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16 de agosto de 2021

Bolsonaro tenta cooptar Forças Armadas para projeto autoritário

Para especialistas os últimos episódios da crise política sinalizam que o clima de instabilidade entre os Poderes deve se agravar ainda mais. (Foto: Alexandre Manfrim)

Pressionado por uma série de investigações e sem grandes realizações para mostrar no governo, o presidente Jair Bolsonaro se agarra, cada vez mais, ao discurso contra o processo eleitoral, ao mesmo tempo em que emite sinais de que reconhece o risco de derrota na disputa de 2022. Os reiterados ataques dele à democracia mantêm o país sob tensão e assombrado pela ameaça de uma nova ruptura institucional, mais de três décadas após o fim da ditadura militar (1964-1985).

Os últimos episódios da crise política sinalizam que o clima de instabilidade entre os Poderes deve se agravar ainda mais. Bolsonaro intensificou a ofensiva contra a cúpula do Judiciário depois que o aliado Roberto Jefferson — ex-deputado e presidente nacional do PTB — foi preso por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). O chefe do Executivo anunciou que, nesta semana, pedirá ao Senado a abertura de processos de impeachment contra o magistrado e o também ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e membro do Supremo.

Ao mesmo tempo, Bolsonaro continua insuflando apoiadores a não respeitarem o resultado das eleições se não for adotado o voto impresso, depois de prometer ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), respeito à posição do plenário da Casa, que rejeitou, na semana passada, a proposta de emenda à Constituição (PEC), que previa essa mudança no sistema de votação.

Outro preocupante foco de tensão é a pressão contínua de Bolsonaro para que os militares engrossem os questionamentos sobre a lisura das eleições e apoiem o seu projeto autoritário. Na semana passada, o chefe do Executivo afirmou que as Forças Armadas são um “poder moderador” e devem “apoio total às decisões do presidente para o bem da sua nação”.

O discurso de Bolsonaro contra o sistema eleitoral tem sido interpretado, no meio político, como argumento para contestar uma eventual derrota na próxima corrida presidencial. As últimas pesquisas apontam para o favoritismo do seu principal adversário, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Nas ofensivas contra o Judiciário, o chefe do Planalto tem acusado STF e TSE de atuarem para favorecer o retorno do petista ao poder.

Enquanto o negacionismo eleitoral de Bolsonaro domina as atenções de boa parte do país, problemas urgentes que afetam todos os brasileiros aguardam respostas do governo, como a tragédia da pandemia da covid-19, o desemprego recorde e a escalada da inflação. São mazelas também relacionadas aos baixos índices de popularidade do presidente, que se vê pressionado a prosseguir com o discurso agressivo, na tentativa de manter, pelo menos, o apoio dos bolsonaristas mais radicais.

Para o cientista político André Pereira César, da Hold Assessoria Legislativa, o fato de a Câmara ter rejeitado a PEC do voto impresso não foi, necessariamente, uma derrota de Bolsonaro.

“Na verdade, para ele, foi o melhor dos mundos. Primeiro, porque mantém o discurso contra o sistema eleitoral. Além disso, o placar da votação foi apertado, o que poucos esperavam. Então, nesse sentido, o resultado dá a ele mais força ainda para manter esse discurso voltado aos apoiadores mais radicais e fiéis”, disse o analista.

César destacou, porém, o fato de o Judiciário dar demonstrações de que os ataques à democracia não ficarão impunes. Ele citou como exemplo a detenção do presidente do PTB. “Com a prisão do Roberto Jefferson, a Justiça manda um recado claro de que não se deve brincar com a democracia, porque democracia é coisa séria. 

Na visão do cientista político foi um recado ao presidente: Até aqui você vai, mas, se continuar com essa conversa, pode ter problemas sérios, frisou.

 “É um sinal de que as instituições, ou parte delas, estão querendo demonstrar que nós temos uma linha, da qual não se deve passar. A gente deve ter os próximos meses de mais tensão, mais esgarçamento, mais puxada de corda.”

Bolsonaro é alvo de quatro inquéritos no STF e um no TSE, por suposta interferência na Polícia Federal, pelo escândalo da vacina indiana Covaxin, por fazer ameaças às eleições e por ter vazado inquérito sigiloso da PF.

Renato Ribeiro de Almeida, professor de direito eleitoral e advogado, ressaltou que todas as acusações do presidente contra o sistema eleitoral são comprovadamente inócuas, já que não se tem registro de fraude desde 1996, quando começou a votação eletrônica. Ele também considerou importante a iniciativa do TSE de anunciar um conjunto de medidas para ampliar a participação de partidos políticos na fiscalização das eleições.

O advogado comentou, também, sobre possíveis consequências ao mandato de Bolsonaro das investigações conduzidas pelo STF e pelo TSE. “Em relação a atingir o mandato presidencial, ora corrente, ainda é cedo para dizer, porque nós temos uma situação de que o presidente foi incluído como investigado, e não na condição de réu nos processos”, explicou. 

“Mas, ao que parece, estão se trazendo grandes provas a respeito da participação direta do presidente nessa questão e, se esses inquéritos forem para frente e se tornarem ações penais, isso, sim, pode comprometer, eventualmente, o mandato do presidente.”

Juliano da Silva Cortinhas, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (IRI/UnB), enfatizou que analistas estrangeiros, imprensa internacional e governantes de outros países acompanham com muita preocupação a escalada autoritária de Bolsonaro. De acordo com ele, os ataques do presidente à democracia podem agravar, ainda mais, os problemas já enfrentados pelo Brasil por conta de recentes retrocessos na política ambiental, na diplomacia e nos direitos humanos. A redução da margem de investimentos estrangeiros no país é um desses efeitos que, conforme o docente, podem se aprofundar.

“O Brasil não é visto mais como um país com o qual seja interessante negociar. Temos cada vez menos espaço de atuação nas organizações internacionais. De vários lados, de várias frentes, temos perdido capacidade de atuação, porque temos sido considerados pária internacional, um país não desejável nas mesas de negociação. E isso já tem nos trazido prejuízos e, no médio e longo prazos, tende a trazer ainda mais.”

Segundo Juliano Cortinhas, é importante que o Judiciário e o Legislativo adotem providências com urgência para que a comunidade internacional volte a confiar na democracia. “É claro que o Brasil não vai ser completamente isolado, porque é um parceiro comercial importante para países europeus, para a própria China, para os Estados Unidos, mas, por outro lado, politicamente, a gente perde cada vez mais espaço”, frisou.

Para ele, “o que precisamos, neste momento, é justamente o aumento do nosso espaço internacional, da nossa capacidade de atração de investimentos para sairmos, de forma mais rápida, desse processo de crise profunda colocada pela covid em todo o mundo”. 

Cortinhas conclui dizendo que “em um momento de crise, a capacidade de superação dos países depende de boas parcerias políticas e comerciais, e o Brasil não as tem mais. Não as tem por total incompetência do governo atual”.

O ex-deputado Roberto Jefferson usava as redes sociais para atacar magistrados e pregar o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF). Por isso, foi preso no inquérito que apura a atuação de milícias digitais, um desdobramento da investigação sobre atos antidemocráticos.

Na segunda-feira passada, um dia antes da votação da PEC no plenário da Câmara, o presidente da Casa, Arthur Lira, contou ter recebido do chefe do Planalto a promessa de que ele aceitaria a decisão dos deputados, qualquer que fosse. “Bolsonaro me garantiu que respeitaria o resultado do plenário. Eu confio na palavra do presidente da República ao presidente da Câmara”, declarou, em entrevista à CBN.

Com informações portal Correio Braziliense

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