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19 de maio de 2024

Qual o peso da polarização nas disputas municipais em 2024, por Júlia Duarte

Em 2020, José Sarto conseguiu ser eleito disputando a posição com nomes ligados a Lula e a Bolsonaro (Foto: Reprodução/Facebook)

Desde que se fortaleceu a polarização no cenário nacional, virou comum a alcunha de “candidato do Lula” e “candidato do Bolsonaro”, em referência às duas principais figuras políticas que vem rivalizando politicamente há pelo menos seis anos — o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ex-mandatário Jair Bolsonaro (PL). O ano de 2024 reescreverá essa dinâmica, mas deve esbarrar nas necessidades mais locais.

É o que já aconteceu nas últimas eleições municipais, em 2020, quando, embora a discussão ideológica tenha tido espaço, os eleitores demonstraram considerar os resultados das gestões atuais e passadas, além de avaliarem o apoio de nomes mais estaduais.

“O histórico das eleições municipais, de uma forma geral, sinalizam que as eleições são muito mais afetadas por questões locais, por lideranças locais e por temas locais. A polarização política, a disputa acirrada entre lulistas e bolsonaristas, acontecendo no Brasil de 2018 para cá, claro, acabou impactando as eleições, mas isso vai depender de cada cidade, de como é que foi montada a estratégia”, avalia o cientista político Cleyton Monte.

Ele ressalta ainda que, em várias cidades, especialmente capitais do Brasil, foram eleitos nomes que não estavam ligados à polarização. “Isso vai depender muito de fatores locais e de como a disputa vai se encaminhar”, aponta.

Para a professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e pesquisadora do Laboratório de Política, Eleições e Mídia (Lepem-UFC), Monalisa Torres, o eleitor, no campo municipal, está muito mais preocupado com as questões relacionadas ao seu cotidiano, "aquilo que impacta diretamente na sua vida".

"O eleitor está preocupado muito mais com o buraco na rua, com a falta de médico no posto de saúde, com a infraestrutura adequada na sua rua. Ele está muito mais preocupado com essas questões relacionadas àquilo que afeta diretamente a sua vida, o seu bem-estar na sua cidade", ressalta.

Ela aponta que cidades com mais habitantes acabam vendo o impacto maior da polarização, embora o foco seja realmente, até nas capitais, questões mais relacionadas ao dia a dia do morador. "Por exemplo de Fortaleza, essas polarizações Lula-Bolsonaro, elas acabem aparecendo mais, embora não sejam as principais questões, mas elas acabam aparecendo mais do que municípios menores", avalia.

Como menciona a pesquisadora, Fortaleza demonstra essa dinânica. Em 2020, José Sarto (PDT) conseguiu ser eleito disputando a posição com nomes ligados a Lula e a Bolsonaro. Os apoios do então governador do Estado, Camilo Santana (PT), mas, especalmente o, na época, prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio (PDT), foram fundamentais para ajudar a deslanchar Sarto entre os eleitores.

Com a candidatura de Luizianne Lins (PT) fora do segundo turno, Camilo, que tinha se mantido neutro publicamente no primeiro turno, pode mudar a estratégia e passou a atuar de forma ativa na campanha, o que já fazia RC que bancou politicamente o nome de Sarto. Lula não foi muito usado, assim como Bolsonaro na campanha de Capitão Wagner (União Brasil).

Wagner recebeu o apoio do então presidente, mas evitava expor a proximidade, embora seus adversários usassem isso como ataque. Bolsonaro chegou a citar que "em Fortaleza tem um capitão lá" que "se Deus quiser, vai dar certo". O candidato, no entanto, tentava se colocar como um nome independente e, em uma das propagandas, avaliou a atuação do ex-presidente.

“Ele errou quando chamou Covid de gripezinha, acertou quando concluiu a transposição do São Francisco, errou quando disse que não era coveiro, acertou quando autorizou o auxílio emergencial. Sou independente para criticar ou elogiar”, dizia em um dos spots da campanha.

O entendimento é que o apoio das lideranças é uma faca de dois gumes: pode trazer votos, mas também expõe o candidato à rejeição que acompanha seus padrinhos políticos. “Tanto Lula quanto Bolsonaro, eles garantem muito apoio, mas também muita rejeição. No caso de Fortaleza, o apoio de Lula, ele é bem mais considerável, é bem mais positivo porque ele tem um peso maior, capital político, uma memória, poder de engajamento, mais força política do que Bolsonaro em Fortaleza”, aponta Monte.

Para 2024, pode reverberar a votação considerável que Bolsonaro teve na Capital em 2022, na casa dos 38,7%. “A força de Bolsonaro, se a gente for considerar a votação que ele teve em Fortaleza no segundo turno, foi bastante expressiva, a gente percebe que é uma liderança de destaque, tem um percentual considerável”, destacou.

