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14 de outubro de 2023

Os juízes e as maiorias injustas, por Juliana Diniz

A paridade de gênero foi uma das últimas medidas aprovada pelo CNJ na gestão da ministra Rosa Weber (Foto: Rômulo Serpa)

Há algumas semanas, assinei artigo comentando a aprovação da resolução do Conselho Nacional de Justiça que estabeleceu novas regras para a promoção de juízes, de modo a contemplar ação afirmativa para ampliar o número de mulheres nos tribunais. As listas de nomes para preenchimento das vagas de desembargador pelo critério de merecimento devem agora se alternar entre listas mistas e listas compostas exclusivamente por juízas, permitindo que os tribunais caminhem para a paridade de gênero. A medida foi aprovada pelo CNJ, num dos últimos atos presididos pela agora ex-ministra Rosa Weber.

Apesar da decisão do conselho, a questão segue gerando controvérsia e, como noticiado pela Folha de São Paulo, foi causa de um "racha" entre os juízes. O jornal relatou a renúncia de um grupo de 22 juízas e juízes de uma comissão da Associação dos Juízes Federais voltada às mulheres, como protesto pela realização de uma consulta entre os magistrados sobre a pertinência da nova regra. Como esperado, numa classe cuja composição é 70% masculina, a pesquisa teve um resultado contrário à resolução e serviu de argumento para que a maioria de juízes legitimasse uma postura pública de crítica à ação afirmativa proposta pelo conselho.

A crônica dos juízes inconformados com a resolução é valiosa demais para que a deixemos passar. Isso porque a atitude da maioria masculina evidencia a dificuldade de reconhecimento da desigualdade como mal a ser transformado por meio da mudança de estruturas. É um dado objetivo que os tribunais contam com uma minoria alarmante de mulheres. É um dado objetivo que as mulheres são a maioria da população nacional. É uma conclusão intuitiva a de que os tribunais, assim como outros espaços públicos de deliberação, devem espelhar a diversidade do corpo social sobre o qual deliberam.

Por isso as ações afirmativas servem como remédio para se buscar transformações de modo menos traumático. Ações afirmativas como as cotas de gênero são medidas compensatórias que buscam reformar um sistema que se mostrou falho, sem alterar as bases do próprio sistema. Se analisarmos o caso da promoção de juízes, veremos que a regra é suave: as listas não mistas compostas só por mulheres são apenas para as vagas por merecimento, além do que deverão conviver com as listas mistas em sistema de rodízio. Não se trata propriamente de uma revolução das bases, mas de uma compensação tímida.

A indignação pública de muitos juízes tem servido como uma aula de misoginia. Artigos de opinião inacreditáveis foram publicados, como o intitulado "O crime do cromossomo Y e as promoções da magistratura", de Flávio Higa, no Conjur. Terríveis as mulheres, que almejam para si espaços de poder, é o que deduzimos do teor desses manifestos. O que devemos fazer, assim como fizeram as juízas renunciantes da Ajufe, é ignorá-los, solenemente, e seguir na batalha pelo reconhecimento de nosso legítimo espaço.

O poder jamais é concedido de bom grado por quem o tem, é sempre o fruto de uma luta em que coragem e capacidade de resistência são indispensáveis. A essas juízas valentes, que não se curvaram à exigência de uma maioria injusta, o meu apoio irrestrito.

Publicado originalmente no  portal O Povo +

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