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16 de julho de 2024

A política de destruir o outro, por Érico Firmo

Agora vítima, Trump foi porta-voz dessa beligerância, expressa também por meio do armamentismo (Foto: Mike Segar)

A política, numa democracia, é espaço em que ideias antagônicas se confrontam e no qual a decisão cabe à população. Lidar com o diferente talvez seja o desafio mais crítico da condição humana. Mesmo quando as diferenças não são tão profundas, os conflitos às vezes saem do controle — isso já foi visto muitas vezes quando há divergências dentro de um mesmo partido. Quando as diferenças são muito grandes, o problema é maior ainda. O mundo atravessa momento de ascensão de extremismos de direita, que ganham relevância eleitoral em alguns dos países mais poderosos do mundo, em lugares onde antes seria impensável a adesão a esse tipo de ideia. Em muitas décadas, a distância que existe hoje entre os pensamentos que disputam a hegemonia política no mundo é a maior. Isso leva a uma situação em que a postura em relação ao outro não chega ao nível do respeito, da mínima consideração, nem mesmo da educação. Chega a ficar abaixo do patamar da mínima tolerância. Até chegar à situação em que se deseja a eliminação, a destruição do outro. É o que se viu no atentado contra Donald Trump, e em muitas das reações que se seguiram.

Para além de teorias mirabolantes e da exploração política imediata, existe o maniqueísmo de quem acha que um lado tem o monopólio do bem e da virtude, e o outro é o império da vilania. Como se a pessoa estar atrelada a determinada ideologia significasse integridade, seriedade, altruísmo. E se vincular a outra significasse mesquinhez, vigarice e perversidade. Talvez seja um choque saber que tem picareta de direita e de esquerda, assim como gente correta. São coisas diferentes.

A violência se torna instrumento da política como reflexo da não aceitação do outro. Isso tem sido fomentado com os discursos de ódio que proliferaram nos últimos anos. Muita gente se projetou como propagador do ódio. Migrantes, mulheres, minorias étnicas e de orientação sexual se tornaram alvos de discursos extremistas. Agora vítima, Trump foi porta-voz dessa beligerância, expressa também por meio do armamentismo. Mas não apenas ele e os com ele alinhados. O presidente Joe Biden, dias atrás, havia afirmado que Trump deveria ser colocado no “centro do alvo”. Nesta segunda-feira, reconheceu que o termo não é adequado. A construção tem múltiplos responsáveis.

No Brasil, em 2018, Jair Bolsonaro disse: “Vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre”, enquanto segurava um tripé de câmera como se fosse um fuzil. Depois, o presidente disse falar em “sentido figurado”. Ocorre que as figuras são fortes, falam a um público amplo e nem sempre inteligente. Biden poderia sair pelo caminho do “sentido figurado”. No momento de acirramento e de extremismos, simbolismos belicistas são capazes de ser o estímulo definitivo para atos de violência.

A eliminação do outro não é o método da política. O derrotado de hoje é o vitorioso de amanhã. A democracia passa pela alternância de poder. Não é fácil, pode ser perigoso e muitas vezes não é desejável — quando se trata de extremismos. Mas, ganha quem consegue mais adesão da população. O que se faz quando o desejo de eliminação se volta a uma força política que tem a adesão de 20%, 30% ou mais da população?

O lado das vítimas

O ex-presidente Bolsonaro comentou sobre o ataque a Trump: “Somente pessoas conservadoras sofrem atentados”. Um disparate no País de Marielle Franco.

Pelo mundo, no ano passado, no Equador, foram assassinados Fernando Villavicencio, que se identificava como centro, e Pedro Briones, de esquerda. Em 2022, na Argentina, Cristina Kirchner, à esquerda, foi alvo de um atentado cometido por um brasileiro no qual a arma não disparou.

Política não é tão simples ou pequena a ponto de ser possível dizer que há mocinhos de um lado e vilões do outro. Creiam ou não os partidários, a complexidade é maior e os malfeitores por vezes proliferam. 

Publicado originalmente no portal O Povo +

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