Os preparativos para as quadrilhas juninas. (Foto: Fernanda Barros) |
"É uma sensação surreal, não é? Eu costumo dizer que, se me perguntassem em que momento da minha vida eu sou feliz, poderia dizer que é dançando quadrilha", a fala é de Ivo Costa, brincante da quadrilha Santa Terezinha do Menino Jesus, de Caucaia. O rapaz de 33 anos está presente nos festejos juninos deste a infância. O amor foi tanto que o acompanhou até a vida adulta.
Com o início do 24ª Ceará Junino no último sábado, 1º, quadrilhas de todo o Estado chegam no momento em que aguardam desde janeiro. A preparação leva seis meses entre decisão de temas a serem apresentados, criação de coreografia, horas de ensaios e figurinos elaborados.
O processo se tornou mais intenso ao longo dos anos, com espetáculos cada vez mais grandiosos e com novas perspectivas sobre os festejos juninos. Mesmo com as mudanças, os brincantes seguem fiéis à tradição. Os avanços também tornaram a preparação mais frenética para os brincantes, que se veem tendo que abrir mão da vida social por amor à cultura popular, como Ivo.
O artista é tão dedicado ao "brincar" que deixa de lado festas que costumava frequentar pelos ensaios. "É um prazer imenso, tanto que quando era mais jovem sempre havia uma festa para ir depois e nós curtíamos bastante. Mas hoje, tenho mais responsabilidades e não posso me dar ao luxo de cansar meu corpo. Só de poder sair para dançar e voltar para casa, já vale muito a pena", afirma.
A piauiense Maria Campelo também compartilha a paixão pela quadrilha e destaca que a falta de vida social é um dos maiores desafios de um quadrilheiro. "Conciliando trabalho, família e ainda assim conseguir dedicar-me aos ensaios. É uma diversão que exige muita responsabilidade. Você precisa se dedicar bastante para que o espetáculo aconteça", enfatiza Campelo, que é brincante há 10 anos.
"Eu amo dançar quadrilha, é algo que está comigo desde que me entendo por gente, desde criança na escola. Me sinto realizada aqui também", ressalta, que herdou o amor pela quadrilha através do pai. Antes de integrar o elenco da Junina Babaçu em 2019, a também estudante de marketing atuava na Luar do São João, de Teresina, no Piauí.
Já o contato de Ivo Costa, que é natural de Caucaia, com os festejos juninos aconteceram por meio de um projeto social que oferecia cursos profissionalizantes para as pessoas em vulnerabilidade social do bairro Marechal Rondon. Ele fazia parte de outros grupos de dança popular do município e era incentivado pela mãe e pelo padrinho.
"Como presente de aniversário de 15 anos, ela (mãe) me permitiu participar com o meu padrinho, que também já dançava. Ele ficou responsável por mim, já que era maior de idade, e ela me ajudou", relembra Costa.
Bianca Moraes, por sua vez, está retornando em 2024 ao universo das quadrilhas. A brincante da Junina Babaçu dançou de 2015 a 2018, quando teve que parar por conta do trabalho e da gravidez do filho de 3 anos.
"O amor à arte e à cultura popular brasileira me fizeram voltar", explica a dançarina de 28 anos, que também é educadora física. Para conseguir comparecer aos ensaios, Moraes conta com a rede de apoio da mãe que a ajuda com o pequeno.
Apesar dos brincantes se manterem leais à tradição das quadrilhas, observam que há um distanciamento dos mais jovens (pessoas abaixo dos 25 anos) dos festejos juninos. "Marginalizam muito esse movimento. Elas não têm noção das oportunidades de trabalho e aprendizado que você pode adquirir dançando na quadrilha", comenta Maria Campelo, artista da Junina Babaçu.
"A escola pública poderia difundir mais as festas tradicionais, desde a quadrilha até reisados para facilitar o acesso dos adolescentes a essa cultura", destaca Tácio Monteiro, presidente e fundador da Junina Babaçu. Ele diz que não vê tanto esse afastamento, por haver uma presença de quadrilhas em escolas particulares.
"Infelizmente, hoje a cultura tradicional não vem sendo tão valorizada. Até porque com o passar do tempo, ela se modifica. Mas a questão é que não se deve nem um minuto esquecer das nossas raízes", pontua Ivo Costa, da quadrilha Santa Terezinha do Menino Jesus.
"Você consegue ter novas experiências. Aqui mesmo tem várias histórias de jovens que poderia estar na criminalidade e se salvou disso por ter entrado em uma quadrilha junina", finaliza o brincante de Caucaia.
"Eu sempre digo que a quadrilha é também inclusão social. Acho que as pessoas precisam falar mais sobre a importância desse ambiente, em vez de afastar", enfatiza Maria Campelo.
Brega
funk e outros ritmos na quadrilha: perda de tradição?
Outra transformação que as novas roupagens trazem as quadrilhas é a inserção de outros ritmos e até mesmo outras danças populares, como carimbó e brega funk. Entre os grupos há quem discorde ou concorde com a maneira que vem sendo feita essa inclusão de diferentes gêneros nos festejos.
"Acredito que, mesmo que incluamos outros ritmos, ainda assim não deixamos de dançar a quadrilha junina e seus passos tradicionais. Continuamos representando o que fazemos", aponta Tácio.
