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3 de novembro de 2021

Filme "Marighella" estreia nos cinemas e preserva memória sobre a ditadura

Mais de dois anos separam o lançamento de "Marighella" nos cinemas desde sua primeira data oficial divulgada pela imprensa. O filme, que marca a estreia de Wagner Moura como diretor, estava previsto para chegar ao público geral em novembro de 2019. Entretanto, uma série de acontecimentos adiou a situação: primeiro, houve um imbróglio com a Agência Nacional do Cinema (Ancine); depois, o isolamento social impossibilitou as atividades presenciais. Nestes quase 800 dias de espera, os brasileiros retornam às salas de cinema nesta quinta-feira, 4, para assistir ao longa-metragem em uma situação sociopolítica e econômica bastante diferente de dois anos atrás. Naquela época, ninguém sequer imaginava que uma pandemia mataria mais de 600 mil pessoas e atingiria outras 21 milhões apenas no Brasil. 

Em uma realidade nacional repleta de problemas, o filme "Marighella" chega aos cinemas para lançar luz a um passado da História que costuma ser esquecido e apagado, mas que causa impactos ainda hoje: a ditadura militar brasileira (1964 - 1985). O enredo focará nos últimos anos de vida de Carlos Marighella (1911 - 1969), escritor, político e ex-guerrilheiro que foi considerado o "inimigo número 1" do regime. Na narrativa, ele é vivido por Seu Jorge. Também estão no elenco: Bella Camero, Bruno Gagliasso, Humberto Carrão, Adriana Esteves, Luiz Carlos Vasconcelos e Herson Capri. A neta do personagem, Maria Marighella, faz participação especial como forma de honrar a memória do avô.

"O Marighella é um personagem politicamente controverso na história do Brasil, mas a vontade de fazer o filme vem da minha admiração por ele, embora, quando assistir, você vai ver que não fiz uma radiografia. Marighella é um personagem complexo, é um ser humano colocado em xeque o tempo todo", explica Wagner Moura em entrevista ao O POVO. Para o diretor, é possível traçar similaridades entre o que o Brasil vivia durante a ditadura militar e as questões enfrentadas em 2021. "Esse governo de hoje é um espelho do pior que tivemos como exemplo de governo do país, com tendências autoritárias. É um governo que você pensa em tudo de pior que há na história do Brasil", afirma.

"Nossa história começa com o extermínio de indígenas, com a escravidão dos africanos, com as capitanias hereditárias, com a forma que a terra é distribuída de maneira desigual… E esse é um governo com tendências ditatoriais, que abertamente defende a ditadura militar e o Ustra (ex-chefe do Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna, órgão de repressão durante o regime). Ele não é um alienígena, não é um governo alheio à nossa história", comenta.

Em sua opinião, o filme teria enfrentado mais resistência do público caso tivesse sido lançado há dois anos. "O que penso, por exemplo, é que, se tivéssemos lançado o filme em 2019, estávamos no início do governo Bolsonaro, onde a maioria do povo brasileiro tinha votado nesse cara. Então talvez, nessa época, nós fôssemos sofrer uma resistência mais forte e agressiva do que agora que, suponha, a maioria das pessoas se dê conta da tragédia que é esse governo. É o mesmo filme, é o mesmo produto cultural", explica.

Oposições, porém, não faltaram. Em outubro, o filme foi alvo de campanha difamatória no Internet Movie Database (IMDb), responsável por reunir informações técnicas sobre conteúdos audiovisuais. Antes mesmo do lançamento, recebeu 45 mil avaliações negativas. A média do longa-metragem ficou por 3,6 de um total de 10. A mesma situação já tinha acontecido em 2019. Isso, entretanto, fez com que o site mudasse sua maneira de classificar as notas.

Para Maria Marighella, que é atriz e vereadora de Salvador, essas tentativas de repressão representam o "entulho autoritário" que o Brasil enfrenta. "O Brasil ainda vive um entulho autoritário. Eu estou com o Wagner Moura quando ele disse que o Bolsonaro, o bolsonarismo e essas figuras que estão hoje no poder são o esgoto da história. Eu chamo de entulho autoritário, ou seja, aquilo que a gente não conseguiu superar, a parte da história que a gente não conseguiu tratar", diz.

"Por outro lado, o ataque específico a Marighella fala da força que é Marighella. É uma figura pública, um político brasileiro que atravessou os principais eventos do século XX, desde o estado novo até a ditadura militar. A gente tem Marighella como figura emblemática desse tempo, sendo seguido, amado, odiado… Isso fala muito da potência Marighella, da sua capacidade de mobilização de paixões políticas. Acho que é muito interessante a gente perceber os lados dessa história, como Marighella continua sendo um farol de insurgência, uma inspiração de luta por justiças sociais, de denúncia e, ao mesmo tempo, de anúncio do que pode ser a vida se a gente luta", reflete.

Ela foi a primeira a incentivar Wagner Moura a produzir um filme sobre seu avô, a partir da biografia "Marighella: O guerrilheiro que incendiou o mundo", escrita pelo jornalista Mário Magalhães. "Minha relação com o filme é que ajudei na pesquisa, nesse momento de conectá-lo com as pessoas da história de Marighella. Minha relação existe no sentido de que sou neta de Marighella, sou guardiã de uma memória, tenho uma responsabilidade pública de mostrar Marighella para o Brasil, um país que não conseguiu passar sua história a limpo, um país que tem sistemáticos apagamentos da sua história e da sua memória", pontua.

O ator e diretor Wagner Moura concedeu entrevista ao Jornal O Povo (Foto: Aurélio Alves)

Com esses embates, Marighella foi considerado o "inimigo número 1" da ditadura militar. Agentes do Dops conseguiram a localização do guerrilheiro após torturar pessoas próximas. Ele foi assassinado no dia 4 de novembro de 1969, aos 57 anos, dentro de um carro. Décadas depois, em 1996, o Ministério da Justiça reconheceu a responsabilidade do Estado na morte do político. Em 2012, a Comissão da Verdade concedeu a anistia de Carlos Marighella.

Para o ator Luiz Carlos Vasconcelos, que interpreta um dos parceiros do protagonista no filme, a obra audiovisual busca contar a verdade sobre o período histórico da vida brasileira. "Vai colocar por terra as mentiras que a ditadura alastrou pelo Brasil sobre o 'inimigo número 1', o 'terrorista'. Ele não era nada disso. Era um patriota que sacrificou a vida dele e a relação com a família para lutar por nossa liberdade. O filme chega em um momento tão obscuro, de tanta mediocridade, de tantas coisas que a gente não acredita que está vivendo. Esse filme vai para que todos os brasileiros conheçam essa história e, quem sabe, despertem em si alguma coisa que se assemelhe ao que a gente pode chamar de resistência", indica.

No OP+, você confere a entrevista completa, em vídeo, com Wagner Moura. No camarim do Cineteatro São Luiz, o ator e diretor conversou sobre "Marighella" e a atual situação política brasileira. Conteúdo está disponível em "Séries e Docs", na área "Arte e Cultura".

O podcast Vida&Arte é destinado a falar sobre temas de cultura. O conteúdo está disponível nas plataformas Spotify, Deezer, iTunes, Google Podcasts e Speaker

Com informações portal O Povo Online

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