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6 de junho de 2021

Sucessão no STF vira embate entre políticos e evangélicos por Carlos Mazza

Estátua da Deusa da Justiça, em frente à sede do STF, na Praça dos Três Poderes (Foto: Divulgação/STF)


Em menos de um mês, chegará ao fim no Supremo Tribunal Federal (STF) uma das passagens de ministro mais marcantes da história da Corte. De perfil garantista e sem medo da polêmica, Marco Aurélio Mello se aposentará no próximo dia 5 de julho, em saída que já acirra ânimos da política antes mesmo do início oficial do processo de sucessão.

Até agora, dois candidatos são apontados como favoritos na disputa pela indicação de Jair Bolsonaro (sem partido), ambos enquadrados na promessa do presidente por um ministro evangélico: o atual advogado-geral da União, André Mendonça, e o atual presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Humberto Martins. O nome indicado por Bolsonaro precisará, no entanto, passar ainda por sabatina e votação no Senado Federal.

 

No centro da disputa, está uma queda de braço que opõe sobretudo o mundo político e líderes de congregações evangélicas. Favorito pessoal de Bolsonaro e de lideranças religiosas de peso no governo, como os pastores Silas Malafaia (Assembleia de Deus Vitória em Cristo) e Valdemiro Santiago (Igreja Mundial), Mendonça tem voo "embarreirado" por resistência de senadores e dentro do próprio STF.

 

A antipatia pela indicação de Mendonça, que é pastor presbiteriano, ocorre tanto pela proximidade do ministro com Bolsonaro, considerada excessiva entre juristas, quanto pelo histórico recente dele, que abriu diversas investigações contra adversários políticos do presidente com base na Lei de Segurança Nacional (LSN). Com o desgaste do governo na CPI da Covid no Senado, existe hoje o receio de que a indicação acabaria barrada na Casa.

 

Já Martins, adventista do Sétimo Dia, triunfa justamente onde Mendonça tem limitações, com respaldo entre a classe política e o Judiciário. Em entrevista ao jornal O Globo em maio, o governador de Alagoas, Renan Filho (MDB-AL), resumiu bem a questão, destacando que a indicação uniria até mesmo o seu pai, o senador oposicionista Renan Calheiros (MDB-AL), e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), aliado de Bolsonaro.

 

A disputa ainda parece longe de ter definição, com os dois já tendo intensificado a busca por apoios. De um lado, Mendonça tem participado de uma série de reuniões com políticos influentes no Congresso, como por exemplo o ex-prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (PSD), e o senador Ciro Nogueira (PP-PI), tido como um dos principais articuladores da aprovação da indicação de Kassio Nunes Marques ao STF.

 

Do outro, Martins vem buscando diálogo com bancadas evangélicas e até com a ala militar do Planalto, de participação central no governo. A relação antiga do presidente do STJ com Renan, no entanto, tem pesado contra Martins nas rodas de discussão em Brasília.

 

O jurista Alexandre Bahia, professor da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), avalia que a escolha acabará ficando com Mendonça, até pelo favoritismo pessoal do presidente. "Me parece difícil que alguém indicado pelo presidente não seja aprovado pelo Senado, até porque historicamente nós só temos um caso, lá no início da República, de um médico que foi nomeado e acabou sendo reprovado pelo Senado", diz.

 

"Depois disso, nunca mais ninguém foi rejeitado. Tivemos até alguns ministros como o Edson Fachin, que tiveram uma sabatina mais pesada, mas nunca a ponto de não aprovar. Na verdade, a gente até deveria ter um procedimento um pouco mais rígido quanto a isso, mas a questão acabou ficando mais política", afirma.

 

Ele avalia, no entanto, que critérios sinalizados por Bolsonaro, como da busca por um nome "terrivelmente evangélico" ou que "tome cerveja com o presidente", são negativos para o STF. "Essas e outras atitudes do presidente mostram a incapacidade total dele de lidar com a dignidade da função. Ele não conseguiu, nesses dois anos, assumir uma postura de presidente, continua falando como um deputado de baixo clero", diz, destacando que uma indicação próxima do presidente ameaça ainda a independência entre os Três Poderes.

 

Já a jurista Juliana Diniz, da Universidade Federal do Ceará (UFC), não descarta o surgimento ainda de um "nome surpresa" no páreo, que evitaria o processo de desgaste natural que indicados para a vaga sofrem. "Mendonça está mais desgastado politicamente com o Senado e com o próprio Supremo em razão de sua atuação desde que voltou à AGU, uma atuação muito pouco técnica e, em certa medida, temerária".

 

Ela também critica "critérios" citados por Bolsonaro para a escolha. "Mostram que o presidente espera do ministro alinhamento ideológico a uma pauta específica, além de subserviência ao Executivo. É como se Bolsonaro buscasse tensionar o fundamento básico da separação dos poderes, tentando capturar mais uma instituição".


Publicado originalmente no portal O Povo Online

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