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17 de dezembro de 2021

Maior acidente ferroviário do Ceará completa 70 anos

Primeiras notícias davam conta de pelo menos 50 mortos em decorrência do acidente (Foto: O POVO Doc)

“Pavoroso sinistro na rede de viação cearense. Todos os carros de passageiros ficaram adernados e engavetados.” Foi assim que O POVO deu as primeiras informações sobre o que ficou conhecido como o maior desastre ferroviário do Ceará, na cidade de Piquet Carneiro, localizada a 297 quilômetros de Fortaleza. O acidente, que deixou cerca de cem mortos e dezenas de feridos, aconteceu há 70 anos, no dia 17 de dezembro de 1951, por volta de 6h10min.

O trem havia saído do Crato no dia anterior e feito pernoite em Iguatu, em viagem que seguia para Fortaleza. Próximo à sede de Piquet Carneiro, que na época era distrito do município de Senador Pompeu, o acidente aconteceu e os vagões de passageiros do veículo viraram. Os sobreviventes do desastre, entre eles o então presidente da Câmara de Iguatu, Jaime Cavalcante, foram unânimes em afirmar que o excesso de velocidade ocasionou as mortes, e que mais perdas não aconteceram porque os passageiros se seguravam como podiam. “A morte parecia guiar a máquina”, relata reportagem do O POVO.

A versão, no entanto, é contestada por integrantes da tripulação do veículo. O condutor do trem, José Edgar Cavalcante, apontou três causas para o descarrilamento: a umidade, o aumento natural da velocidade ocasionada pelo declive do leito ferroviário e o brusco acionamento do trilho em uma curva fechada. “O atraso é compensado de outra forma, na redução dos minutos determinados para a demora do trem nas estações”, disse ao rebater o argumento de que o trem corria para entrar no horário adequado.

O maquinista João Cruz, que tinha 30 anos de serviço na Estrada de Ferro, alegou que uma pessoa não identificada aplicou de forma criminosa um freio em um aparelho de emergência. “Verifiquei que o desastre era inevitável. Entretanto, apliquei o freio a vácuo. Senti um choque. Tratei de parar a máquina. Constatei, então, que vários carros estavam completamente virados”, contou em entrevista exclusiva ao  O POVO. Posteriormente, uma Comissão de Inquérito Administrativo confirmou a tese do excesso de velocidade.

O acidente levou a uma discussão sobre a segurança do transporte ferroviário nas páginas de opinião do O POVO na época. “O velho trem era sempre um transporte seguro por excelência, depois que o progresso do século trouxe o carro e o avião”, analisa. “Hoje, as composições a grandes velocidades, correndo talvez em dormentes frouxos, ficam mais sujeitas aos terríveis desastres”, ponderou o jornal na seção “Comentários do Dia”, cobrando uma “apuração rigorosa” das causas do acidente.

Quase 20 dias após a tragédia, O POVO voltava a criticar a falta de providências concretas em relação à investigação do acidente. “Embora seja um crime culposo (sem intenção), era imprescindível que a Secretaria de Polícia providenciasse a abertura de um inquérito policial para devida apuração dos culpados e posterior apreciação da Justiça. Infelizmente, preferiu-se cruzar os braços com relação ao caso, deixando, inclusive, de adotar as providências”, reclamou.

Sobrevivente do desastre, o taxista Francisco Brás de Lima, 74, ainda se lembra do episódio com detalhes, mesmo sete décadas após a virada do veículo. Ferido com um pequeno corte acima do olho, ele guarda uma cicatriz de recordação do dia de “pânico e loucura”, vivido a 24 dias do seu aniversário de cinco anos de idade. “Quando chegou em Piquet Carneiro, havia uma curva muito fechada e o trem desenvolvia uma alta velocidade. O maquinista puxou o trem, que saiu quebrando os trilhos”, lembra.

Ainda que o carro que estava com sua família também tenha virado, nenhum deles sofreu ferimentos mais sérios. “Minha mãe pegou uma toalha grande para proteger eu e meu irmão. Depois ele me puxou da janela do trem e eu saí do outro lado vestido só com a camisa”, narra. “Quando chegamos a Fortaleza, a estação estava lotada com feridos e fomos levados ao hospital.” O propósito da viagem era encontrar seu pai, que era marceneiro e estava trabalhando em uma serraria na Capital.

Mesmo com as lembranças trágicas, Francisco afirma que não perdeu o costume de andar de trem durante sua vida e encara a situação como uma fatalidade. Depois disso eu ainda viajei muito, nunca tive receio de entrar em um trem novamente”, conta. Hoje, já aposentado e depois de uma vida com diferentes profissões, ele trabalha transportando passageiros em seu táxi na Praça Siqueira Campos, no Crato. 

O professor Osmar Lucena Filho, memorialista de Piquet Carneiro, ressalta que a memória do acidente segue presente entre os moradores da cidade até hoje. O local da tragédia, no quilômetro 322 da Estrada de Ferro de Baturité, atrai vários fiéis, que intercedem pelas almas do desastre. “Existe um cruzeiro no lugar do acidente, onde as pessoas vão para pagar promessas, rezar o terço... É um local marcado pela religiosidade e pelo misticismo”, conta.

O desastre, com cerca de 100 mortos, foi o maior acidente ferroviário do Ceará e o oitavo do mundo, segundo pesquisas do memorialista, que estuda a história da cidade há cerca de 20 anos. “É uma página da história que remete para um momento triste para a cidade, que segue chamando atenção das novas gerações do município. Morreram de forma trágica muitas pessoas da Paraíba, de Pernambuco e daqui do Ceará”, lembra.

Nesta sexta-feira (17/12) será celebrada uma missa no local em memória das vítimas, com presença do prefeito do município, Bismarck Barros Bezerra (PDT). Haverá ainda o lançamento da história de acidente em forma cordel, escrito pelo poeta Edson Magalhães, nascido na cidade de aproximadamente 17 mil habitantes, segundo projeção do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para 2021.

Segundo o Anuário do Ceará, a toponímia é uma homenagem ao engenheiro Bernard Piquet Carneiro, diretor da Rede de Viação Cearense

Com informações portal O Povo Online

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