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13 de junho de 2021

Como a CPI virou palco de teorias da conspiração por Henrique Araújo

A CPI vem expondo sistematicamente a responsabilidade do Planalto pela demora na aquisição de vacinas e emprego de políticas de saúde efetivas contra a doença (Foto: Jefferson Rudy)

O que uma ex-atriz pornô, "fetos na vacina" e um "vírus chinês" têm em comum? São teorias conspiratórias que senadores governistas fizeram desfilar pelo palco da CPI da Covid em pouco mais de um mês de depoimentos colhidos das 9 horas da manhã às cinco da tarde, com breves intervalos para almoço ou uma ida ao banheiro.

De acordo com essas teses (mentirosas, no todo ou em partes), uma ex-produtora de conteúdo adulto teria ajudado a fabricar falsos estudos que demonstrariam a ineficácia da cloroquina contra o coronavírus, as vacinas contra a doença carregariam material genético de fetos abortados e o Sars-CoV-2 teria sido criado em um laboratório na China e depois propagado deliberadamente no mundo.

Segundo Michael Butter, professor de Literatura e História da Cultura da Universidade de Tübingen (Alemanha), teorias da conspiração "frequentemente têm forte ímpeto conservador no sentido de preservar uma ordem ameaçada ou trazer de volta uma ordem abolida pelos supostos conspiradores", disse em entrevista recente à Deutsche Welle no Brasil.

Por que, então, uma comissão parlamentar, cujo objetivo é comprovar a virtual omissão do Governo no combate à pandemia, se converteu em palanque para que ideias delirantes se propaguem na esteira da audiência da própria investigação?

Cientista político, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e coordenador do Observatório da Extrema Direita, Guilherme Casarões explica, em conversa com O POVO, que as teorias da conspiração "geralmente são construídas a partir da mesma dicotomia típica do populismo: o povo contra as elites (grandes farmacêuticas, cientistas 'ideologizados', jornalistas da grande imprensa) que tentam esconder a verdade da população".

Para tanto, é importante que essas formulações tenham uma base mínima de veracidade científica, ou seja, que partam de conhecimento real para distorcê-lo, a fim de confirmar opiniões e visões de mundo previamente estabelecidas, ganhando aderência popular.

Pesquisadora do assunto e autora de "Tempestade ideológica", Michele Prado destaca que a condução da pandemia pelo governo de Jair Bolsonaro (sem partido) é atravessada por esse espírito conspiracionista, da defesa enfática do uso da cloroquina à noção de que a crise sanitária foi provocada propositadamente por cientistas de outro país.

"Essa política é resultado direto das crenças nos conceitos e ideias da extrema-direita das quais tanto Bolsonaro quanto os eleitores que ainda o apoiam são crédulos", responde Prado.

"A crença na teoria conspiratória do globalismo", continua a estudiosa, "faz com que o presidente da República e membros do governo desprezem as sugestões de agências supranacionais, como a Organização Mundial da Saúde".

Em depoimento à CPI em 25 de maio, por exemplo, a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, questionou recomendações da OMS, considerando-as "falhas" e "condenáveis", e disse que o Brasil não era obrigado a segui-las.

Composta por 11 senadores, dos quais pelo menos sete são independentes ou de oposição e apenas três ou quatro aliados do presidente, a CPI vem expondo sistematicamente a responsabilidade do Planalto pela demora na aquisição de vacinas e emprego de políticas de saúde efetivas contra a doença.

Em meio a esse cenário marcadamente desfavorável e à queda de popularidade de Bolsonaro, senadores como Luís Carlos Heinze (PP-RS) e Marcos Rogério (DEM-RO) se alternam na defesa de teorias conspiratórias cujo objetivo é afastar os holofotes do papel que o Governo tem no número de óbitos por Covid no país, que está perto de chegar a 500 mil.

Como membros titulares da CPI, têm direito a uma fatia gorda de tempo para matraquear fantasias: ao tempo de pergunta que normalmente chega a 20 ou 25 minutos, somam-se as intervenções durante as respostas.

Desde que a CPI ouviu seu primeiro depoimento, no início de maio, Heinze, que é médico, evangeliza a favor da cloroquina, fala em conspiração internacional contra o medicamento (comprovadamente ineficaz) e, de quebra, cita o caso de uma ex-atriz pornô.

De tão repetida, a história virou meme como se ele tivesse se referido a Mia Khalifa - o senador, a bem da verdade, não a citou nominalmente, mas isso não a impediu de responder pelas redes sociais e até publicar uma fotomontagem participando da CPI.

Pesquisadora de Administração Pública e Governo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e doutora em Ciência Política pela USP, Gabriela Lotta lamenta que a comissão tenha se tornado um lugar de propagação de mentiras. "A comissão deveria ser um espaço de investigação dos erros na condução da pandemia", diz a professora.

Lotta adverte que, "quando entram no debate das questões científicas e deixam os convidados falarem livremente sobre suas crenças a respeito disso, a CPI acaba dando palco para as teorias da conspiração, para o negacionismo e para o anti-cientificismo".

Publicado originalmente no portal do Jornal O Povo

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