Depoimento de Carlos Murillo mostrou que governo não tinha um interlocutor específico para negociar vacinas (Foto: Pedro França) |
As suspeitas de que o governo demorou a agir para comprar vacinas contra o novo coronavírus e de que o presidente Jair Bolsonaro tem assessoria paralela para assuntos da pandemia foram reforçadas, ontem, com o depoimento do gerente-geral da Pfizer para a América Latina, Carlos Murillo, na CPI da Covid. Na avaliação de senadores, a oitiva confirmou que o governo deixou de responder a várias ofertas de imunizantes feitas pela multinacional a partir de agosto de 2020. Ficou claro, também, que o Executivo não tinha um interlocutor específico para negociar a compra de vacinas. Conforme o gerente-geral, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do chefe do Executivo, chegou a participar de uma reunião com diretoras da farmacêutica no Palácio do Planalto.
Carlos Murillo foi ouvido pela CPI na condição de testemunha. Antes de começar a responder aos questionamentos, ele informou que a Pfizer fez um grande investimento para o desenvolvimento de vacinas contra a covid-19. Frisou que o país foi um dos escolhidos para os testes do imunizante. “O Brasil é, sem dúvida, o mercado mais importante para a nossa companhia na Latino América. Em linha com isso, em julho de 2020, a companhia decidiu incluir o Brasil como um dos poucos países para fazer o estudo clínico de nossa vacina”, declarou.
O executivo afirmou que as conversas com o governo, por meio do Ministério da Saúde, começaram em maio de 2020. As três primeiras ofertas de vacinas, segundo ele, foram feitas em agosto, com previsão de que o cronograma de entrega dos imunizantes fosse iniciado no fim do mesmo ano. Conforme o depoente, o principal interlocutor da empresa no Ministério da Saúde era o então secretário-executivo da pasta, Élcio Franco.
De acordo com o gerente-geral, as três ofertas não tiveram resposta do governo. “A de 26 de agosto, como era vinculante com os processos com todos os governos, tinha uma validade de 15 dias. Passados esses 15 dias, o governo do Brasil não rejeitou, mas tampouco aceitou a oferta. Eu não poderia afirmar, objetivamente, se se dificultou a conversa. Objetivamente, posso afirmar as condições que foram ofertadas e a validade”, destacou.
O
laboratório voltou a oferecer vacinas ao Brasil, conforme ele, em novembro, com
o início das entregas previsto para 2021. O primeiro contrato, para o
fornecimento de 100 milhões de doses, foi assinado em março deste ano, após a
sétima oferta da empresa.
Relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL) quis saber sobre a participação do ex-secretário de Comunicação da Presidência Fábio Wajngarten nas negociações da Pfizer com o governo. Em depoimento ao colegiado, na quarta-feira, o ex-integrante do governo disse que fez contato com a farmacêutica em 9 de novembro de 2020, dois meses depois de a companhia enviar uma carta a Bolsonaro e a vários membros do Executivo e não receber nenhuma resposta. Na correspondência, a empresa reafirmava o desejo de vender para o Brasil e lembrava que a oferta de agosto não havia sido respondida.
Carlos Murillo disse pensar que o então secretário exercesse algum tipo de coordenação nas ações federais contra a pandemia. “Nossa negociação foi com o Ministério da Saúde. As conversações com o senhor Fábio Wajngarten, em nosso entendimento, foi de uma possível coordenação dele, mas nós não conhecemos o funcionamento. Eu não conheço o funcionamento dos órgãos governamentais e não posso indicar as funções das diferentes pessoas do governo, mas enfatizar que a negociação foi feita com o Ministério da Saúde”, ressaltou.
Calheiros perguntou sobre a atuação do então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, nas negociações. O gerente-geral afirmou que conversou com o general, pela primeira vez, em novembro de 2020. Naquela ocasião, a farmacêutica já tinha feito pelo menos três ofertas de vacinas ao ministério.
“Tive duas interações com o ministro Pazuello. A primeira, em novembro. Ele fez uma ligação no meu celular, colocando-se à disposição para continuarmos a conversação. Nesse momento, nós tínhamos enviado a nova oferta dos 70 milhões (de doses de vacina)”, relatou. “A segunda conversação que eu tive com ele, no Ministério da Saúde, foi em 22 de dezembro. Nós tivemos uma reunião com o senhor Élcio Franco.”
Calheiros perguntou se declarações de Bolsonaro ridicularizando vacinas prejudicaram as negociações. “Nós somos uma companhia da ciência. São declarações como foram feitas muitas outras”, respondeu o executivo.
Em seguida, o relator pediu que ele comentasse declarações de Pazuello e de Bolsonaro a respeito das cláusulas dos contrato, definidas por eles como “leoninas” e impeditivas ao fechamento do negócio. Segundo o gerente-geral, as negociações tiveram “exatamente as mesmas condições que a Pfizer negociou e assinou com mais de 110 países”.
Calheiros quis saber sobre uma reunião no Planalto entre Wajngarten e duas diretoras da Pfizer, citada pelo ex-secretário na quarta. O gerente-geral fez contatos com as duas representantes da empresa e, em seguida, revelou à CPI que Carlos Bolsonaro participou do encontro.
“Após aproximadamente uma hora de reunião, Fábio recebeu uma ligação, saiu da sala e retornou. Minutos depois, entraram na sala Filipe Martins, da assessoria internacional da Presidência, e Carlos Bolsonaro. Fábio explicou aos dois os esclarecimentos prestados pela Pfizer”, contou. “Carlos ficou primeiramente na reunião, depois, saiu da sala; Filipe Garcia Martins ainda permaneceu. A reunião foi encerrada logo na sequência. À CPI, Wajngarten, ao falar do encontrou, não mencionou o vereador.
O senador Humberto Costa (PT-PE) considerou que o depoimento “foi, sem dúvida, um dos mais importantes”. “Deixou clara a negligência, o desleixo, a falta de interesse do governo, particularmente do Ministério da Saúde, de prover à população as vacinas necessárias para o enfrentamento da pandemia”, enfatizou.
Tasso Jereissati (PSDB-CE) teve entendimento semelhante. “As suas respostas (de Carlos Murillo) nos deram, realmente, com toda clareza, o grau de negligência, de falta de empatia com o sofrimento do povo, com as mortes e com as desgraças familiares que ocorreram e estão ocorrendo neste país”, destacou.
O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), defendeu a quebra de sigilo telemático de Carlos Bolsonaro.
Nas redes sociais, Bolsonaro deturpou o depoimento e alfinetou Calheiros: “Gerente-geral da Pfizer na América Latina bota ponto final na CPI do Renan: ‘O Brasil foi um dos primeiros países do mundo a ter o registro da vacina Pfizer. Parabéns, Anvisa e ministro Eduardo Pazuello”, escreveu.
Com informações portal Correio Braziliense
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