Os
debates ocorrem no momento em que a Casa funciona de maneira semipresencial virtude
da pandemia de covid-19 no Brasil (Foto: Luis Macedo) |
Os
debates ocorrem no momento em que a Casa funciona de maneira semipresencial em
função da resiliência da pandemia de covid-19 no Brasil. Com uma média superior
a 2 mil mortos por dia e no contexto de uma CPI em funcionamento no Senado para
apurar responsabilidades do governo Jair Bolsonaro na maior tragédia sanitária
dos últimos 100 anos no País, deputados discutem mudanças significativas nas
regras eleitorais sem alarde e praticamente sem a participação da sociedade
civil. Ao todo, os três grupos realizaram 20 audiências públicas remotas, onde
os interessados em acompanhar só assistem às exposições de convidados.
Mudanças
pontuais são debatidas de maneira recorrente desde 1996, quando a primeira
comissão especial foi instalada na Câmara para reformar a legislação eleitoral
vigente à época. De lá pra cá, outros 15 grupos semelhantes (excluindo os três
atuais) definiram, por exemplo, o fim da doação empresarial para campanhas, a
criação dos fundos públicos de financiamento, a exigência de ficha limpa e o
fim das coligações proporcionais, entre tantas outras. Mas nunca um conjunto
grande de mudanças de uma só vez.
Essa
é a principal diferença da iniciativa atual da Câmara para as demais, segundo
um grupo de organizações e movimentos civis que se uniram em um manifesto
intitulado Freio na Reforma. A ação visa chamar a atenção da sociedade para o
risco de se reformar a política sem um debate aprofundado.
"Além
da inédita quantidade de arenas discutindo a possibilidade de mudanças
estruturais e acessórias no sistema político brasileiro, também chama a atenção
a abrangência dessas possíveis modificações, pois todo o sistema eleitoral, de
forma ampla, seus atores e principais processos estão sendo analisados e são
passíveis de mudanças", ressalta estudo da Transparência Partidária, ITS
Rio e Pacto pela Democracia.
Sistema.
Um "catadão" de emendas apresentadas pelos parlamentares à Proposta
de Emenda à Constituição (PEC) 125/11, usada como base para a reforma, inclui
questões como tempo de mandato, número total de deputados, voto facultativo,
cotas raciais e de gênero, recall de mandatos, financiamento de campanhas,
fidelidade partidária, candidatura avulsa e até o próprio nome da Câmara dos
Deputados, que passaria a se chamar Câmara Federal, pela proposta.
"Não
há nenhum aspecto relacionado a eleições ou funcionamento do sistema político
que não esteja sendo discutido", diz o cientista político Marcelo Issa,
que é diretor executivo do Transparência Partidária.
Novata no rol de regras eleitorais em vigor no Brasil, a cláusula de barreira já corre o risco de ser flexibilizada. A lista de possibilidades vai desde propostas que preveem seu congelamento a outras que incluem senadores eleitos na conta que define quais partidos poderão ter acesso a recursos do fundo partidário. Esse é apenas um dos pontos em discussão em uma lista que tem mais de 50 emendas.
À
frente dessa organização de demandas está a deputada federal Renata Abreu
(PodemosSP), que rechaça críticas feitas pela sociedade civil em relação à
baixa participação popular no processo ou mesmo ao timing escolhido para se
avançar com uma reforma político-eleitoral em plena pandemia. "Esse é um
debate que ocorre na Casa há muitos anos. Estamos apenas dando continuidade a
um trabalho já iniciado. Nada está sendo feito a toque de caixa", diz ela.
Relatora
da PEC 125/11, escolhida para abrigar a reforma, Renata defende, por exemplo, a
inclusão de senadores na cláusula de barreira, adotada em 2018. "Cada vez
que se tem uma alteração é natural que depois se faça uma revisão com o intuito
de se avaliar o impacto", afirma. Levar em conta também a bancada de
senadores na primeira metade do mandato seria, portanto, uma evolução da regra
que, segundo a parlamentar, favoreceria partidos como a Rede - que elegeu só
uma deputada, mas cinco senadores. Mas também o seu Podemos, hoje com 9
representantes no Senado.
A
cláusula de barreira ou de desempenho (como também é chamada) tem o objetivo de
impedir ou restringir o funcionamento do partido que não alcançar determinado
porcentual de votos na eleição para a Câmara dos Deputados. A meta é reduzir
gradativamente o número de legendas - são 33 hoje.
