O Espaço "Cordel e Repente" mais de 200 artistas do Nordeste na Bienal (Foto: Iolanda Cândido)
"É muito importante esse espaço porque, além de dar visibilidade para o valor da cultura nordestina, ele recebe várias pessoas de outros estados além de São Paulo. Se não fosse o espaço Cordel e Repente, muitos artistas não teriam condições de expor seu trabalho aqui na Bienal, porque o espaço é caríssimo", afirma a curadora.
Ela continua: "Pode parecer muito, mas 300 metros, para nós, ainda é pouco. A gente pensa em conseguir pelo menos 500 m² no próximo ano. Muitas pessoas gostariam de vir e tiveram que ficar de fora porque o espaço não comporta. São muitos cordelistas, repentistas, xilogravuristas".
Além
da visibilidade no momento da Bienal de São Paulo, o espaço "Cordel e
Repente" proporciona aos artistas grande importância econômica devido às
intensas vendas no local e às encomendas feitas para o resto do ano. Esse
sucesso se dá também pela popularidade do lugar, que nas edições 24ª, 25ª e 26ª
da Bienal de SP, se consagrou como o segundo espaço mais visitado e animado do
evento.
Devido ao grande número de visitantes desde a inauguração deste ano, a expectativa é que essa edição "Cordel e Repente" supere a marca e se torne o espaço mais popular, segundo Lucinda. "Esse ano eu tenho certeza de que nós terminaremos como o espaço mais popular, devido à quantidade de público e pela qualidade dos músicos que estão se apresentando. Eles não estão só cantando uma música, estão cantando a cultura nordestina", aponta.
Ainda segundo a curadora, o tamanho sucesso do espaço possui duas principais justificativas: "São Paulo é a capital mais nordestina fora do Nordeste. E, quando eles sabem que a gente está com esse espaço, muitas pessoas se preparam para vir até aqui e rever as suas raízes. Além disso, a nossa cultura é muito rica e encantadora, aqui é lotado o tempo inteiro. As pessoas se encantam com a música, com a declamação do cordel, com os próprios livros que falam de temas muito interessantes, como a ecologia, o meio ambiente, a valorização da mulher".
Nesta 27ª edição, o "Cordel e Repente" faz homenagem a importantes artistas do nordeste brasileiro, como Luiz Gonzaga, o "maior defensor da cultura nordestina no Brasil e no mundo", pelas palavras de Lucinda Marques. "O espaço também está celebrando Câmara Cascudo pelo valor que ele tem na fotografia e para a cultura popular; e Nísia Floresta, pelo trabalho que resultou no avanço de muitas mulheres, que hoje se encontram e assumem o seu espaço devido à luta que ela teve".
Além deles, o multiartista de arte popular pernambucano J. Borges, que faleceu em julho deste ano, também está sendo homenageado neste ano. Uma das maneiras que o espaço usou para celebrá-lo foi relançar o livro "Andei Por Aí - Narrativas de uma Médica em Busca da Medicina", que tem texto da cordelista Paola Torres e ilustrações de J. Borges.
"Ele é um livro muito pessoal e significativo para mim. Ele surgiu da necessidade de refletir sobre a minha jornada profissional e, mais do que isso, sobre o meu próprio entendimento da medicina ao longo dos anos. Não é apenas uma obra técnica, mas sim uma autoetnografia, em que compartilho minhas vivências como médica, escritora, cordelista e pesquisadora. Nesse livro, percorro minha trajetória desde a faculdade até os dias atuais, passando por experiências com pacientes, desafios enfrentados e os questionamentos sobre como a medicina pode e deve ser praticada de forma mais humana e integrativa", explica Paola.
Sobre a parceria com J. Borges, ela disserta: "Essa não foi a primeira vez que trabalhei com J. Borges, mas, sem dúvidas, foi uma das mais especiais. Tivemos outras colaborações em projetos de cordel anteriormente, sempre com essa combinação mágica entre texto e imagem. Relançar o livro agora, após a partida dele, traz uma simbologia muito forte para mim. É como eternizar sua arte, seu legado, em um momento em que o cordel também precisa continuar sendo uma voz viva e pulsante da nossa cultura popular".
A escritora, que esteve presente no "Cordel e Repente" ao longo da Bienal, destaca a importância do espaço para a cultura do cordel no Brasil: "A presença desse local na Bienal de São Paulo é essencial. Ele não só resgata e promove o cordel como uma expressão literária, mas também o coloca em evidência em um dos maiores eventos literários do País. O espaço permite que as novas gerações e o público em geral tenham contato com uma forma de arte que é parte da nossa identidade cultural. É uma forma de resistência, de manutenção da tradição e de mostrar que o cordel ainda tem muito a dizer atualmente".
Ancestralidade
e ficção
Quem também marcou presença na Bienal de São Paulo foi o editor, professor e historiador Wilson Júnior, que lançou na quinta-feira, 12, a obra de ficção fantástica "Trama Ancestral". A obra se passa no Brasil Colônia, século XVII, e conta a história de um homem negro que acorda na praia sem se lembrar de quem é e da sua história. Para recuperar suas memórias, ele faz um acordo com a entidade Anansi, um Deus aranha que pede ajuda para libertar o seu povo, que está sendo escravizado. Como recompensa, a divindade devolveria suas lembranças.
Wilson, que é fundador do coletivo editorial "Escambau", explica que se inspirou na cultura do povo Ashanti, grupo étnico da região central de Gana, na África. Desta mitologia, também chamada de "axânti", é que vem a entidade Anansi, importante figura do livro. Foi a partir desses estudos sobre ancestralidade que o autor construiu o enredo do novo livro.
"Existe uma desconexão que a maior parte das pessoas negras do Brasil tem com o passado, de não saberem qual o seu povo. Muito se fala em 'vem da África', mas o continente tem diversas etnias diferentes, que eram misturadas e jogadas aqui, e passavam por grandes violências na escravidão colonial. Para além da violência física nas pessoas, tinha a violência da memória, da morte da cultura", aponta.
O
historiador continua: "Neste assunto, eu sou criador de formação. É algo
que muito me interessa e eu respeito pessoalmente. Fiquei muito tocado com
isso. Quando eu fui trabalhar numa obra que ia falar do Brasil, eu queria que
essa temática da memória fosse uma central à obra. E essa figura do Anansi
talvez não seja muito conhecida no Brasil, porque esses elementos acabaram não
permanecendo aqui".
Com
informações portal O Povo +
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