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22 de setembro de 2021

As mentiras de Bolsonaro na ONU e a reação da mídia internacional

 Bolsonaro prometeu mostrar um “Brasil diferente daquilo publicado em jornais ou visto em televisões”, mas distorceu fatos e ignorou acontecimentos reais (Foto: Alan Santos)

O presidente Jair Bolsonaro fez o primeiro discurso entre dos chefes de Estado na 76ª Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) ontem (21/09), mas algumas das falas do chefe do Executivo foram apontada como inverídicas, pois, apesar de afirmar aos demais participantes do encontro que apresentaria um “Brasil diferente daquilo publicado em jornais ou visto em televisões”, Bolsonaro distorceu fatos e ignorou alguns acontecimentos.

Dentre as informações falsas ditas pelo presidente, está a de que os atos do Sete de Setembro a favor do governo foram as maiores manifestações da história do país.

Além disso, Bolsonaro garantiu que o Brasil é uma das melhores nações para atrair capital estrangeiro, mas o país, na realidade, é o mais complexo no mundo para fazer negócios com investidores estrangeiros.

A seguir, confira alguns pontos em que o presidente faltou com a verdade:

"Estamos há 2 anos e 8 meses sem qualquer caso concreto de corrupção"

Dois inquéritos em andamento na Polícia Federal investigam eventuais atos de corrupção por atuais e ex-integrantes do governo federal.

Um deles tem como alvo o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, que é investigado por supostos atos de corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e facilitação de contrabando na exportação de madeira.

Segundo a PF, Salles agiu em favor de empresas madeireiras com sede no Pará, na região amazônica, que pediram a suspensão de uma instrução normativa do Ibama que entrou em vigor em 2011. A norma permitia a exportação de produtos e subprodutos madeireiros de origem nativa de florestas naturais ou plantadas apenas mediante autorização do instituto.

Para cancelar os efeitos desse ato, o ex-ministro desconsiderou recomendações técnicas de servidores de carreira e, “em total descompasso com a legalidade”, anulou a instrução normativa, legalizando retroativamente milhares de cargas que haviam sido remetidas ao exterior sem a respectiva autorização, o que facilitou o contrabando.

Durante as investigações, a PF constatou movimentações financeiras suspeitas de pelo menos R$ 1,7 milhão por parte de Salles durante o período que ele esteve no ministério.

A corporação também investiga um suposto caso de corrupção no contrato de compra da vacina contra a covid-19 Covaxin, produzida na Índia pelo laboratório Bharat Biotech. O Ministério Público Federal (MPF) também tem um inquérito sobre o caso.

O governo federal negociou a aquisição do imunizante por intermédio da empresa Precisa Medicamentos e fechou um acordo de R$ 1,6 bilhão para a compra de 20 milhões de doses da Covaxin, mas cancelou o contrato após a revelação de diversas irregularidades, como a de que a Precisa fraudou uma procuração para ter o poder de celebrar contratos de fornecimento em nome da Bharat.

"Apresento agora um novo Brasil com sua credibilidade já recuperada. Meu governo recuperou a credibilidade externa e, hoje, se apresenta como um dos melhores destinos para investimentos"

Apesar das falas do presidente, indicadores publicados neste ano pela consultoria norte-americana A.T. Kearney e pela empresa TMF Group mostram que o Brasil ainda está longe das primeiras posições quando o assunto é confiabilidade de investidores estrangeiros.

Segundo o Índice de Confiança do Investimento Estrangeiro Direto de 2021 da Kearney, o Brasil é o 24º entre os 25 países que mais atraem capital estrangeiro. A pesquisa é feita todos os anos, desde 1998, com executivos das 500 maiores empresas do mundo, na qual eles avaliam a probabilidade de fazer um investimento direto em um mercado internacional.

Na comparação com o levantamento feito em 2020, o Brasil caiu duas posições. Segundo a Kearney, isso aconteceu devido a “uma deterioração no ambiente econômico e de governança doméstico” do país.

A consultoria destaca que durante o período da pesquisa, o lançamento da vacina (contra a covid-19) no país estava começando, mas foi lento e desigual. O governo foi acusado de não garantir e distribuir vacinas, minimizando a ameaça representada pelo vírus. Ao mesmo tempo, uma variante mais mortal e contagiosa surgiu no país.

