20 de julho de 2024

Padre Cícero: sujeito histórico, homem de atitude, intelectual contemporâneo

Padre Cícero em 1925, junto a Floro Bartolomeu e apoiadores (Foto: Acervo Renato Casimiro/Daniel Walker)

Quando o braço do Estado não chegava ao rincões do Sertão, segundo a historiadora Fátima Pinho, foi o padre baixinho, franzino, apenas com a cabeça inclinada que saltava da gola da sua veste religiosa, que por muitas vezes fez o papel de Estado, acolhendo a população pobre. Que lhes estendia uma mão — na outra, carregava a bengala costumeira. Mesmo que esse papel irritasse a Cúria Diocesana da época, por ter sido suspenso dos direitos eclesiais e prerrogativas do ministério sacerdotal. Mesmo que o meio político não gostasse da dimensão de sua figura. Ou que a imprensa sudestina o tachasse como um coronel de batina. A aparência fragilizada distoava da firmeza de seus posicionamentos. 

"Eu costumo dizer que o Padre Cícero foi acima de tudo um sujeito histórico, que assumia posições. Padre Cícero foi um homem de atitude, de convicção e se tornou para milhares de nordestinos, sertanejos e sertanejas, o seu padrinho. Ele os tratava como 'meus amiguinhos, minhas amiguinhas'. Foi o conselheiro, o médico. E apesar da Igreja não aceitar as romarias e essa devoção, os romeiros persistiram, independentemente da Igreja, e continuaram a ir para Juazeiro apesar de sua morte. Tornaram Juazeiro a Meca do Nordeste", descreve a pesquisadora, professora da Universidade Regional do Cariri (Urca).

É célebre, segundo o professor de filosofia e pesquisador José Carlos dos Santos, também da Urca, a frase que o religioso teria dito no seu leito de morte, já com a voz sem saúde, amiudada: “No céu, pedirei a Deus por vocês todos”, teria balbuciado num último suspiro. A mensagem entrou para a posteridade. O professor menciona que as posturas do Padim nas orientações aos seus romeiros serviram para fundamentar uma Juazeiro do Norte atual. "Padre Cícero Romão ensinou que em cada casa deveria ter um oratório, uma sala de santo, como nós chamamos. Mas também, em cada casa, uma oficina de trabalho. Ou seja, oração e trabalho, oração e ação".

O município hoje tem cerca de 287 mil habitantes, é a sexta economia do Estado, com indústria, comércio, serviços, mas muito focada na moeda circulante dos romeiros. "Não existe mais um ciclo de romaria, como no passado. O que existe hoje é uma romaria permanente o ano todo", afirma Santos. Outro fator influente de desenvolvimento foi a consolidação como polo universitário. "Eu credito tudo isso à visão do Padre Cícero em construir uma cidade fundamentada nisso, na oração, na fé e no trabalho".

Santos complementa: "Ele teve a capacidade de analisar a realidade do seu tempo e criou estratégia para dar resposta a essa realidade. Por isso que fortaleceu a diversificação da produção agrícola, por isso que fomentou as romarias. Com essa visão que ele tinha de que aqui seria uma terra de oração e trabalho. E a imagem e a obra e a vida dele se perpetuam na contemporaneidade. Considero ele um grande intelectual contemporâneo".

"Hoje esse processo de beatificação que começou é de uma importância muito grande, no momento em que a Igreja Católica está perdendo cada vez mais espaço para as igrejas evangélicas. Então, um santo no coração de milhares, milhões de pessoas pobres que vêm ao Juazeiro anualmente, a Igreja não pode prescindir desse santo. É uma necessidade para a Igreja Católica tornar o Padre Cícero um santo", acentua a professora Fátima Pinho, sobre o momento de discussão das virtudes heroicas e do religioso chegar a ser canonizado nos próximos anos.

Como tem sido o interesse das novas gerações pelo Padim

Os mais jovens terão interesse em perpetuar a lembrança e reverência ao Padre Cícero Romão Batista? Não há estatística, dados censitários específicos, mas, segundo o padre Cícero José da Silva, reitor da Basílica Santuário de Nossa Senhora das Dores, a presença nas romarias tem crescido a cada ano. Muito, segundo ele, pelo interesse da nova geração de devotados.

"Nós nos alegramos que a cada ano cresce o número de jovens que estão vindo participar das romarias. E trazemos também conosco um ensinamento bem popular que diz que 'o que é de Deus permanece, o que não é desaparece'. Passados 90 anos da morte do Padre Cícero Romão, a cada dia, a cada ano, as romarias só aumentam", diz o sacerdote.

Cícero José é um dos 12 padres da Diocese do Crato que têm o mesmo nome do Servo de Deus, postulante a beato e a santo. "Aqui na região, principalmente no Cariri, toda família tem um filho que traz como herança espiritual o nome de Cícero. Ou quando tem os dois, Cícero e Cícera". É uma das maneiras mais usuais de manter viva a memória do religioso santificado.

O pesquisador Renato Casimiro, da comissão histórica do processo diocesano para a beatificação do padre, também percebe que a figura do religioso está sendo revigorada pelos mais novos. Ele referencia desde a "presença entusiasmada" de jovens em encontros religiosos às produções acadêmicas, pesquisas universitárias, ao interesse no personagem. E cita a disciplina História de Juazeiro, obrigatória nas salas de aula do ensino médio. “São iniciativas importantes para dinamizar esse conhecimento sobre o Padre”.

Sem desfazer o conceito fundamentado dos pesquisadores e religiosos, Juazeiro neste sábado, 20, também estará cheia, em seus meios de hospedagem e serviços, além da programação da romaria dos 90 anos de morte, pela realização da Expocrato 2024, que se encerra amanhã. A festa é um chamariz para os mais jovens. 

Com informações portal O Povo +

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