31 de outubro de 2023

Cinco anos após Lei, ainda é baixo engajamento do poder público para incentivar o uso das bicicletas

Criado em 2018, o Programa Bicicleta Brasil propõe a construção de ciclovias, ciclofaixas e faixas compartilhadas nas cidades brasileiras (Foto: Markus Spiskes)

Como medida para incentivar a sustentabilidade, o governo federal lançou um plano nacional para promover políticas públicas que visem a segurança das vias para a população. A Estratégia Nacional de Promoção da Mobilidade por Bicicleta conta com a participação de empresários e entidades ligadas ao ciclismo. Apesar da ação, entidades ainda veem empecilhos como, por exemplo, a falta de capacitação e recursos para o setor.

Coordenada pela União dos Ciclistas do Brasil (UCB), em parceria com outras entidades de ciclistas, do setor produtivo e prefeitos, a iniciativa foi lançada pelo Ministério das Cidades em meados de setembro. Nela, estão descritas metas que devem ser atingidas para quadruplicar o uso das bicicletas como transporte até 2030. Segundo a pasta, as diretrizes foram criadas para dar suporte a ações futuras do poder público.

Entre os problemas identificados pelo grupo para o uso do transporte no país estão: percepção de insegurança; infraestrutura inadequada; trânsito violento; baixo engajamento do poder público para incentivar o uso das bicicletas; dificuldade de acesso; e planejamento urbano que não favorece o chamado transporte ativo, como bicicletas e caminhadas.

As entidades citam a Lei nº 13.724, sancionada em 2018, que estabelece o Programa Bicicleta Brasil (PBB). Segundo elas, a medida é fundamental para a mobilidade sustentável, mas falta definir a aplicação dos recursos destinados à legislação. Para Yuriê Baptista, coordenador da UCB, uma das ações necessárias para alterar o cenário é a gestão federal exigir dos demais entes a implementação de estruturas aos ciclistas durante o repasse de verbas.

"No mínimo, quando o governo federal repassa o recurso para fazer requalificação de vias, ele deveria falar: 'Além de tapar buracos, essa via tem calçada? Ciclovia? Tem segurança para o ciclista?'", disse Baptista, que atuou na formulação da Estratégia Nacional. "Não estamos pedindo nada diferente do que está na lei", completou.

Falta de estrutura

Historicamente, a mobilidade urbana brasileira tem um foco maior em carros. O próprio desenho das cidades, muitas vezes, desfavorece o uso de transportes alternativos como, por exemplo, as bicicletas. Sem ciclovias, os ciclistas precisam dividir o espaço das pistas de rolagem com os carros, que trafegam em alta velocidade. Faltam travessias, iluminação e sinalização. Todo esse cenário contribui para a alta mortalidade.

De acordo com o DataSUS, em 2021 foram 1.381 ciclistas mortos em acidentes no país. "Vias acima de 60 km/h têm que ter ciclovia; vias de até 30, 50 km/h podem ter ciclofaixa. Abaixo de 30 km/h, sim, se garante uma segurança", explica Yuriê Baptista. Na avaliação dele, apesar de existirem manuais didáticos e pesquisas sobre como proteger a vida de quem anda de bicicleta, não há padronização no poder público e nem capacitação dos técnicos e gestores.

"Muitas prefeituras não têm nem um engenheiro na sua equipe inteira, que dirá no trânsito. Os gestores, os técnicos, precisam saber fazer uma boa infraestrutura urbana. Trabalhar a questão da capacitação é importante. A gente, hoje, não tem nem bons projetos elaborados, em geral", destacou.

Sem incentivo

A coordenadora da Rodas da Paz, Joyce Ibiapina, aponta a falta de iniciativa na implementação das medidas, especialmente na ponta, nos municípios. "A Estratégia Nacional vem para ajudar a gente a implementar a política que possa promover o uso da bicicleta. Porém, eu vejo o desafio dessa falta de vontade política mesmo. Fica muito no campo das ideias, do projeto. A execução demora e, quando acontece, tem muitos problemas. Obras que são mal planejadas", pontuou.

A especialista defende a readequação da velocidade máxima das vias urbanas, reduzindo os limites, para evitar colisões graves e fatais. Além do poder público, falta compreensão e educação aos motoristas. Muitos se incomodam com ciclistas dividindo as ruas com os automóveis, mesmo tendo o direito, segundo o Código de Trânsito. O comportamento gera conflitos e casos de direção agressiva, aumentando o risco de acidentes.

O documentarista Dado Galvão, idealizador do Movimento Ciclo-Olhar, mora em Jequié (BA), cidade apontada pelo Anuário de Segurança Pública de 2023 como a mais violenta do Brasil. Ele destaca a violência no trânsito como um grande desafio para a sociedade. Em 2023, foram três ciclistas mortos nesse contexto.

"Cada cidade, cada localidade, tem uma realidade diferenciada. No Norte e no Nordeste, a bicicleta é vista como transporte de pobre, de gente mal-sucedida. E continua sendo assim", explicou Dado Galvão. "É preciso implementar diálogo, pesquisa e debate sobre esse assunto. São coisas muito simples, mas, na minha avaliação, falta boa vontade", concluiu.

Com informações portal Correio Braziliense

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