14 de novembro de 2023

Polo de confecção do Ceará segue vivo como referência nacional

O Ceará ainda tem potencial para transformar sua cadeia produtiva da moda nos próximos anos (Foto: Fernanda Barros)

Em processo de renovação desde a pandemia, a cadeia produtiva da moda se reinventa e amplifica o Ceará como destino de uma rota iniciada em estados do Norte, Nordeste e inclui até outros países, como Cabo Verde. Desde a feira popular até o novo modelo de atacarejo, o polo varejista de moda e as indústrias de confecção e têxtil cearenses mostram seu potencial.

Colocado como um dos quatro maiores produtores nacionais no setor de confecção, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Estado avança neste mercado.

O Centro de Fortaleza já teve áureos momentos de corredores de vendas de produtos de confecção e têxteis. O primeiro grande polo popular de vendas de atacado e varejo foi o Beco da Poeira.

Espaço localizado entre as praças José de Alencar e da Lagoinha perdurou por 21 anos até ter as atividades encerradas em 2010 com as obras do Metrô de Fortaleza. No seu auge, chegou a abrigar em seus boxes mais de 2 mil permissionários.

O momento agora é outro, as opções se multiplicam e os números também. O POVO mostra esse dinamismo em reportagem especial seriada a partir de agora.

Grandes shoppings de moda inaugurados nos últimos anos profissionalizaram os espaços. Um dos símbolos desse movimento de expansão foi a inauguração do Centro Fashion, há seis anos. Hoje, o equipamento reúne mais de 4 mil empreendedores e movimenta 74 mil peças na oferta.

Em levantamento do centro de atacarejo, percebe-se que o movimento de compradores locais de atacado e varejo, assim como os "sacoleiros" que vêm em caravanas, movimentam os parceiros do Centro Fashion não só no presencial, mas, desde o lançamento da plataforma própria de marketplace, há crescente demanda virtual.

Agora, há planejamento para ampliação do projeto e o objetivo é "incomodar" e concorrer com os grandes marketplaces de varejo de moda do mercado, inclusive os internacionais.

"Continuamos a receber visitantes de outros estados, mas desde a pandemia se descobriu que o deslocamento constante para ver o produto do fabricante não era necessário por conta dos meios digitais, como o WhatsApp", informa relatório do Centro Fashion ao O POVO sobre a mudança de hábitos de consumo.

Projeto mais longevo dentre os shoppings focados em moda, o Maraponga Mart Moda se destaca. Exclusivo para fabricantes e vendas no atacado, a controladora Mana Holanda revela que o foco permanece sendo para os compradores CNPJ que compram 50, 60, 100 peças.

Em 2023, é realizado nos dias 16, 17 e 18 de dezembro, e o momento transforma os 45 mil m² do Maraponga num verdadeiro "formigueiro" de compradores.

"A diferença no Maraponga são os fabricantes de altíssima qualidade, tudo lá é coisa de grife. Existem produtos de lá que são vendidos no varejo por R$ 800, que podem ser encontrados no shopping por R$ 200".

Para entrar, cobrança de ingresso no valor simbólico de R$ 5, que é revertido para o Grupo de Educação e Estudos Oncológicos (Geeon), instituição conduzida pelo médico Luiz Porto. Em 2023, mais de 40 mil pessoas participaram.

Novidade inaugurada recentemente, no fim de setembro deste ano, foi o Giga Mall, em Messejana. Com o diferencial de ter espaços exclusivos separando vendedores de atacado e varejo.

Regis Tavares, superintendente do shopping, destaca que o fluxo de clientes tem sido intenso desde a inauguração, com datas em que mais de 10 mil pessoas circularam no espaço em um único dia. Atualmente, são mais de 300 lojas abertas, ocupando mais de 70% da área disponível.

"O feedback tem sido muito positivo de lojistas e clientes por conta do excelente mix de produtos e preços acessíveis, o que gera um bom volume de vendas".

Outro exemplo de investimento, desta vez no atacado de moda, é o Estação Fashion. Com aporte de R$ 50 milhões, iniciou as obras em 2023 e prevê início da operação em 2024. A expectativa é gerar cerca de 5 mil empregos de forma direta e indireta no empreendimento.

Serão ofertados 1,3 mil boxes e lojas, com praça de alimentação, espaço para eventos, além de centro de serviços variados.

O Estação Fashion ainda vai contar com espaços de saúde e beleza, estúdio de fotografia, esteiras rolantes e plataforma de vendas online. O estacionamento terá capacidade para 30 ônibus e mais de 500 carros. Ainda haverá estrutura de centro de distribuição.

