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22 de julho de 2021

A viabilidade eleitoral de Ciro Gomes contra Lula e Bolsonaro por Christian Velloso Kuhn

Nas palavras de Ciro Gomes "Só quem pode ressuscitar o Bolsonaro é o Lula" (Foto: Divulgação/Facebook) 

Diante de tantas aberrações, polêmicas e omissões nesses mais de 900 dias que completa o Governo Bolsonaro, é impressionante a quantidade de pedidos de processo de impeachment do presidente protocolados até o momento. Segundo dados da Agência Pública, já são ao todo 122 solicitações para o impedimento de Jair Bolsonaro (2019-2021), média de 40,7 por ano de mandato (ainda que estejamos na metade do terceiro ano). É o equivalente a quase um pedido por semana.

Esse sim pode ser um recorde de Bolsonaro digno de entrar no Guiness Book. Comparativamente a outros presidentes, em ordem decrescente do total de requerimentos de impeachment, foram 68 pedidos contra Dilma Rousseff (2011-2016) em seis anos de mandato (11,3 por ano), 37 contra Lula (2003-2010) em oito anos (4,6 por ano), 31 contra Michel Temer (2016-2018) em três anos (10,3 por ano) e 24 contra Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) em oito anos (três por ano).

Bolsonaro é um recordista neste quesito. Esse volumoso número é um demonstrativo da sua forte rejeição, muito embora isso ainda não se traduza em baixos índices de popularidade considerados suficientes para a abertura desses processos.

Pois bem, qual a importância dessa análise dos pedidos de impeachment de Bolsonaro? A questão é a tese que vem sendo defendida por Ciro Gomes de que Lula e o PT desejam que Bolsonaro concorra à reeleição.

Como Ciro argumenta: “Esse processo político [impeachment] só vai acontecer se todas forças democráticas do Brasil levarem ao máximo a nossa pressão para tirar da inércia a Câmara Federal e, especialmente o seu presidente, como aconteceu nos outros episódios e isso não está feito porque o PT está de braços cruzados. Está fazendo corpo mole e o PT controla a CUT, o PT controla boa parte do movimento estudantil e por isso a sociedade civil brasileira está começando a reagir porque o PSOL saiu dessa linha de acomodação e nós estamos nela sozinhos há mais de um ano”.

Um indício que dá sustentação a essa tese é o fato de Lula não ter assinado nenhum pedido de impeachment, enquanto Ciro e até Alexandre Frota assinaram três. Inclusive o MBL e Joice Hasselmann, que é do ex-partido do presidente, assinaram um cada. Sem dúvida, uma solicitação protocolada por um ex-presidente reeleito teria um grande peso e simbolismo, mas infelizmente parece estar fora de cogitação.

De acordo com Ciro, “Lula escolheu Bolsonaro como alvo, assim como Bolsonaro escolheu Lula como adversário preferencial”. Realmente, existe uma relação mutualística entre Bolsonaro e Lula, em que um depende da rejeição ao outro (antipetismo e antibolsonarismo, respectivamente) para crescer nas preferências eleitorais. Quanto mais polarizada, melhor para ambos. Pode-se interpretar também que a relação dos dois é dialética, pois ao mesmo tempo em que apresenta uma contradição (concorrência eleitoral), manifesta igualmente uma unidade (interdependência para elevarem suas votações).

A falsa narrativa de que não há viabilidade para a construção de uma terceira via, em que Ciro Gomes vem se mostrando o candidato com maior potencial para enfrentá-los e dar opção aos que não desejam nenhum dos dois (como Ciro ilustra, a escolha entre o ruim e o péssimo), justifica-se pelo temor tanto de Bolsonaro quanto de Lula perderem espaço na preferência dos eleitores.

Nas palavras de Ciro Gomes: “Só quem pode ressuscitar o Bolsonaro é o Lula (…) A charada é essa: Lula escolheu o Bolsonaro e Bolsonaro escolheu Lula porque uma disputa despolitizada em que o Bolsonaro vai lembrar a roubalheira do período do lulopetismo e a raiz da crise econômica, falando rigorosamente a verdade, e o Lula vai explorar as boçalidades criminosas e genocidas do Bolsonaro. E o Brasil não vai ter ambiente para discutir as coisas. Não vou permitir que isso aconteça de maneira nenhuma, vou unir o povo brasileiro e ganhar essa eleição”.

