9 de janeiro de 2024

Democracia Inabalada: os destaques do ato de aniversário de 8 de janeiro

O ato reuniu os presidente dos três poderes da Repúblicas e dezenas autoridades  (Foto: Ed Alves)

A cerimônia no Senado para marcar o primeiro ano dos atos golpistas de 8 de janeiro — batizada de Democracia Inabalada — foi permeada por discursos fortes dos chefes dos Três Poderes. Antes dos discursos, Lula, Pacheco e os ministros do STF posaram em frente à tapeçaria de Burle Marx, que quase foi destruída, e da réplica da Constituição, furtada pelos manifestantes.

O grupo descerrou uma placa, com os dizeres: "Esta obra (tapeçaria) foi vandalizada e rasgada durante a invasão do Congresso em 8 de janeiro de 2023. Após restauração, retorna ao patrimônio artístico do Senado como símbolo de resistência e força da democracia brasileira". 

O presidente da Câmara, Arthr Lira, cancelou sua presença na solenidade. O motivo são problemas de saúde na família.

Governadores aliados de Bolsonaro também não compareceram, diferentemente do que ocorreu no ato realizado no Palácio do Planalto no dia seguinte aos ataques, em que ficou marcada a forte união contra os extremistas.

Lula: 'Democracia teria sido destruída'

Lula em seu discurso no ato (Foto: Waldemir Barreto)

O presidente Lula afirmou que, caso a "tentativa de golpe fosse bem-sucedida, muito mais do que vidraças, móveis, obras de arte e objetos históricos teriam sido roubados ou destruídos".

"Adversários políticos e autoridades constituídas poderiam ser condenados ou enforcados em praça pública. A julgar por aquilo que o ex-presidente golpista (Jair Bolsonaro) pregou em campanha e seus seguidores de trabalho na rede divulgada nas redes sociais", disse.

"A vontade soberana do povo brasileiro, expressa nas urnas, teria sido roubada. E a democracia, destruída. A esta altura, o Brasil estaria mergulhado no caos econômico e social", afirmou.

O petista também afirmou que "o combate à fome e às desigualdades teria voltado à estaca zero".

"Nosso país estaria novamente isolado do mundo, e a Amazônia em pouco tempo reduzida a cinzas para a boiada e o garimpo ilegal passarem", disse.

Lula também falou sobre a regulação das redes sociais. "Nossa democracia estará sob constante ameaça, enquanto não formos firmes na regulação das redes sociais."

No principal trecho de seu discurso, Lula citou uma revelação feita por Moraes de que chegou a ser articulado um plano para enforcá-lo em praça pública. E atribui esse risco à pregação de Bolsonaro contra integrantes da Corte.

"Adversários políticos e autoridades constituídas poderiam ser fuzilados ou enforcados em praça pública, a julgar por aquilo que o ex-presidente golpista pregou em campanha e que seus seguidores tramaram nas redes sociais", afirmou o petista.

Para Lula, todos aqueles que financiaram, planejaram e executaram a tentativa de golpe "devem ser exemplarmente punidos". Segundo frisou, eles não merecem ser perdoados. "O perdão soaria como impunidade. E a impunidade, como salvo-conduto para novos atos terroristas", justificou.

Lula mencionou a travessia a pé feita por autoridades, do Palácio do Planalto até o STF, de braços dados, no 8 de janeiro do ano passado.

"Nunca uma caminhada tão curta teve alcance histórico tão grande", disse o presidente. Ele incluiu os militares nessa relação de "corajosos".

Barroso: "Ódio, mentira e golpismo, nunca mais"

Barroro por ocasião de seu discurso (Foto: Waldemir Barreto)

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, afirmou que nenhum extremismo pode levar ao avanço civilizatório nem à causa da humanidade. "A intolerância e o extremismo só levam à decadência e à infelicidade", enfatizou, durante a cerimônia no Congresso Nacional que marcou o primeiro ano da tentativa de golpe. Com uma frase muito usada por grupos antifascistas — "não passaram e não passarão" —, o ministro clamou pela pacificação do país.

"Estamos reunidos aqui hoje (nesta segunda-feira) para renovar a nossa crença na democracia, na harmonia entre os Poderes e na vida vivida com boa-fé e boa vontade, componentes indispensáveis para um país melhor. Não passaram e não passarão. Aqui a história será diferente", frisou. "Nós precisamos de um choque de civilidade no país. Ódio, mentira e golpismo, nunca mais. Que todos os brasileiros, liberais, progressistas e conservadores possam se unir em torno dos denominadores comuns que estão na Constituição. Ninguém tem o monopólio do patriotismo, ninguém tem o monopólio do amor ao Brasil."

