Fortaleza foi um dos epicentros do turismo sexual no Brasil (Foto: Fernanda Barros) |
Isso acontecia, principalmente, porque o País era vendido como "exótico e sensual" nas divulgações turísticas, o que acabou criando uma visão externa mais simplificada de Brasil.
Um estudo realizado pela profissional de turismo Kelly Kajihara, em 2008, intitulado "A Imagem do Brasil no Exterior: Análise do material de divulgação oficial da Embratur, desde 1966 até os dias atuais", revela que o órgão contribuiu diretamente para a intensificação dessa imagem, principalmente nas décadas de 1970 e 1980.
Mas a construção vinha desde a década de 1930, por meio de músicas e filmes que exploravam, principalmente, as belezas naturais, atrelados ao Carnaval e à beleza das mulheres.
Esses mesmos estereótipos foram divulgados no início da década de 1970, quando o estudo identificou as primeiras promoções de turismo realizadas pela Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur), que acabaram passando ao Exterior uma imagem de paraíso e sensualidade.
Hoje a Embratur reconhece o erro e frisa que a primeira ação para acabar com este estigma foi interromper o uso do slogan "Brazil: Visit and Love Us”, considerado por linguistas como uma mensagem que permite a interpretação de associação ao turismo com finalidade de exploração sexual.
"Em fevereiro deste ano, a Agência voltou a usar a Marca Brasil como identidade promocional do Brasil no Exterior, utilizando como elementos de promoção do país a diversidade de nossa cultura e de nossas belezas naturais", comunicou em nota.
Além disso, uma parceria com a Polícia Federal foi fechada para agir com mais rigor contra estes casos de exploração sexual no turismo.
Turismo
sexual no Ceará
Já o Nordeste passou a figurar nas promoções do setor na década de 1980. O Ceará, no entanto, demorou um pouco mais e veio ter seu boom na década de 1990, impulsionado pela novela "Tropicaliente".
A produção foi filmada no Estado e acabou sendo responsável por um aumento de 30% no número de visitas, e trouxe Fortaleza e outras cidades para o mapa turístico nacional.
Com a imagem construída por muitos anos de que o Brasil era um país "exótico", a procura desses turistas por experiências sexuais foi tornando Fortaleza um dos centros do turismo sexual, como explica o historiador Airton de Farias.
"Devido a como o País era vendido para o turista internacional, as mulheres acabaram sendo coisificadas, e isso acabou sendo um estímulo para a prostituição, o que tem relação direta com a violência, porque muitas vezes isso vinha acompanhado de tráfico de drogas", comentou.
Airton disse que o Brasil como um todo era procurado como um destino de diversão para homens solteiros poderem viver "aventuras", com muita bebida e mulheres. E que ainda que hoje, por mais que aconteça um esforço para desvincular essa imagem que foi criada no passado, ainda é algo que acontece.
"Foi tendo uma mudança com a própria conscientização local, como também do movimento feminista, de que isso precisava ser mudado. Mas ainda é muito presente em quem vem, principalmente para Europa e Estados Unidos."
Na reportagem do O POVO "Cartografia do abandono: histórias e cenários da exploração sexual no Ceará", do repórter Jáder Santana, no início dos anos 1990 começa a se estabelecer na Capital uma complexa rede de agenciamento e exploração sexual de crianças e adolescentes.
Essa "máfia" envolveria adultos, traficantes, gerentes de motéis, de hotéis, barraqueiros, doleiros e motoristas de táxis.
Foi nesse período que um anúncio, em inglês, de uma empresa localizada em Fortaleza, descrevia a capital do Ceará como "encantadora e sociável", e especificava que haviam garotas disponíveis em frente ao hotel cinco estrelas, e destacava: "nenhuma garota vale mais do que US$ 25!!!". O nome da empresa não foi divulgado à época.
O anúncio foi manchete do O POVO em 21 de agosto de 2001. A data em questão foi nove dias depois do assassinato de seis portugueses, que foram enterrados vivos na Praia do Futuro. Eles estariam em Fortaleza justamente em busca de aventuras sexuais.
Em
2002, o Ceará já era o estado com maior quantidade de denúncias referentes ao
turismo sexual e o terceiro em casos de abuso contra crianças e adolescentes,
segundo levantamento da Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à
Infância e à Adolescência (Abrapia).
Exploração
sexual cresceu em Fortaleza na Copa do Mundo de 2014
O problema do turismo sexual foi ainda mais acentuado durante o período de Copa do Mundo, em 2014, quando o fluxo de turistas em Fortaleza estava mais pujante.
A rede de televisão estadunidense, CNN, chegou a veicular a exploração de crianças e adolescentes em Fortaleza à época. A reportagem começa descrevendo o cenário nos arredores do castelão, e classificou a cidade como um ''imã para o turismo sexual''.
Um dos fatores apontados como causa da exploração foi a grande difusão de pobreza na região. Foram entrevistadas meninas que começaram a se prostituir entre doze e dezessete anos de idade, em alguns casos por consideraram um dinheiro fácil e em outros as vítimas são encaminhadas pelos próprios pais.
O período pós-Copa foi determinante para que novas ações de enfrentamento à exploração sexual ligada ao turismo em âmbitos estaduais e municipais fossem mais eficientes, e novas formas de promoção do turismo no Estado fossem mais difundidos.
