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14 de setembro de 2024

Cultura nordestina ganha espaço especial na Bienal de São Paulo

O Espaço "Cordel e Repente" mais de 200 artistas do Nordeste na Bienal (Foto: Iolanda Cândido)

Com início na última sexta-feira, 6, a 27ª Bienal de São Paulo teve forte presença cearense por mais um ano no espaço "Cordel e Repente", que reuniu mais de 200 artistas do Nordeste, entre cordelistas, repentistas e xilogravuristas. A curadora do evento e presidente da Editora Imeph, Lucinda Marques, destaca que há 40 escritores cearenses do total de 76 cordelistas que fazem parte do evento neste ano.

"É muito importante esse espaço porque, além de dar visibilidade para o valor da cultura nordestina, ele recebe várias pessoas de outros estados além de São Paulo. Se não fosse o espaço Cordel e Repente, muitos artistas não teriam condições de expor seu trabalho aqui na Bienal, porque o espaço é caríssimo", afirma a curadora.

Ela continua: "Pode parecer muito, mas 300 metros, para nós, ainda é pouco. A gente pensa em conseguir pelo menos 500 m² no próximo ano. Muitas pessoas gostariam de vir e tiveram que ficar de fora porque o espaço não comporta. São muitos cordelistas, repentistas, xilogravuristas".

Além da visibilidade no momento da Bienal de São Paulo, o espaço "Cordel e Repente" proporciona aos artistas grande importância econômica devido às intensas vendas no local e às encomendas feitas para o resto do ano. Esse sucesso se dá também pela popularidade do lugar, que nas edições 24ª, 25ª e 26ª da Bienal de SP, se consagrou como o segundo espaço mais visitado e animado do evento.

Devido ao grande número de visitantes desde a inauguração deste ano, a expectativa é que essa edição "Cordel e Repente" supere a marca e se torne o espaço mais popular, segundo Lucinda. "Esse ano eu tenho certeza de que nós terminaremos como o espaço mais popular, devido à quantidade de público e pela qualidade dos músicos que estão se apresentando. Eles não estão só cantando uma música, estão cantando a cultura nordestina", aponta.

Ainda segundo a curadora, o tamanho sucesso do espaço possui duas principais justificativas: "São Paulo é a capital mais nordestina fora do Nordeste. E, quando eles sabem que a gente está com esse espaço, muitas pessoas se preparam para vir até aqui e rever as suas raízes. Além disso, a nossa cultura é muito rica e encantadora, aqui é lotado o tempo inteiro. As pessoas se encantam com a música, com a declamação do cordel, com os próprios livros que falam de temas muito interessantes, como a ecologia, o meio ambiente, a valorização da mulher".

Nesta 27ª edição, o "Cordel e Repente" faz homenagem a importantes artistas do nordeste brasileiro, como Luiz Gonzaga, o "maior defensor da cultura nordestina no Brasil e no mundo", pelas palavras de Lucinda Marques. "O espaço também está celebrando Câmara Cascudo pelo valor que ele tem na fotografia e para a cultura popular; e Nísia Floresta, pelo trabalho que resultou no avanço de muitas mulheres, que hoje se encontram e assumem o seu espaço devido à luta que ela teve".

Além deles, o multiartista de arte popular pernambucano J. Borges, que faleceu em julho deste ano, também está sendo homenageado neste ano. Uma das maneiras que o espaço usou para celebrá-lo foi relançar o livro "Andei Por Aí - Narrativas de uma Médica em Busca da Medicina", que tem texto da cordelista Paola Torres e ilustrações de J. Borges.

"Ele é um livro muito pessoal e significativo para mim. Ele surgiu da necessidade de refletir sobre a minha jornada profissional e, mais do que isso, sobre o meu próprio entendimento da medicina ao longo dos anos. Não é apenas uma obra técnica, mas sim uma autoetnografia, em que compartilho minhas vivências como médica, escritora, cordelista e pesquisadora. Nesse livro, percorro minha trajetória desde a faculdade até os dias atuais, passando por experiências com pacientes, desafios enfrentados e os questionamentos sobre como a medicina pode e deve ser praticada de forma mais humana e integrativa", explica Paola.

Sobre a parceria com J. Borges, ela disserta: "Essa não foi a primeira vez que trabalhei com J. Borges, mas, sem dúvidas, foi uma das mais especiais. Tivemos outras colaborações em projetos de cordel anteriormente, sempre com essa combinação mágica entre texto e imagem. Relançar o livro agora, após a partida dele, traz uma simbologia muito forte para mim. É como eternizar sua arte, seu legado, em um momento em que o cordel também precisa continuar sendo uma voz viva e pulsante da nossa cultura popular".

A escritora, que esteve presente no "Cordel e Repente" ao longo da Bienal, destaca a importância do espaço para a cultura do cordel no Brasil: "A presença desse local na Bienal de São Paulo é essencial. Ele não só resgata e promove o cordel como uma expressão literária, mas também o coloca em evidência em um dos maiores eventos literários do País. O espaço permite que as novas gerações e o público em geral tenham contato com uma forma de arte que é parte da nossa identidade cultural. É uma forma de resistência, de manutenção da tradição e de mostrar que o cordel ainda tem muito a dizer atualmente".

Ancestralidade e ficção

Quem também marcou presença na Bienal de São Paulo foi o editor, professor e historiador Wilson Júnior, que lançou na quinta-feira, 12, a obra de ficção fantástica "Trama Ancestral". A obra se passa no Brasil Colônia, século XVII, e conta a história de um homem negro que acorda na praia sem se lembrar de quem é e da sua história. Para recuperar suas memórias, ele faz um acordo com a entidade Anansi, um Deus aranha que pede ajuda para libertar o seu povo, que está sendo escravizado. Como recompensa, a divindade devolveria suas lembranças.

Wilson, que é fundador do coletivo editorial "Escambau", explica que se inspirou na cultura do povo Ashanti, grupo étnico da região central de Gana, na África. Desta mitologia, também chamada de "axânti", é que vem a entidade Anansi, importante figura do livro. Foi a partir desses estudos sobre ancestralidade que o autor construiu o enredo do novo livro.

"Existe uma desconexão que a maior parte das pessoas negras do Brasil tem com o passado, de não saberem qual o seu povo. Muito se fala em 'vem da África', mas o continente tem diversas etnias diferentes, que eram misturadas e jogadas aqui, e passavam por grandes violências na escravidão colonial. Para além da violência física nas pessoas, tinha a violência da memória, da morte da cultura", aponta.

O historiador continua: "Neste assunto, eu sou criador de formação. É algo que muito me interessa e eu respeito pessoalmente. Fiquei muito tocado com isso. Quando eu fui trabalhar numa obra que ia falar do Brasil, eu queria que essa temática da memória fosse uma central à obra. E essa figura do Anansi talvez não seja muito conhecida no Brasil, porque esses elementos acabaram não permanecendo aqui".

Com informações portal O Povo +

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