Barroso disse que os ataques do 8 de janeiro do ano passado foram um ato organizado. "A depredação da sede dos Três Poderes não foi um fato isolado, não foi um caso fortuito ou um mero acidente de percurso. Embora impressentido, foi um ataque meticulosamente preparado", enfatizou.

Durante o discurso, Barroso foi bastante aplaudido e sustentou a posição de que os ataques de 2023 são fruto de articulações anteriores, não apenas uma manifestação que acabou em depredação.

"O dia da infâmia foi precedido de anos de ataques às instituições, ofensas a seus integrantes, ameaças de naturezas diversas e disseminação do ódio e de mentiras. Banalizou-se o mal, o desrespeito, a grosseria, a falta de compostura, passamos a ser malvistos globalmente, um Brasil que deixou de ser Brasil", apontou.

O ministro destacou ainda que a democracia se manteve no final, e elogiou a forte reação dos presidentes dos Três Poderes, incluindo o Judiciário, que à época era presidido por Rosa Weber, agora ministra aposentada.

"Porém, a despeito de tudo, as instituições venceram e a democracia prevaleceu. A reação do presidente da República, do presidente do Senado, do presidente da Câmara, da presidente do Supremo, dos diferentes setores da sociedade civil e da imprensa demonstrou que nós superamos o ciclo do atraso, já não há mais espaço para quarteladas, quebras da legalidade constitucional ou descumprimento das regras do jogo", disse.

Segundo ele, o Supremo segue punindo todos os envolvidos nos ataques, estritamente dentro da lei. "A tentativa de golpe de Estado, de abolição violenta do Estado de Direito e da depredação do Estado de Direito está sendo punida na forma da lei", sustentou.

O magistrado contou que, em todos os eventos do 8 de janeiro, o que ele viu como mais espantoso foi a informação que recebeu de um policial do Supremo de que alguns invasores, após depredarem a Corte, rezavam.

"Um policial judicial do Supremo me descreveu que, após marretadas na parede e o arremesso de móveis e objetos, muitos dos invasores se ajoelhavam no chão e rezavam fervorosamente. De onde, Deus do céu, poderá ter saído essa combinação implausível de religiosidade com ódio, violência e desrespeito ao próximo? Que desencontro espiritual pode ser esse que não é capaz da mínima distinção entre o bem e o mal?", questionou.

Dirigindo-se ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Barroso encerrou o discurso pedindo o desenvolvimento do país. "Que o dia de hoje (esta segunda-feira) marque também o começo de uma nova era, presidente Lula, um recomeço, um tempo de desenvolvimento sustentável, paz, oportunidade de justiça para todos", disse Barroso.

Pacheco: "Inimigos da democracia usam falso discurso político para ascender"

Pacheco discursando no ato (Foto: Waldemir Barreto)

Ao discursar, ontem, na solenidade no Congresso que marcou um ano da tentativa de golpe de Estado, em 8 de janeiro, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), reforçou que foram inadmissíveis as tentativas de colocar em dúvida o sistema eleitoral do país. Apesar de não citar nomes, a crítica teve alvo: o ex-presidente Jair Bolsonaro, ex-integrantes do governo anterior e apoiadores — que por meses lançaram desconfianças, falsidades e desinformações sobre as urnas eletrônicas e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ele ressaltou que "desacreditar" o pleito ofende as "instituições republicanas" e "o povo brasileiro".

"Sob premissas falsas, os golpistas desejavam invalidar o resultado das urnas. Para além dos prejuízos materiais, para além das depredações e da violência praticadas, a turba de criminosos que invadiu essas mesmas dependências desrespeitou a vontade popular manifestada pelo voto. Isso é absolutamente inaceitável", frisou.

Pacheco defendeu que aceitar o resultado de uma eleição é pilar da democracia e "dever cívico de todos". "A Constituição garante a liberdade de expressão e os demais direitos das minorias, de modo que uma derrota nas urnas não signifique a supressão política deste ou daquele grupo", salientou.

O direito da minoria não inclui, como observou o senador, "recorrer ao terror, ao caos". Ele reforçou que os Três Poderes deram pronta resposta ao vandalismo e "permanecem vigilantes contra os traidores da pátria, contra essa minoria que deseja tomar o poder ao arrepio da Constituição".

"O Congresso é esteio da democracia. Estaremos sempre abertos ao debate, ao pluralismo e ao dissenso, mas nunca toleraremos a violência, o golpismo e o desrespeito à vontade do povo brasileiro", garantiu.

Para o senador, o momento é de harmonia entre os Poderes para "garantir o bem-estar da população" e superar a polarização. "O Brasil precisa de pacificação e de união. Só assim vamos vencer a polarização, que nos divide e que nos enfraquece", completou.

