Os discursos de ruptura construíram o ambiente hostil no qual a agressividade foi semeada por uns e tolerada por muitos mais (Foto: Dorivan Marinho) |
A Praça dos Três Poderes, em Brasília, é o coração da República no Brasil. Que Francisco Wanderley Luiz tenha detonado explosivos no local onde estão as sedes do Poder Judiciário, Congresso Nacional e Presidência da República é grave demais. Toda a linha sucessória do poder no País despacha dali. Até onde se sabe, a ação da noite de quarta-feira, 14, foi isolada. Mas, o episódio se conecta a vários outros recentes, a partir da mesma motivação.
Uma
sucessão de fatos isolados
Em
24 de dezembro de 2022, três bolsonaristas em espírito bem pouco natalino
planejaram o que poderia ter sido um dos mais graves atentados ocorridos no
Brasil desde a redemocratização. George Washington, Alan Diego dos Santos e o
cearense Wellington Macedo colocaram explosivo em caminhão de combustível perto
do aeroporto de Brasília.
No
dia 12 daquele mesmo dezembro, extremistas promoveram destruição em frente à
sede da Polícia Federal em Brasília.
E
houve o 8 de janeiro, um levante generalizado contra o resultado das urnas, o
mais amplo e patético gesto de inconformismo com uma derrota já registrado. São
muitos fatos isolados para não ver o fio nem pouco tênue entre eles.
Responsabilidades
e irresponsabilidades
A
responsabilidade criminal pelos atos é individualizada e específica. Mas a
responsabilidade política é indissociável da longa série de falas, atos e
manifestações que insuflaram a população contra instituições. As manifestações
foram irresponsáveis, incendiárias e como tal foram apontadas na época.
O
Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foram os
alvos principais. Mas, o Congresso Nacional também foi visado. Sem falar do
presidente Lula, da primeira-dama Janja e muitos, muitos outros agentes
públicos. O próprio sistema eleitoral foi colocado em questão.
Os
discursos de ruptura construíram o ambiente hostil no qual a agressividade foi
semeada por uns e tolerada por muitos mais. A sequência é longa, mas houve
alguns particularmente graves. Em julho de 2021, o então presidente Jair
Bolsonaro (PL) cobrava “voto impresso e auditável”. Caso contrário, ele dizia:
“Dessa forma, corremos o risco de não termos eleições no ano que vem”.
Em
agosto do mesmo ano, ele fez ameaça a Alexandre de Moraes: “E a hora dele vai
chegar porque ele está jogando fora das quatro linhas da Constituição há muito
tempo. Eu não pretendo sair das quatro linhas para questionar essas
autoridades, mas acredito que o momento está chegando. Não dá para continuarmos
com um ministro, arbitrário, ditatorial, que não respeita a Constituição”.
Nas
vésperas da comemoração do 7 de setembro, Bolsonaro voltou ao tema: “O STF não
pode ser diferente do Poder Executivo ou Legislativo. Se tem alguém que ousa
continuar agindo fora das quatro linhas da Constituição, o poder tem que chamar
aquela pessoa e enquadrá-la. Se assim não ocorrer, qualquer um dos três
poderes... A tendência é acontecer uma ruptura”.
No
dia 7 de setembro, o ex-presidente voltou à carga: “Ou o chefe desse Poder
enquadra os seus ou esse Poder pode sofrer aquilo que não queremos. Porque nós
valorizamos e reconhecemos o Poder de cada República. Nós todos aqui na Praça
dos Três Poderes juramos respeitar a nossa Constituição. Quem age fora dela se
enquadra ou pede para sair”. Em maio de 2022, voltou a ameaçar: “O que é o
senhor Alexandre de Moraes? Ele quer o confronto? Uma ruptura?”
Quem
já ouviu o discurso bolsonarista sabe o quanto houve estímulo à hostilidade
contra Moraes em particular, contra o STF e contra as instituições de forma
geral. Não se mandava partir para a violência de forma direta, mas a fala em
ruptura é explícita e recorrente. Ali estava a semente dos acampamentos diante
dos quartéis, tolerados pelo governo Bolsonaro, onde Wanderley esteve e onde
nasceram o ataque à PF, o plano do caminhão-bomba e o 8 de janeiro.
Uma vez que se ateia fogo, a chama pode sair do controle. É indissociável a onda de agressões do discurso dos líderes. Há responsabilidade política e a manifestação anódina de Bolsonaro na quinta-feira, depois da cara de pau do artigo publicado nesta semana, não contribui para a pacificação.
Publicada
originalmente no portal O Povo +
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