30 de março de 2024

As maquiagens de que se valem os golpes, por Érico Firmo

Presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, decreta a vacância do cargo com Jango ainda em território nacional (Foto: Arquivo Nacional)

Golpes precisam de fingimento para acontecerem. Isso vale desde os desfalques financeiros até os golpes de Estado. A defesa dos golpistas de 2022 busca afirmar que não estava sendo feito nada de ilegal, apenas eram usados instrumentos constitucionais. Querem fazer crer que golpe é apenas tanque de guerra na rua. A minuta encontrada com alguns dos envolvidos era justamente uma tentativa de dar verniz legal ao movimento que violentaria a ordem democrática.

O golpe de 1964, que completa 60 anos neste fim de semana, valeu-se de estratagemas também com objetivo de dar aparência de legalidade e institucionalidade ao que foi nada mais foi que um golpe.

Oficialmente, o cargo do presidente João Goulart foi declarado vago. Foi talvez a maior vergonha da história do Poder Legislativo no País. Na madrugada de 2 de abril, o então presidente do Senado, Auro de Moura Andrade (do velho PSD), visceral adversário de Jango, declarou vago o cargo de presidente da República. A Constituição de 1946, então em vigor, previa três hipóteses para um presidente deixar o poder: renúncia, que não aconteceria, impeachment, para o qual os votos eram insuficientes, e, no artigo 85: “O Presidente e o Vice-Presidente da República não poderão ausentar-se do País sem permissão do Congresso Nacional, sob pena de perda do cargo”.

Na madrugada de 2 de abril, em sessão na calada da noite, o Congresso se reuniu às pressas. De 460 membros, estavam 178, 158 deputados e 26 senadores. O então presidente do Senado, Auro de Moura Andrade (do velho PSD), visceral adversário de Jango, afirmou que Jango havia deixado o País diante do avanço das tropas contra ele. Era mentira e isso foi comunicado. O secretário do Congresso leu carta do então ministro da Casa Civil, informando que o presidente estava no Rio Grande do Sul. Moura Andrade ignorou. A questão nem foi votada.

"O senhor presidente da República deixou a sede do governo, abandonou o governo! Assim sendo, declaro vaga a Presidência da República", gritou, sob protestos e gritos de "canalha". Retirou-se sob escolta. Ainda recebeu cusparada do deputado Rogê Ferreira.

Foi empossado como chefe do Poder Executivo o presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli, até a eleição indireta que, em 11 de abril, confirmou o cearense Castello Branco como primeiro ditador do regime militar. Mazzilli era figura cerimonial. O poder de fato, até a posse de Castello, era exercido por uma junta militar, que assinou, em 9 de abril, o ato institucional número 1. Peça que chega a ser hilária na tentativa de se legitimar.

“(...) a revolução vitoriosa, como Poder Constituinte, se legitima por si mesma”, diz o AI-1. Ah, bom. Se é legitimada por si mesmo, então é fácil e não há golpe, está tudo certo. “Ela (revolução) edita normas jurídicas sem que nisto seja limitada pela normatividade anterior à sua vitória”, prossegue o texto. “Os Chefes da revolução vitoriosa, graças à ação das Forças Armadas e ao apoio inequívoco da Nação, representam o Povo e em seu nome exercem o Poder Constituinte, de que o Povo é o único titular”. Só faltou perguntar ao povo se ele queria isso.

Publicado originalmente no portal O Povo +

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