Para
cumprir a regra, cada partido terá de alcançar o mínimo de 2% dos votos válidos
em 2022, ou eleger 11 deputados em pelo menos um terço das unidades da
Federação. Os que não conseguirem ficam sem acesso ao fundo público que custeia
os gastos das siglas e também sem o tempo de rádio e TV no horário eleitoral.
Na eleição de 2018, 14 siglas não conseguiram cumprir essa condição.
Considerado
essencial para organizar a democracia brasileira e impedir o surgimento dos
chamados partidos de aluguel, o dispositivo considera a bancada eleita por cada
legenda no Senado.
Mas
os dribles à regra não têm consenso entre os parlamentares, ao menos por
enquanto. Pesquisador da FGV-SP, o cientista político Humberto Dantas ressalta
que quando determinado grupo político defende muito o seu ponto de vista,
perde-se, normalmente, as pontes que se têm com os demais. "Quanto mais a
reforma parecer beneficiar algum agente de forma singular, maior a chance de
não dar certo", afirma.
Dantas
lembra que outras tentativas de reformas amplas foram bastante reduzidas ao
longo do processo. "Toda grande mudança causa reverberação. Ou agrada a
todos - e desagrada a opinião pública - ou não tem reforma." Sobre a
possível flexibilização da cláusula de barreira, o pesquisador diz que ela já
nasceu flexibilizada. "Permitir a junção de partidos que não a alcançaram
é uma das formas; escalonar no tempo os porcentuais válidos é outra", diz.
Financiamento.
Tão polêmica como a possível mudança do sistema eleitoral ou a impressão do
voto, a proposta de retorno da doação empresarial a campanhas tem um componente
a mais, segundo especialistas ouvidos pelo Estadão: o simbolismo da medida.
Vetada
pelo Supremo Tribunal Federal em 2015 como forma de reduzir a corrupção e a
prática de caixa dois, na esteira da Operação Lava Jato, o financiamento
privado surge agora como opção para reduzir os gastos públicos. Nas eleições de
2018, foram retirados R$ 3,8 bilhões dos cofres públicos para o custeio das
campanhas.
Segundo
proposta do Novo, os partidos e as campanhas seriam financiados exclusivamente
por doações de pessoas físicas ou jurídicas, "observados os princípios da
transparência e da moralidade", bem como a vedação por um mesmo eleitor ou
uma mesma empresa a mais de um candidato ao mesmo cargo no Executivo.
Jogar
a atenção para essa mudança, que dificilmente alcançará consenso, pode
"esconder" outra proposta de interesse geral das legendas, que é a
redução do poder de fiscalização da Justiça, sobretudo em relação à arrecadação
e aplicação dos recursos públicos e à sua competência. As três reformas em
curso na Câmara querem reduzir até o alcance da Justiça Eleitoral, que perderia
sua competência criminal.
"A
condição na qual nos encontramos, seja pelas dificuldades impostas pela
pandemia, seja pelas disposições autoritárias que se verificam frequentemente,
deveria fazer com que esse debate ocorresse com uma dose a mais de
transparência e participação social. Não é uma tarefa simples, especialmente no
contexto atual, mas não nos parece exagero dizer que disso pode depender o
futuro da democracia no Brasil", ressalta.
A
preocupação em relação ao ritmo célere de debates e eventual aprovação de um
conjunto tão grande de mudanças - o prazo é outubro, um ano antes da eleição -
é dividida por movimentos que cresceram muito nos últimos anos e ajudaram a
renovar em parte a composição da própria Câmara, como os grupos de formação
política RenovaBr, Agora! e Acredito.
"Mudar o sistema eleitoral, por exemplo, teria um impacto muito grande, principalmente se os próprios deputados ficarem incumbidos de definir eventuais distritos (se a troca fosse para o distrital puro, misto ou distritão, levando em conta também as eleições para deputados estaduais e vereadores). Não há modelo perfeito, mas o distritão, especificamente, ajudaria as pessoas que já estão na política a se perpetuarem no poder, reduzindo a renovação", diz a cientista política Mariana Lopes, que preside o Acredito. No chamado distritão, são eleitos os deputados federais mais votados por Estados
Com informações portal Correio Braziliense
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