A Fundação Projeto Diferente ajuda no desenvolvimento cognitivo das crianças autistas como leituras, atividades com músicas (Foto: Samuel Setubal)
Quem chega no endereço localizado na Rua José Vilar, 938, no Meireles, se depara com um espaço repleto de afeto, cuidado e carinho com o próximo. Com inúmeras paredes pintadas pelos alunos, marcadas pelos dedinhos de tinta guache por todos os lugares.
É importante ressaltar a primeira coisa que enche os olhos de quem conhece o local pela primeira vez: um jardim recheado de flores de todas as cores. Bem cuidadas e regadas diariamente pelas crianças, que se divertem e aprendem mais sobre a natureza.
Adrian Almeida ama música e gosta de pintar com tinta guache. Aos 11 anos, ele encontrou nessas expressões artísticas uma forma para se comunicar com os pais e as pessoas à sua volta.
Esse despertar pela cultura vem ocorrendo de forma gradual a partir das experiências vividas por Adrian na Fundação Projeto Diferente, instituição sem fins lucrativos com atuação em Fortaleza que em 2024 completa 35 anos de atuação.
"Foi uma coincidência boa”, descreve o hoteleiro André Luiz Almeida, pai do menino, sobre a forma que descobriu a entidade. Tudo aconteceu ao passar em frente à instituição e ver a placa informando sobre o acolhimento para crianças e jovens no espectro autista.
Pinturas, desenhos, jardinagem e atividades de cortar e colar não são só brincadeiras comuns no dia a dia dos pequenos. Sobretudo no caso de crianças que possuem o Transtorno do Espectro Autismo (TEA), essas tarefas são poderosas.
Para André, a convivência de Adrian com as professoras e outras crianças com TEA mostram no dia a dia uma evolução no comportamento do filho, diagnosticado com autismo nível 3 aos dois anos.
“O Adrian gosta muito de sons, quando ele ouve o barulho do violão, ele já muda, quando se trata de música, ele já fica ligado. E essa parte aqui na fundação é bem trabalhada, ele não consegue se expressar ainda, mas acredito que se ele conseguir de alguma forma, a arte seria um caminho bem viável, principalmente pintura, música. Se ele conseguisse, seria ideal”, relata André.
Graduanda em serviço social, a vice-diretora Claudia Rodrigues conta que, no projeto, são realizados atendimentos pedagógicos, prioritariamente para aqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade e que ainda sofrem muito estigma social.
Avaliando os 35 anos da instituição, Claudia destaca a trajetória do órgão como um ato de coragem e resistência, por trabalharem e lutarem em uma causa que, no início do projeto, não era muito debatida, estudada e explicada para quem não compreendia, mas que, mesmo com muitos avanços, ainda enfrenta muitas dificuldades.
"Foram anos de muitas batalhas. Mudanças governamentais, legislativas, políticas públicas cada vez mais fragilizadas, só hoje temos mais informações e enfrentamos esse aumento exponencial de diagnósticos. Uma demanda que não está sendo plenamente assistida", afirma, ressaltando que, ao longo dos anos, a atuação do projeto funcionou levando conscientização às escolas regulares para combater o preconceito.
Claudia cita como conquista a Lei Municipal n.º 7.176 16 de julho de 1992, e a Lei Estadual n.º 13.367, de 16 de setembro de 2003, que tratam da temática.
"Atualmente o primeiro projeto de lei sugerido por um cidadão comum foi criado por nossas mães, onde prevê investimento mais incisivo e direcionado às pessoas no espectro e suas famílias", relata a vice-diretora.
Claudia explica que a ideia de criar o projeto surgiu por meio do psicólogo guatemalense Carlos Arturo Molina Loza. Os primeiros atendimentos ocorreram no Centro de Estudo da Família, no Bairro São João do Tatuapé. Posteriormente foi alugada uma casa próxima para os atendimentos com toda a equipe entre os anos de 1989 a 2003.
Somente em 2004 que a fundação ganhou o espaço do qual está localizado hoje, no bairro Meireles, em prédio doado na gestão do então prefeito Juraci Magalhães (PMDB).
O símbolo da Fundação Projeto Diferente são dois Jabutis, predominando verde, tendo a marca desenhada por Antônio Otony, aluno da instituição desde o início.
"A Fundação é mantida, gerida e cuidada pelos pais. De modo que todas as nossas ações são realizadas visando o bem-estar do grupo familiar como um todo, como nossas confraternizações, palestras, cursos e ações de autocuidado. Pensando na vulnerabilidade social que muitos enfrentam, aderimos a parcerias de apoio nutricional, como o Mesa Brasil SESC e o Programa Mais Nutrição", pontua.
O professor na vida de uma criança atípica
Para Milena Vidal, pedagoga da instituição, a arte é uma ferramenta fundamental no desenvolvimento de pessoas com TEA, pois permite a expressão de sentimentos e pensamentos de forma não verbal.
"Na fundação, incorporamos atividades como pintura, música e teatro, que estimulam a criatividade, melhoram a coordenação motora e incentivam a interação social. Através da arte, as crianças podem explorar o mundo ao seu redor de maneira segura e enriquecedora", opina.
Milena explica também que durante os encontros é oferecida uma variedade de atividades, incluindo terapia ocupacional, fonoaudiologia, educação física adaptada, sessões de música, além de intervenções psicopedagógicas individuais e em grupo.
"Essas atividades são planejadas para promover habilidades sociais, comunicativas e cognitivas, contribuindo para o desenvolvimento integral das crianças e adolescentes", conta a profissional.
