Lula ao deixar encontro com a equipe de transição em Brasília (Foto: Sergio Lima) |
O governo que chega ao fim em 31 de dezembro é disfuncional, anômalo. Os gestos iniciais de Lula não têm nada demais. Não são propriamente bons. São apenas… normais. Previsíveis, chatos até. Aliás, o que houve de mais emocionante não foi exatamente bom. Disso falo a seguir.
A gestão de Bolsonaro é marcada por três anos e dez meses de imprevisibilidade, surpresas — invariavelmente negativas — atritos e postura errática do comando do governo. “Ah, o Paulo Guedes é do mercado…” O cartão de visitas dele foi arranjar encrenca com a Argentina, ainda em 2018.
Lula começa bem? Mal há algo a ser analisado. Indicações foram feitas apenas para a transição. Há quase nada de novidade em relação ao que foi sinalizado na campanha. Inclusive, é ruim que tão pouco se saiba sobre o que pretende o governo. Falou-se pouco na campanha, e isso é bastante negativo. Na segunda semana após a vitória eleitoral, quase nada se saber é pior ainda.
O que há de melhor na postura de Lula até agora é a normalidade, o tédio. Só isso é bem melhor que a adrenalina alucinada dos anos Bolsonaro.
Lula
e a estabilidade fiscal
O que saiu da monotonia nesses primeiros dias de Lula foi suficiente para causar um alvoroço no mercado financeiro. O presidente eleito disse:
“Ora, por que as pessoas são levadas a sofrerem por conta de garantir a tal da estabilidade fiscal nesse país? Por que toda hora as pessoas falam que é preciso cortar gasto, que é preciso fazer superávit, que é preciso fazer teto de gasto? Por que as mesmas pessoas que discutem com seriedade o teto de gasto não discutem a questão social deste país? Por que o povo pobre não está na planilha da discussão da macroeconomia? Por que que a gente tem meta de inflação e não tem meta de crescimento? Por que que a gente não estabelece um novo paradigma de funcionamento neste país?”
Não vejo nada de propriamente chocante na fala. Não entendi que ele diga que não deve haver estabilidade fiscal. O que ele afirma é que essa estabilidade não pode ocorrer ao custo do sofrimento das pessoas. E que deve haver meta também em relação a isso. Não significa abandonar a outra — e não me parece que o sofrimento deva ser condição para o equilíbrio das contas públicas.
Seria um erro achar que a estabilidade causa sofrimento. Ao contrário. Instabilidade causa inflação, que corrói o poder de compra, e atinge sobretudo os mais pobres. Desequilíbrio provoca juros mais altos, o que é bom para especuladores e ruim para quem precisa de investimento público.
Bom, mas o fato é que, num momento de tão poucas sinalizações dadas pelo novo governo, qualquer indicativo contra o equilíbrio fiscal afeta a confiança do tal mercado. A forma como Lula comunicou não foi bem recebida, e não dá para culpar o receptor. O “mercado” não está reunido numa sala tomando decisões. São atores diversos, que colocam ou tiram o dinheiro conforme possibilidades de ganhar ou perder. Se for o seu dinheiro aplicado e você perceber que ele irá se desvalorizar, acredito que também irá tirar de lá rapidinho.
A fala de Lula é abstrata e não mostra o que será feito. É uma ideia. Quando o governo mostrar quais as ações a serem adotadas, tudo ficará mais fácil. Seria melhor ter feito isso na campanha.
Publicado originalmente no portal O Povo Online
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