2 de dezembro de 2024

Anistia e pacificação nacional, por Fernando Castelo Branco

Militares golpistas de 54/61 anistiados, triunfam e efetivam o golpe em 1964 (Foto: Reprodução/Arquivo Nacional)

É legítimo, o desejo de pacificação. Ela é necessária para trazer racionalidade e distensionamento ao debate público. E o Brasil tem larga tradição de uso da anistia como instrumento de superação de tensões políticas.

Militares estavam prontos para depor Vargas em 1954, em apoio ao projeto golpista de Lacerda e da UDN. Em fevereiro assinaram manifesto contra políticas do governo. Em 22 de agosto pediram a renúncia do presidente da República. Dois dias depois Getúlio se matou, e os militares que ameaçaram a deposição e pediram publicamente a renúncia do presidente não foram punidos.

Em novembro daquele 1954 houve eleições parlamentares e a UDN perdeu. Em outubro de 1955, nova derrota: JK e Jango foram eleitos presidente e vice, derrotando Juarez Távora, da UDN; Adhemar de Barros, do Partido Social Progressista, e o fascista Plínio Salgado, que concorreu pelo Partido da Representação Popular.

O que fizeram Lacerda, a UDN e o grupo de militares golpistas? Não reconheceram o resultado das urnas, lançaram dúvidas sobre o processo, pediram intervenção das Forças Armadas, tentaram a anulação e convocação de novas eleições. Assustadoramente familiar, não é mesmo?

Foi preciso organizar os legalistas na resistência ao golpe dentro das forças armadas para garantir a posse de Juscelino em 31 de janeiro de 1956. Mas apenas 10 dias depois, em fevereiro, militares da Aeronáutica tomaram de assalto um avião caça no Rio de Janeiro e organizaram uma sedição no Pará, que durou 19 dias. Foram todos anistiados: os golpistas de 1955 e os sediciosos de 1956. E o que fizeram?

Tentaram de novo! Em 1959, de novo, sequestraram aviões (dessa vez, até mesmo aviões comerciais) e ameaçaram bombardear palácios de governo e tomar bases militares. Derrotados, fugiram do país, não foram julgados, e retornaram ao Brasil no governo Jânio Quadros. Impunes, o que fizeram?

Tentaram novo golpe, em 1961, quando foram derrotados pela campanha da legalidade liderada por Brizola. Mais uma vez não foram punidos; ao contrário, foram chamados a um acordo que garantisse a posse de Jango num regime parlamentar, sem poderes de governo. Em 1963, o presidencialismo vence um plebiscito nacional que devolve a Jango os poderes de governo; e os militares do manifesto de 54, da agitação golpista de 55, de Jacareacanga em 56, do Aragarças de 59, das ameaças de 61, finalmente triunfam, e efetivam o golpe em abril de 1964.

Ficaram 21 anos no poder. Ao longo desse tempo, os números da Comissão Nacional da Verdade, da Comissão Camponesa da Verdade, e da Human Rights Watch, apontam para 20 mil pessoas torturadas e mais de 1.600 assassinadas. Ao final, foram ampla, geral, e irrestritamente anistiados, em 1979.

Precisamos aprender com a história. Que, pelo menos dessa vez, a superação da tensão se dê por meio da responsabilização. Que a democracia demonstre sua força garantindo o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa, a presunção de inocência, e finalmente, o julgamento com justas absolvições e condenações.

Sem anistia. Para que não se esqueça, e para que nunca mais aconteça.

Publicado originalmente no O Povo+

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Eles ("os golpistas") ainda estão aqui

 


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