Localizado no Centro de Fortaleza, em frente a Praça da Estação, o Estação Fashion será erguido no espaço anteriormente ocupado pelo shopping Acaiaca(Foto: Divulgação)

O gestor comercial do empreendimento, Wilian Nipon, revela que mais de 40% das unidades disponibilizadas no projeto foram vendidas.

Para ele, essa efervescência no mercado é o que tem movido os fabricantes, sacoleiros e clientes em busca de novidades. A procura por boas estruturas, com facilidade, conforto, suporte e preço competitivo são demandas primordiais.

"Este novo comportamento tem sido o principal fator de movimentação do mercado de fabricantes de moda que percebeu a demanda e tem proporcionado o surgimento de novos pólos de confecção, como é o caso do Estação Fashion, novo empreendimento de moda de Fortaleza, localizado no Centro", diz.

Moda premium e interiorização: O que se pensa para o futuro do setor de moda no Ceará

O Ceará tem potencial para transformar sua cadeia produtiva da moda nos próximos anos a partir da produção de modelos de alta costura e ampliação de projetos para o Interior.

A análise é do presidente da Câmara Setorial de Moda, da Agência de Desenvolvimento do Estado do Ceará (Adece), Paulo Rabelo Pinheiro.

Para ele, temos capacidade para diversificar para além da moda popular, confecção de lingerie e moda praia, que são os principais diferenciais da indústria de confecção do Ceará.

Além disso, o gestor avalia o potencial de desenvolver uma moda de alto nível, já que existem designers de renome internacionais que são cearenses. Caso avançasse nesse segmento, o Estado poderia romper mais fronteiras.

"Claro que o público é interessante, mas não vemos aquela equalização de marcas. Nosso mercado está hoje muito voltado ao popular e o premium - que temos muito gabarito para fazer - está ficando de lado", pontua.

Mesmo assim, Paulo frisa que o setor têxtil deve crescer com o avanço dos investimentos de indústrias locais, assim como o avanço da confecção no Interior.

Ele destaca o plano da cidade de Morrinhos, cidade distante 213,9 km de Fortaleza e que possui 22,7 mil habitantes, sendo que metade vive na zona rural.

Um projeto em parceria da Prefeitura com apoio do Governo do Estado e a associação industrial que representa o setor de confecção busca formar um estruturado centro industrial local para reunir os pequenos ateliês de costura da região.

"O projeto visa juntar todos que trabalham com costura em um local que tenha creche, local para refeição, campo de futebol, similar aos investimentos de grandes indústrias do setor", explica.

Ele acredita que esse modelo, que foge um pouco às características do cooperativismo mais conhecido, seria o mais próximo do ideal. "Esse pode até ser um modelo a ser copiado para outros municípios para potencializar a produtividade".

Situação da indústria nacional ainda é preocupante após a pandemia

O cenário do mercado, porém, é desafiador. De acordo com levantamento feito pela Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecções (Abit), entre janeiro e julho, as importações de vestuário saltaram 25,5% em relação a igual período de 2022.

O movimento corrobora com a preferência das grandes varejistas de vestuário de diminuir a demanda pelo produto nacional e apostar nos produtos produzidos em outros países, como a China.

Foram mais de US$ 1,18 bilhão em importações, enquanto as exportações somaram US$ 105 milhões, alta tímida de 1,3%, insuficiente para impedir um déficit na balança comercial da atividade.

Ainda segundo os cálculos, se levar em consideração todos os segmentos - desde os insumos, passando pela área têxtil até a confecção - a balança comercial movimentou US$ 2,83 bilhões.

Esse montante correspondeu a um crescimento de 4,75% das importações e queda de 18,01% nas exportações do setor.

Isso faz com que a indústria nacional enfrente um verdadeiro baque. Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o momento da produção industrial cearense ainda é delicado.

Em 2022, o setor de confecção de vestuário e acessórios fechou em queda, de 32,8%, em relação ao observado em 2021, bem mais do que o resultado nacional (-8,4%).

No mesmo período, o setor têxtil fechou com retração de 2,1%, um pouco menos que a média Brasil (-12,8%).

Até esse momento do ano, de janeiro a setembro, os dados apontam que a retração no mercado nacional abrandou, mas segue forte.

O setor têxtil segue caindo 0,9%, enquanto o de confecção desaba 8,9%. No Ceará, no igual período, o setor têxtil está subindo 25,7%, enquanto o de confecção está caindo 24,3%.