Atualmente, a equipe de trabalho é composta de cinco pedagogas cedidas em parceria com a Secretaria de Educação do Estado do Ceará (Seduc-CE), uma educadora física, uma auxiliar de sala de aula e um auxiliar de serviços gerais contratados pela instituição, que nessas condições tem o potencial de atendimento para 64 autistas.
O processo educacional pedagógico do programa é realizado de forma individualizada, ou seja, são realizados planejamentos e cronogramas com atividades específicas para cada aluno.
Dessa forma, as professoras podem avaliar a necessidade e o desenvolvimento dos alunos com uma intervenção específica, ficando atentas às mudanças de comportamento e traçando objetivos baseados em cada dificuldade.
Professora da fundação desde 2013, Eva Matias conta que trabalhar com as crianças com o espectro é muito gratificante, por acompanhar de perto as conquistas diárias de cada um. Mas chama atenção para a falta de financiamento de outros entes para a instituição.
"É uma pena que seja um órgão que não receba mais ajuda financeira de projetos ou do governo, pois, assim, poderia manter uma equipe com outros profissionais importantes para o desenvolvimento das crianças. Infelizmente, também, a instituição ainda não é reconhecida por todos, na Capital, muitos não sabem da sua existência", declara, acrescentando que a instituição se encontra sem os serviços de um psicólogo, que auxilie as crianças.
Eva detalha a importância de manter uma rotina e previsibilidade para crianças com TEA: "A rotina e previsibilidade são de fundamental importância, para que o indivíduo possa se organizar. Pois, diante de um episódio de quebra de rotina de uma criança ou adolescente que seja acostumado a vivenciar aquilo ou que tenha seus movimentos calculados de forma previsível, é possível que essa quebra possa ser um gatilho para desencadear uma grave crise".
Pais e filhos na Fundação Projeto Diferente
"Foi a indicação de uma amiga” conta a dona de casa Maria do Socorro Barros sobre a descoberta da Fundação Projeto Diferente. Ela narra que estava em busca de um local para que Lucas, de 9 anos, pudesse frequentar e que a ajudasse no cotidiano do filho.
"Quando falo para ele que vamos para a fundação, ele muda logo de humor. O Lucas é uma criança muito ritualista e cheia de ecolalias (repetição involuntária de palavras ou frases), então ele já se adaptou à rotina de vir duas vezes na semana para o projeto. Uma das atividades que ele mais gosta de fazer é ir à piscina. Se toda vez, antes de fazer qualquer coisa, ele for à piscina, ele vai render bastante em outras atividades", revela Maria Socorro.
Para além dos cuidados com as crianças, a Fundação Projeto Diferente também se preocupa com o psicológico dos pais da instituição. Por isso, uma vez na semana, os responsáveis podem se encontrar com a psicanalista voluntária Michele Oliveira.
A profissional descreve essa prática como essencial, pois a maioria das mães, principalmente, extrapolam as próprias medidas para cuidar do filho. Contra que o ato de falar sobre a própria vida já é refrigério para elas, que com tantas limitações se veem sozinhas nesse desafio que é cuidar de um filho com tantas necessidades.
"Por que eu cito as mães? Porque é com elas que eu lido, não são os pais que vêm a mim, muitos abandonam, eu convivo com elas. Mas sabemos que têm pais também dedicados. E se eles quiserem, nós também podemos fazer um trabalho juntos", conta Michele, que atua na instituição desde abril.
A psicanalista lista: "Solidão, abandono, indiferença por parte da família. Esses são os relatos que mais escuto. E isso toca muito no meu coração. Como ficar abandonada quando é mais necessário ter acolhimento?".
"Só a gente sabe o que a gente passa. Às vezes, uma mãe se torna psicóloga da outra mãe. É impressionante, porque uma entende a outra e assim a gente vai seguindo. Às vezes, em uma palavra que a pessoa diz, a gente já consegue perceber que ela está precisando desabafar", relata a dona de casa, mãe do pequeno Lucas.
Andrielle Alves é mãe do João Emanuel, 7, e também faz parte do time de professores, auxiliando nas atividades físicas com as crianças.Para ela, além da instituição ser um ótimo espaço para as crianças desenvolverem o lado lúdico, também é um ótimo local para que elas possam movimentar o corpo e se manterem saudáveis, citando a piscina como uma das atividades favoritas para muitas.
"É indispensável e comprovado cientificamente que as atividades físicas trazem inúmeros benefícios, inclusive na socialização para autistas. Conseguimos investir na condição corporal dessa pessoa, ajudando a melhorar a comunicação de uma forma global, contribuindo na participação e felicidade dela" explica a educadora física.
Além de João, Andrielle possui mais dois filhos com o espectro, Maria Liz e José Rael, de 4 e 3 anos, respectivamente, e detalha desafios que enfrenta no cotidiano.
"Achávamos que o nosso primeiro filho era hiperativo e ponto. Aí depois nasceram mais dois e, quando saiu o diagnóstico do João, logo após saiu o mesmo dos outros dois, foi um atrás do outro, quase que ao mesmo tempo. Recebemos a notícia da missão de ter três filhos no espectro autista, foi assustador, mas o diagnosticado nos deu rumo de como agir com eles, procurar informações e estudar para saber tratá-los melhor, procurar auxílio com as terapias que eles precisam para, enfim, poder dar suporte para que eles possam se desenvolver da melhor forma", completa.
Com informações portal O Povo +
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