Além disso, a Kearney alertou que muitos investidores começaram a ver com desconfiança a adoção de regulamentações de proteção de dados em alguns países, o que pode afastar investimentos. De acordo com a consultoria, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) aprovada pelo Congresso em 2018, cujas penalidades passaram a ser aplicadas apenas no mês passado, pode ser um problema para o Brasil.

“Com essas regulamentações no horizonte, muitos investidores veem as regulamentações de proteção de dados e os custos operacionais da proteção de dados como custos impositivos sobre seus investimentos estrangeiros. A incerteza sobre a governança de dados também está crescendo — e afetando as decisões de investimento estrangeiro”.

Já o Índice Global de Complexidade Corporativa de 2021, um relatório produzido pela TMF Group, classificou o Brasil como o país mais complexo para se fazer negócios no mundo.

Ao todo, a empresa analisou 77 países e concluiu que “a complexidade no Brasil é impulsionada por um sistema de gestão de várias camadas, onde autoridades a nível federal, estadual e municipal têm poder legislativo substancial”.

“O Brasil é uma das poucas jurisdições onde o processo de incorporação de empresas deve ser registrado em todos esses níveis de governo. Muitos impostos também são cobrados em cada um dos níveis, fazendo com que as taxas tributárias variem de cidade a cidade e de estado a estado”, constatou a empresa.

"No último 7 de Setembro, data de nossa Independência, milhões de brasileiros, de forma pacífica e patriótica, foram às ruas, na maior manifestação de nossa história"

Não houve um registro oficial de quantas pessoas saíram às ruas em todo o país no feriado da Independência, mas comparando as fotos dos protestos do último dia 7 com as imagens de manifestações em anos anteriores é possível perceber que os atos a favor do governo não foram os maiores da história do país.

Isso fica claro, por exemplo, nos registros das manifestações a favor do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016. Os protestos lotaram diversas capitais do país, e a estimativa foi de que pelo menos 3 milhões de pessoas participaram dos atos.

Além disso, em 1984, o último comício das Diretas Já, manifestação que reivindicava a retomada das eleições diretas para presidente da República, atraiu no mínimo 1,5 milhão de pessoas no Vale do Anhangabaú, em São Paulo.

"Como demonstrado, o Brasil vive novos tempos. Na economia, temos um dos melhores desempenhos entre os emergentes"

Considerando a queda de 0,1% no Produto Interno Bruto (PIB) no segundo trimestre de 2021, o Brasil teve um dos piores desempenhos entre 48 países que também divulgaram informações sobre o resultado da produtividade das suas economias entre abril e junho deste ano. Segundo informações compiladas pela Austin Rating, o Brasil ficou na 38% posição.

Outras nações emergentes tiveram um desempenho melhor, como Indonésia (7º lugar, alta de 3,3%), Hungria (10º lugar, alta de 2,7%), Polônia (14º lugar, alta de 2,1%), México (20º lugar, alta de 1,5%), China (22º lugar, alta de 1,3%), Chile (26º lugar, alta de 1,0,%), Peru (31º lugar, alta de 0,9%) Turquia (32º lugar, alta de 0,9%) e Coreia do Sul (33º lugar, alta de 0,7%).

A imprensa internacional destacou a estranha situação criada pelo fato de um líder não vacinado e que estimulou o sentimento contrário à vacina no seu país ter feito o discurso de abertura de uma reunião cujo foco principal deverá ser a resposta global à pandemia do coronavírus.

O New York Times observou a defesa feita por Bolsonaro de medicamentos ineficazes para o tratamento da covid-19 e sua tentativa de responder às críticas que tem sofrido.

Enquanto o britânico The Guardian enfatizou, além da defesa do "tratamento precoce", a crítica do presidente brasileiro à exigência de "passaporte de vacinação".

Quebra do 'sistema de honra'

"Bolsonaro foi acusado de alimentar o sentimento anti-vacina e diz que não precisa ser vacinado porque se recuperou de um leve caso de covid-19 em julho passado", contextualizou o Washington Post, em reportagem desta terça-feira, após o discurso do brasileiro.