“E aí, novamente, na construção desse voto, na decisão do eleitor, existe uma série de variáveis, avaliação da gestão atual, percepção, a própria visão sobre os candidatos que forem apresentados, que tipo de perspectiva a oposição tem, como nós ainda, apesar da campanha ter sido radicalmente antecipada, mas a máquina de comunicação da prefeitura ainda não foi colocada a todo vapor, então a gente ainda vai ver muita ação da prefeitura, isso pode mexer um pouco com o jogo e bagunçar um pouco essas polarizações”, explicou ainda o pesquisador.

Sarto e Wagner querem o posto de candidato neutro

Se antes Capitão Wagner (União Brasil) conseguiu o apoio de Jair Bolsonaro (PL) e unir o campo da direita, tanto na disputa municipal de 2020 como na estadual de 2022, neste ano, o palanque bolsonarista já depositou as fichas no deputado André Fernandes (PL).

O parlamentar, inclusive, reagiu diante da possibilidade de retirada de sua candidatura, ventilada por Wagner em um suposto acordo vinculado aos resultados das pesquisas. "Nossa pré-candidatura e futura candidatura é inegociável. O maior partido do Brasil ao lado de Jair Bolsonaro já firmou que iremos até o fim", ressaltou ao O POVO.

Wagner, em sua terceira tentativa na disputa pela Prefeitura de Fortaleza, já trabalha com a possibilidade de dividir o eleitorado e projeta trabalhar para buscar também o voto do eleitor de centro e até centro-esquerda.

É a estratégia que vai tentar também o PDT, que tem levado a melhor nas disputas municipais desde 2012. O diferencial é que este será o primeiro teste da legenda após 2022, quando o cenário político envolvendo o partido mudou drasticamente. Cid e Ciro Gomes brigaram e o PDT e o PT encerraram aliança estadual de anos. Sem falar do desempenho ruim na disputa pelo Governo do Ceará, com um terceiro lugar sem vencer nem em Fortaleza, e à presidência, com número de votos minguados para Ciro.

Sarto já deu indicativos que a campanha deve colocá-lo para "impedir" a hegemonia que uma possível vitória do PT proporcionaria na Capital. O gestor afirmou ser crítico à narrativa de "nós contra eles", que provocaria polarização e "alinhamento cego" no cenário atual.

"Acho que sobre essa polarização raivosa, a população de Fortaleza está muito atenta a isso e não vai cair nessa esparrela. De trocar o debate de projeto para: 'você é X, eu sou Y, nós contra eles'. Fortaleza merece um projeto para Fortaleza. [Do contrário], meio que se dogmatiza a política. Esse alinhamento cego, sem vislumbrar críticas, mesmo externas e internas", diz Sarto.

A postura, para o cientista político Cleyton Monte, é uma estratégia do PDT local, que teme que haja uma reedição da disputa presidencial. "Como foi de certa forma o segundo turno da eleição para a Prefeitura de Fortaleza em 2020, o candidato do governador e o candidato ligado ao então presidente Bolsonaro. Então, o pré-candidato Sarto vai fazer de tudo, já está fazendo, buscando criar um contraponto com o Evandro Leitão, porque acredita que esse seria uma forma de forçar essa bolha", avaliou.

E Sarto tem dado indicativos que não vai deixar "barato" as críticas de Evandro, mais que de outros adversários. Os dois têm trocado farpas em entrevistas, mas também diretamente nas redes sociais. Entre os temas já pontos de divergências estiveram: Taxa do Lixo, transporte público, segurança e alinhamento com o governo estadual e federal.

"Eu apostaria que essa disputa estaria muito fortemente ligada ou que teria maior peso entre as máquinas, as candidaturas relacionadas às máquinas, máquina estadual e máquina municipal. Então o PT e o PDT vão entrar com muita força nessa disputa", destacou a professora e pesquisadora Monalisa Torres.

Ela pontua que Fernandes e Wagner vão dividir um campo de eleitores, assim como Sarto e Evandro vão em outro espectro ideológico. "Mas a gente tem somado a essa variável que adicionaria um peso maior nessa disputa que é a importância das máquinas. Por isso que eu acho que PT e PDT, nessa disputa para para Fortaleza, eles têm um pouquinho mais de força, dado o poder das máquinas de mobilizar, os recursos da máquina pública para favorecer as suas candidaturas respectivas", destacou a professora.

Ela explica ainda que a movimentação de Wagner é para se readequar com uma candidatura bolsonarista "raíz" com Fernandes e ir além na busca de um eleitorado mais amplo. "O desafio dele nesse momento, lembre que eles estão disputando cargos majoritários, então cargos majoritários você não tem o direito, digamos assim, de se limitar a um nicho específico de eleitorado. Você tem que tentar pluralizar o seu discurso para poder capturar o maior número possível de perfis de eleitor", sinaliza.

E segue: "Ele tenta moderar um pouco mais o discurso para capturar um eleitorado mais moderado mais de centro e que, em alguma medida, pode estar descontente tanto com Sarto quanto com o PT, mas que não tem opção. Ele  tenta em alguma medida moderar o discurso para tentar capturar esses eleitores descontentes".

Publicado originalmente no portal +O Povo +

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