Apesar das críticas de que a solenidade de ontem tenha sido organizada com viés político, partidário e governista, o presidente do Congresso deixou claro que foi uma celebração para reafirmar "a força da democracia e o nosso compromisso com os valores democráticos".

"Os inimigos da democracia disseminam ódio para enganar e recrutar uma parcela da sociedade. Os inimigos da democracia usam um falso discurso político para ascender ao poder, para nele se manter de maneira ilegítima e para dissimular suas reais intenções. Quem tem força não recorre à bravata. Quem tem força tem o respaldo popular, o respaldo da lei e o respaldo da Constituição Federal", afirmou.

Ao concluir o discurso, Pacheco anunciou a retirada das grades em volta do Congresso, que impedem a circulação de pessoas. Segundo o senador, o momento é de "abrir o Congresso Nacional para o povo".

"É chegada a hora, em 8 de janeiro de 2024, um ano após essa tragédia democrática do Brasil, de abrir o Congresso para o povo. Retirar essas grades que o circundam, para que todos tenham a compreensão de que essa é a casa deles, é a casa do povo, é a casa de representantes eleitos, onde as decisões devem ser tomadas para o rumo do Brasil", reforçou.

Ausência de Lira incomoda

Autoridades presente ao ato (Foto: Waldemir Barreto)

Já a ausência do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), foi mal recebida pelo Palácio do Planalto. Integrantes do governo foram pegos de surpresa com a informação — a expectativa era de que ele participaria, tanto que, segundo interlocutores, tinha até mesmo elaborado um discurso para a ocasião. Para o governo, a ausência foi "decepcionante".

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva contava com a presença de Lira para reforçar a aliança entre eles, celebrada logo após os ataques dos bolsonaristas, há um ano — quando houve uma grande reunião no Palácio do Planalto. A avaliação é que a ausência do presidente da Câmara, que justificou ter problemas de saúde na família, pode repercutir na condução da pauta do Plenário. O deputado teve o controle absoluto dos assuntos levados à votação, no ano passado, oscilando entre momentos em que agradava o governo e outros, não. No balanço, o saldo foi considerado positivo pelo Planalto.

Neste ano, há pautas importantes a serem tratadas, como a complementação da Reforma Tributária, que precisa ser regulamentada. Há, ainda, matérias da área econômica pendentes.

O líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), disse ser "lamentável" que alguns deputados e senadores não tenham comparecido. Mas, segundo ele, isso não se aplica a Lira, que deu uma justificativa.

"Hoje (ontem) é um dia para ter líderes do governo e da oposição. A ausência no ato é lamentável, e me faz questionar o compromisso de alguns com o Estado Democrático de Direito", criticou.

Mesmo com a ausência, Lira usou as redes sociais para lembrar o "ato de violência que merece ser permanentemente repudiado", defendendo que "todos os responsáveis devem ser punidos com o rigor da lei, dentro do devido processo legal". "A liberdade de manifestação e o direito fundamental de protestar jamais podem se converter em violência e destruição. Devemos sempre celebrar a democracia e cuidar do futuro do nosso país", publicou Lira no X (antigo Twitter).

Parlamentares comentaram, nos bastidores, que Lira pesou o clima político acirrado pela data. Um exemplo foi o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), que chegou a sinalizar que ia ao evento. Mas, ao desembarcar em Brasília, teria sido desaconselhado a participar do ato,

Única mulher a discursar, a governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT) — que representou os chefes dos executivos estaduais — classificou os ataques do 8 de janeiro como "pedagógicos", mas "sem anistia" para os culpados.

O procurador-geral da República, Paulo Gonet, que assumiu o cargo em dezembro, defendeu que os responsáveis pela infâmia sofram consequências penais. "Há de se estar sempre vigilante para que a democracia não passe por novos acometimentos de ímpeto autoritário. Essa vigilância, para o Ministério Público, consiste em reagir ao que se fez no passado, também para que se recorde que atos de violência contra a democracia hão de ter consequências penais para quem quer que a eles se dedique", pregou.

No Salão Negro, não eram vistos opositores do governo. No máximo, críticos, caso do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), que afirmou que o ato "não tem ideologia política".

Autoridades presente ao ato (Foto: Waldemir Barreto)

Os três comandantes militares compareceram à cerimônia e se sentaram ao lado do ministro da Defesa, José Múcio Monteiro. O presidente do Superior Tribunal Militar (STM), brigadeiro Joseli Parente Camelo, também esteve no Congresso.

Após o ato, Moraes foi muito assediado. O novo ministro do STF, Flávio Dino, também foi muito festejado.

Com informações portal Correio Braziliense

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