Ciro Gomes, inclusive, já foi até citado em uma reunião ministerial recente, em que vergonhosamente o tema foi o cenário eleitoral para 2022. Ciro causou preocupação ao ministro Fábio Faria, das Comunicações, por ter apoio do marketing político de João Santana, sendo capaz de ameaçar a candidatura de Bolsonaro. Ademais, segundo a matéria da Veja, “Ciro bate mais forte na corrupção do PT do que Bolsonaro, o que atrai bolsonaristas desiludidos e eleitores de centro que evitarão Lula e Bolsonaro em 2022. Para o bolsonarismo, Ciro é perigoso porque já está no jogo eleitoral com estratégia”. Conforme um bolsonarista se manifestou na reunião, Ciro vence se for ao segundo turno.

A despeito dessa disposição de Ciro Gomes concorrer contra Lula e Bolsonaro, e do medo de bolsonaristas de que ele chegue e vença no segundo turno, o ideal é a abertura do processo de impeachment de Bolsonaro. Isso porque caso as projeções de vacinação de boa parte da população se confirmarem até setembro ou outubro deste ano, o que será uma ótima notícia dadas as atuais circunstâncias de atraso na compra, produção e distribuição de vacinas, a tendência é que a economia se reaqueça a partir do último trimestre desse ano, quando se concentram as datas festivas e início das férias de verão, e permaneça em crescimento em 2022.

Isso se não ocorrer nenhum outro episódio inesperado e catastrófico como a atual pandemia ou uma crise econômica-financeira internacional (como a de 2008). Nesse caso, as perspectivas são de que 2022 seja um ano mais próspero economicamente, o que poderá ser usado para instaurar um clima de favorecimento à reeleição de Bolsonaro (ciclo político-eleitoral).

Além disso, na hipótese de não termos mais a pandemia, sem casos e mortes por COVID, é possível que muitos não se lembrem desse contexto na hora de escolher em quem votar nas eleições de outubro de 2022, exclusive aqueles que perderam entes queridos ou foram hospitalizados. Esse fenômeno está associado ao que se chama de heurística de disponibilidade, quando tendemos a nos recordar dos acontecimentos mais recentes e dar maior peso ao que lembramos com maior facilidade (com exceção de experiências muito traumáticas).

Por outro lado, um evento importante, a Copa do Mundo de Futebol, no Catar, diferentemente das edições anteriores, ocorrerá entre os meses de novembro e dezembro, ou seja, após as eleições. Assim, não se correrá o risco de um eventual título da seleção brasileira ser oportunistamente associado à imagem de Bolsonaro para beneficiá-lo nas eleições. Um risco a menos.

Se Bolsonaro fosse impedido de concorrer à reeleição, por um lado enfraqueceria a candidatura de Lula, vendida como única capaz de evitar que o atual presidente seja reeleito. É muito provável que Lula e seus seguidores creiam fortemente nas suas qualidades e capacidade para se eleger, conferindo menor relevância nesse resultado ao poder de seus concorrentes, como Ciro e Bolsonaro.

No caso de Ciro, este vem corriqueiramente sendo subestimado pelos petistas por estar atrás nas pesquisas eleitorais recentes, enquanto sobre Bolsonaro, iludem-se que a sua atual impopularidade permanecerá constante até as eleições do ano que vem. Colin Camerer e Dan Lovallo chamam isso de negligência com a competição. Logo, é uma estratégia suicida torcer para que Bolsonaro concorra, impondo sérios riscos não somente eleitorais, mas ao próprio sistema democrático.

Convém lembrar que pesquisas eleitorais da Datafolha de junho de 2017, Bolsonaro não passava de 16% das preferências dos eleitores nos cenários com ou sem Lula, enquanto Marina Silva oscilava entre 14% e 15% com o ex-presidente e saltava para 22% ou 29% sem o petista. Ou seja, é muito cedo para qualquer prognóstico ou decisão referente às candidaturas à presidência da República. Ciro Gomes ainda tem tempo para adotar e aprimorar sua estratégia de marketing político, apresentar seu Projeto Nacional (PND) e causar maior preocupação a Lula e Bolsonaro.

Publicado originalmente no portal O Povo Online

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