentar se perdoar sobre as coisas que não saíram da forma como era desejado, lembrando que não existe completude e que devemos valorizar o que conseguimos fazer, até mesmo se foi o nosso possível”, tranquiliza.

Conforme a psicanalista, é preciso manter uma rotina de alimentação, sono e exercícios físicos antes das festas. Já durante as celebrações, ingerir álcool com moderação e dar menos importância para falas inconvenientes; diminuir o nível de autocobrança e dizer não, quando for necessário; e não fingir que está tudo bem só para agradar são alguns dos conselhos.

Segundo Juçara, o quadro pode ser grave se já houver outros transtornos mentais, assim como a constância do problema. Nesses casos, o fim do ano pode ser experimentado como um luto, criando-se um ciclo doentio de melancolia, caso o problema seja ignorado, aponta.

A estudante de publicidade e propaganda da Universidade Federal do Ceará (UFC) Marina Mendonça, de 21 anos de idade, é uma das afetadas pela síndrome desde a adolescência. No entanto, não conhecia a nomenclatura antes da entrevista.

O fator cronológico e a confraternização social com familiares são seus gatilhos. “Você acaba percebendo muitas nuances que você não percebia, porque não reuniu aquela gama de pessoas antes. Vem de uma sensação de o tempo estar passando e eu continuo aqui ainda. Acaba se perdendo temporalmente mesmo como uma sensação de inadequação ao tempo em que se vive”, reflete.

Apesar de notar que tem dezembrite, não abordou o tema com seu analista, mas animou-se em tratar o assunto na próxima consulta. Contudo, ela sente que as datas de fim de ano marcam um sentimento nostálgico e um medo do futuro pela angústia de achar que as semanas são imensas e os anos rápidos demais.

A universitária crê que ser filha única de mãe solo colabora para o quadro. Assim, costuma celebrar o Natal com ela e alguns familiares que, segundo Marina, são distantes. Mas divide o sentimento positivo de encontrar pessoas que não via há tempo como um outro lado.

Para a futura publicitária, paralelamente, o Réveillon vem de um contexto alcoólico, geralmente, com os amigos. “Aquele primeiro dia do ano parece que não queria que existisse. Você já entra no ano novo mal”, queixa. Para ela, a compreensão do problema é fundamental.

Em entrevista exclusiva ao O POVO, o psicanalista e professor da Universidade de São Paulo (USP) Christian Dunker define o interesse pela síndrome como um pressentimento acumulado e pela preocupação de uma fase que exige um maior cuidado próprio com as relações e as decisões que, muitas vezes, acontecem neste período.

Segundo Dunker, dezembro é o mês mais procurado por atendimento psicológico. “Temos três momentos de alta exigência para a saúde mental", pontua.

"O Natal, uma festa de família, com retomada de conflitos formativos que ficaram para trás. O Ano Novo, que é uma festa do futuro, onde perspectivamos o que queremos e para onde iremos. E para algumas pessoas, as férias com mudança do modo de funcionamento para suportarmos um presente estendido e com mais contato com nós mesmos. São três tarefas que por si só demandam ajuda”, elucida.

De acordo com o psicanalista, o período comporta também tensões laborais como demissões e balanços empresariais. Além disso, é comum uma avaliação do relacionamento feita por casais, muitas vezes chegando a pensar e anunciar o desejo de separação.

Conforme o professor, as palavras de ordem para lidar são humildade e tolerância. “É muito importante não olharmos para nós mesmos como apenas uma unidade de produção e consumo. Não olhar para si como se fosse uma empresa e sim fazer apreciações críticas transformativas e promessas com uma acuracidade”, indica.

Dunker condena elaborar um balanço em duas horas, chamando de receita para o ano que vem, pois é um esforço que exige meditação, calma e perspectivação lenta do futuro.

“Cuidado com as promessas muito objetivas, porque voltam-se contra você como uma espécie de polícia disciplinadora. É uma relação de dívida. Você está se massacrando, pegando um martelo e dando na sua cabeça”, instrui.

Publicado originalmente no O Povo+


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