Estudo do Escritório de Estudos Técnicos do Nordeste (Etene) do Banco do Nordeste (BNB) revela que a crise da pandemia de Covid-19, em 2020, gerou uma piora do quadro de recessão da indústria de vestuário.

Nesse recorte, o Ceará foi o estado brasileiro mais afetado, com variação negativa de 30,9% em sua produção.

A recuperação só começou a vir em novembro de 2021, mas, a partir de 2022 - com novas ondas de Covid, guerra na Ucrânia e lockdown na China, o cenário se deteriorou.

O pesquisador Biágio de Oliveira Jr, do Etene/BNB, autor do estudo, enfatiza que essa série de problemas aliada ao aumento da taxa de juros do Brasil prejudicou ainda mais o setor, especialmente o Ceará, já que sua produção caiu mais de 32,9% em 2022, enquanto Brasil (-8,4%) e Nordeste (-16,8%) tiveram quedas menores.

Outros desafios, internos, são destacados por Biágio. "Quando colocamos a lupa no Ceará, podemos adicionar outras questões, como a informalidade, venda informal e as fábricas de quintal, além da falsificação de marcas internas. São fatores, alguns até do ponto de vista criminal, que estão influenciando no baixo desempenho do setor de vestuário", pontua.

Produtividade do trabalhador no setor de confecção

Se o mercado parece desafiador para os produtores locais, ainda mais num período recente de pandemia, existem histórias de sucesso também. Esse é o caso de Andréa Lima e sua marca Maschera.

Ela conta que o início de sua experiência no mercado da moda se deu atrás do balcão, como vendedora de uma atacadista no Maraponga Mart Moda. Após anos de contato com "sacoleiras" e empreendedoras, surgiu o desejo de criar o próprio negócio.

Inicialmente, passou a revender, mas, com o aprendizado adquirido no mercado, iniciou o projeto de fabricar seus produtos.

Nesse momento, no entanto, iniciou a pandemia, o que obrigou com que os planos fossem adaptados e a confecção de máscaras faciais fossem a prioridade, por isso o nome Maschera.

Passado esse momento, Andréa conta que o foco virou para uma moda mais confortável prezando pela qualidade do tecido, mas com preço acessível.

Hoje, o negócio, este localizado no Centro Fashion, prospera nas vendas e a produção já se estende a costureiras parceiras, a maioria da periferia.

"Apesar de ter começado o negócio no meio de uma pandemia, em que muita gente acabou fechando, estamos em crescimento, demos uma repaginada. Saímos de um box e investimos em um ponto que trouxesse mais conforto para os nossos clientes", complementa.

Carlos Holanda, gestor do Galpão do Pequeno Empreendedor e consultor empresarial, é um dos nomes ativos na defesa do Polo da José Avelino, enfatizando que os negócios formais são diferentes do movimento que ocorre nas madrugadas, com vendedores informais.

Divididos em 32 empreendimentos num espaço que vai desde a rua José Avelino e segue até a área próxima ao Paço Municipal, funciona com uma variedade de produtos, com foco no atacarejo e incluindo especialmente fábricas domiciliares, ou seja, negócios familiares em sua maioria.

Segundo projeção da Associação de Gestores de Empreendimentos do Polo de Negócios da José Avelino e Adjacências (AJAA), existem atualmente em torno de 15 mil pontos de venda dentro dos empreendimentos formais.

Isso gera uma movimentação de uma cadeia de mais de 100 mil pessoas em ocupações diretas e indiretas na feira.

Carlos pontua que "sacoleiros" de diversos estados brasileiros, assim como de outros países, como Cabo Verde, compram dos fornecedores cearenses do polo.

Se o olhar comum associa feira no Polo da José Avelino a vendas nas calçadas, negócios informais que a qualquer momento podem ser expulsos pelo "rapa" (como são popularmente conhecidos os órgãos de fiscalização da Prefeitura - Agência de Fiscalização do Município), a realidade é bem diferente.

Atualmente, os empreendimentos do polo da José Avelino têm, somados, mais de cem vagas para estacionamento de ônibus para "sacoleiros", numa movimentação intensa, especialmente a partir das quinta-feiras.

"Atendemos pessoas de todas as partes do Brasil. Então, os pequenos empreendedores aqui reunidos crescem a partir dessa força familiar que gera produção de qualidade e geração de emprego e renda. Forma uma cadeia de valor, tanto para costureiras, cortadores, quanto para indústria de tecidos e têxteis", afirma Carlos.

Com informações portal O Povo +

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História de quem empreende na feira da madrugada Centro


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