"Embora ele tenha dedicado apenas uma pequena parte de seu discurso à pandemia, sua presença na assembleia diz muita coisa: como não foi totalmente imunizado, Bolsonaro parece ter quebrado regras da ONU que pediam que todos aqueles que fossem entrar na sala da assembleia geral fossem totalmente vacinados, sob um 'sistema de honra'", observa o jornal.

"Não está claro se haverá alguma repercussão para o Bolsonaro por aparentemente quebrar a regra", disse o periódico, destacando ainda que Bolsonaro optou por focar seu discurso numa suposta revitalização política e econômica do Brasil, ao invés da pandemia.

O jornal destacou que Bolsonaro não tem sido discreto desde sua chegada a Nova York na segunda-feira, lembrando do encontro entre o brasileiro e o primeiro-ministro britânico Boris Johnson, do episódio da pizza na calçada e do fato de um membro da comitiva diplomática brasileira ter testado positivo para o coronavírus nos Estados Unidos.

Tratamento ineficaz

O New York Times, por sua vez, enfatizou a apologia feita por Bolsonaro de medicamentos ineficazes para o tratamento da pandemia.

"O presidente de extrema direita do Brasil disse que os médicos deveriam ter mais margem de manobra para administrar medicamentos não testados para Covid-19, acrescentando que ele estava entre aqueles que se recuperaram após o tratamento 'fora da bula' com uma pílula anti-malária que estudos consideraram ineficaz para tratar a doença", destacou o NYT.

O periódico nova-iorquino também enfatizou a decisão de Bolsonaro de viajar aos Estados Unidos sem ter tomado vacina, lembrando que isso criou situações "constrangedoras", como o encontro entre Bolsonaro e Boris Johnson, em que o brasileiro disse ao britânico não ter ainda tomado a vacina, aos risos.

"O presidente do Brasil liderou uma das respostas mais criticadas do mundo à pandemia", lembrou o NYT. "Bolsonaro minimizou repetidamente a ameaça que o vírus representava, criticou as medidas de quarentena e foi multado por se recusar a usar máscara."

Ao destacar o esforço de Bolsonaro para mostrar "um Brasil diferente" em seu discurso e que o país "mudou muito desde 2019", o jornal acrescentou que a gestão dele enfraqueceu o cumprimento da legislação de proteção ambiental e tirou poderes das agências que tinham essa prerrogativa.

"Ainda assim, nesta terça-feira, ele argumentou que o Brasil deveria ser aplaudido por quanto de suas florestas permanecem intactas", pontuou o jornal.

'Figura controversa'

O jornal britânico The Guardian lembrou que Bolsonaro se mostrou uma "figura controvertida" ao longo da pandemia de covid-19, "minimizando os impactos do vírus e recusando-se desafiadoramente a ser vacinado".

O Guardian foi um dos poucos veículos estrangeiros a destacar o anúncio feito por Bolsonaro da realização do leilão da tecnologia 5G e a intenção do Brasil de conceder vistos a afegãos "cristãos, mulheres e crianças".

O periódico também mencionou a fala de Bolsonaro de que o Brasil estaria, antes do seu governo, "à beira do socialismo".

Voltada a um público de investidores, a agência Bloomberg destacou a tentativa de Bolsonaro de melhorar sua imagem, em meio às críticas à sua política ambiental e atuação na pandemia.

"O líder conservador destacou os esforços para abrir a economia brasileira ao investimento estrangeiro, defendendo sua política ambiental e sua trajetória durante a pandemia", observou a Bloomberg.

"Bolsonaro, que até agora se recusou a receber a vacina contra a covid-19, disse que seu governo apoia a campanha de vacinação de forma voluntária (...) repetindo que as medidas restritivas adotadas pelos governadores durante a pandemia foram responsáveis ??pelas altas taxas de desemprego e inflação do país."

A agência de notícias lembrou ainda que a popularidade de Bolsonaro está atualmente em sua mínima histórica, que seu governo é investigado por uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) no Senado e que Bolsonaro sofreu críticas do prefeito de Nova York, Bill de Blasio, por viajar à cidade americana sem ter tomado vacina.

Com informações portal Correio Braziliense


Clique aqui e leia a íntegra do discurso de Bolsonaro na abertura da Assembleia da ONU


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