"A essência da tradição é a realização da quadrilha junina, que é a festa dos noivos. Enquanto isso existir, acredito que a tradição perdura", pontua Maria. "No Ceará, por exemplo, tem a exigência de passos tradicionais, em alguns estados do Brasil não tem essa obrigação", destaca Erbínio Rodrigues, presidente da quadrilha Paixão Nordestina.
"Temos também a festa dos noivos e, aliado com a musicalidade (embora repaginada), mantém a tradição viva. Afinal, aquilo que se repete há vários anos é uma tradição e os grupos estilizados já fazem esse trabalho há mais de 30 anos", acrescenta Rodrigues, que fundou a quadrilha que está à frente aos 18 anos com amigos e começou a carreira nas quadrilhas aos 17 anos, no grupo Sertão da Amizade.
Ivo observa que as novas propostas devem ser feitas com cautela dentro do espetáculo quadrilheiro. "Sou a favor da inovação, mas acho que a gente não pode pesar a mão, porque pode ficar totalmente fora do contexto".
Quadrilha
por amor
Atualmente, a Secretaria de Cultura do Ceará (Secult-CE) disponibiliza um montante de R$ R$3.079.500 para fomentar 143 projetos no Ceará Junino. O edital contempla quatro categorias de quadrilhas: quadrilha junina infantil, adultas, quadrilhas da diversidade e cultura camponesa.
Para as quadrilhas infantis houve um aumento de 28,57% em comparação ao ano anterior, que passa a ter um orçamento de R$ 21 mil para 18 quadrilhas; e investimento total de R$ 378 mil. As quadrilhas da diversidade também tiveram um incentivo de 7,14%, passando a ter direito a R$ 14.700 em 15 projetos. A categoria tem orçamento de R$ 220.500.
A categoria culturas camponesas, por sua vez, teve o investimento de R$ 18.900 em 10 projetos apoiados; um valor total de investimento de R$ 189 mil.
"O investimento final de uma quadrilha de grande porte passa de 700 mil reais e captar recurso ainda é um tabu aqui no Ceará", conta Erbínio Rodrigues, diretor do grupo Paixão Nordestina.
"Por exemplo, contratamos um grupo musical por 85 mil reais só para termos um acompanhamento durante os ensaios e apresentações, enquanto um edital disponibiliza aproximadamente 25 mil reais, certo? Isso é muito aquém do necessário", destaca Tácio Monteiro, diretor da Junina Babaçu.
"Parte do que é feito em um projeto de quadrilha envolve cenários, o figurino, os profissionais envolvidos. É uma gama muito grande de coisas para fomentar com apenas 25 mil reais", finaliza Monteiro.
A Prefeitura, por sua vez, destina um valor menor para as quadrilhas adultas e infantis, totalizando R$ 1.332.000. O valor foi dividido para 74 projetos, dentre os quais 24 eram festivais juninos, 35 projetos de grupo de quadrilha adulta e 15 projetos de quadrilha junina infantil. Em virtude disso, os brincantes buscam patrocínio e fomento da ajuda privada ou das comunidades onde estão localizados.
"Se não buscarmos a iniciativa privada, se não fizermos parcerias, se não mobilizarmos nossas comunidades com eventos, as coisas simplesmente não funcionam", pontua Tácio, diretor da Junina Babaçu. Uma das estratégias do grupo é realizar um espetáculo de estreia para conseguir arcar com os gastos do ciclo junino.
"Precisamos alugar ônibus para as viagens, alugar caminhões para levar cenário e profissionais, porque ninguém transporta esse material sem ter equipe. A cadeia produtiva do mundo junino é bastante extensa hoje em dia".
Um
conselho: dance quadrilha ao menos uma vez na vida
O conselho é para todo e qualquer cidadão que ouviu falar de São João. A época do ano que nos aproxima do milho, do xadrez e da fogueira proporciona uma energia ainda desconhecida para aqueles que entram em quadra e proclamam: Viva São João. A sensação, que indico experimentar ao menos uma vez, faz parte da minha vida desde os 15 anos. Ela ocupa janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho e julho. São meses de preparação para se tornar quadrilheiro, entre escolha de seu par, figurino, música, cenário, história e coreografia.
Entre as escolhas, há também abstenções, como a saída no fim de semana com os amigos, o aniversário em família ou um jantar romântico. Alguns momentos se perdem ao longo dos meses de sua escolha. O sacrifício se justifica na emoção quando se está em quadra. Os gritos, a música, o público, os jurados, as bandeiras juninas e o cheiro do mungunzá mais próximo liberam a quantidade de dopamina, serotonina e endorfina que sentiríamos em um ano todo.
Mas nem tudo é tão colorido quanto o balão junino que sobe aos céus toda noite de São João. Para ser quadrilheiro você vai precisar encarar o “glamour” exacerbado e a sede de vencer festivais, que pode querer brilhar mais do que o amor pelo mundo junino. Por vezes, essa disputa pode cegar até os mais fiéis devotos. Fazendo com que os bastidores de uma junina se torne o cenário de guerra entre egos. Quem ocupará a primeira fila? Qual o nome da próxima noiva e rainha? Meu colete brilhará mais do que o dele? Quem dança melhor?
Como
todas as artes, a quadrilha pode ser a melhor experiência da sua vida, mas te
custará alguns neurônios. Priorizar a magia e o trabalho coletivo é meu
conselho. Um ainda maior é que dance ao menos uma vez na vida ou apenas uma
vez; você saberá quando sentir.
Publicado originalmente no +O Povo +
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