Novos
roteiros
Hoje, o Estado tem seis roteiros turísticos principais promovidos pelo Sebrae-CE, em parceria com a Associação Brasileira de Turismólogos e Profissionais do Turismo do Ceará (ABBtur-CE), sendo quatro deles desenvolvidos de 2020 para cá.
A presidente da ABBTur-CE, Silvia Guimarães, destacou o crescimento do ecoturismo e que o perfil do turista vem mudando. Ela citou uma pesquisa de 2023 da Sprint que diz que o principal motivo de uma viagem para ambientes rurais é pela contemplação da natureza (74%), enquanto 73% querem comidas caseiras e 60% procuram trilhas.
"O turista hoje busca esse tipo de aventura. De acordo com esses dados, essas rotas estão em crescimento e a gente deduz que pode haver um aumento, nos próximos anos, na busca por esses produtos que o Ceará oferece", comentou.
O
reposicionamento local na atração turística
Nos últimos anos, o Ceará tem diversificado a atratividade turística e investido em diferentes frentes para enterrar a imagem de paraíso sexual.
A professora e consultora de marketing, Gal Kury, disse que o grande boom turístico nos anos 1990 por conta das novelas e um reposicionamento político do Estado trouxe muita visibilidade para o Ceará, mas também um tipo de turista que não está interessado em experiências sexuais.
"Algumas avenidas grandes, nos lugares de alto poder aquisitivo, principalmente na região hoteleira, era normal umas 7, 8 horas da noite você encontrar diversas meninas, às vezes crianças, oferecendo seus serviços, etc. E você tinha um público que vinha muito da Europa atrás disso", comentou.
Gal também lembrou que essa estrutura ainda vem em mudança, e que nos últimos 10 anos, além dos investimentos, foi importante ter um reposicionamento de marca para "vender" melhor o Ceará, deixando de atrelar as campanhas publicitárias a mulheres de biquínis.
"O
Ceará hoje tem uma imagem muito forte ligada às belezas naturais a capacidade
dos alunos. Então você tem uma imagem de um lugar onde tem gente inteligente, e
aí você vê a entrada também de grandes equipamentos, de shopping centers, e
você tem uma sofisticação com esses equipamentos de alto nível", explicou.
Já Fortaleza tem adotado uma estratégia de se mostrar como uma cidade inteligente para atrair o turista e em fazer o morador se "apaixonar" pela cidade
O secretário de Turismo de Fortaleza, Alexandre Pereira, contou ao O POVO que nos últimos 12 meses foram investidos R$ 10 milhões em promoção de turismo, o que ele chama de o maior plano de marketing para a pasta na história da cidade.
No entanto, ele ressaltou que o maior objetivo tem sido construir uma cidade onde o próprio morador impulsione o turismo.
"A gente mora onde as pessoas vêm passar férias. Uma cidade ela tem que ser o destino turístico nacional e internacional digna, de referência, tem que ter pessoas com um sentimento de pertencimento e pessoas felizes", destacou.
Ele destacou que se 20% dessa população for apaixonado por Fortaleza e estar sempre divulgando a cidade nas redes sociais sobre o quanto Fortaleza é legal, o turismo vai ser atraído de forma muito natural.
"O turista precisa ver como é legal ver o pôr do sol na cidade, como é legal curtir o turismo náutico em Fortaleza, como é boa a gastronomia. Então o morador tem que ser o grande protagonista para a atração desse turista", finalizou.
O POVO também procurou a Secretaria do Turismo do Ceará em mais de uma ocasião, mas recebeu uma resposta de que a pasta não colaboraria com a reportagem.
A
mudança turística no Cumbuco
Quem percebeu a mudança no turismo do Ceará foi o professor de kitesurfe Pablo Martin. Hoje ele vive no Cumbuco, praia localizada no município de Caucaia, e diz que hoje ela é voltada para famílias.
Após a primeira viagem para a região, ainda turista, em 2017, o argentino conta que era possível perceber apenas um grupo praticante do esporte e, em maioria, frequentadores da área.
“Quando eu vim pela primeira vez, só via ‘kitesurfistas’ homens. Hoje é a família toda praticando kitesurfe. Se você for na feirinha, encontra várias famílias passeando. É outro turismo”, compara Pablo.
Dono também da pousada Vento Brasil, o empreendedor conta que quase todos seus hóspedes são famílias e procura oferecer uma programação voltada para o grupo. “Nós oferecemos um lugar tranquilo para as famílias, com atividades que todos possam fazer, como o kitesurfe”.
Em 2021, após idas e vindas seguidas da Argentina, de 2017 a 2019, Pablo e a família decidiram morar no Cumbuco. O professor conta que o kitesurfe foi o principal motivo para a mudança, mas o clima e a cultura brasileira também contribuíram.
Por causa da familiaridade com o esporte e o conhecimento no ramo hoteleiro, o argentino e a esposa Natasha investiram nos dois ramos.
“Nós deixamos todos os familiares na Argentina e decidimos investir no nosso negócio aqui no Cumbuco. Hoje temos uma escola de kitesurfe, uma pousada e um restaurante”.
Nascido em Córdoba, cidade da Argentina, Pablo começou a praticar kitesurfe após a morte de sua filha mais velha Isabella.
O argentino conta que após mais de um ano de luto, ele encontrou um conforto no esporte. “O kitesurfe foi o que me salvou da tristeza de perder a minha filha”, relembra.
Com
informações portal O Povo +
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