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26 de maio de 2021

Capitã cloroquina complica o ex-ministro Pazuello na CPI da Covid

A secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, é conhecida como Capitã Cloroquina (Foto: Evaristo Sá)

Uma série de respostas evasivas e de contradições marcou o depoimento, ontem, à CPI da Covid, da secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, conhecida como Capitã Cloroquina. Mas ela manteve a defesa do medicamento para tratar a doença e deu declarações que reforçam a suspeita de que o Ministério da Saúde foi alertado com antecedência sobre a crise de oxigênio, prestes a ser deflagrada nos hospitais de Manaus.

Questionada sobre o momento em que o Ministério da Saúde soube do risco da falta do insumo na capital amazonense, Mayra Pinheiro disse ter sido informada do problema pelo então titular da pasta, Eduardo Pazuello, em 8 de janeiro. “Eu estive em Manaus até o dia 5 (de janeiro) e voltei. O ministro teve conhecimento do desabastecimento de oxigênio em Manaus, creio, no dia 8, e ele me perguntou: ‘Mayra, por que você não relatou nenhum problema de escassez de oxigênio? Porque não me foi informado’!”, afirmou. Mas, na semana passada, em depoimento à CPI, o general sustentou que foi informado do risco da falta do insumo em 10 de janeiro, numa reunião com o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), e com o secretário estadual de Saúde.

Mayra Pinheiro ressaltou que não foi possível prever a falta de oxigênio nas unidades de saúde da cidade. “Em Manaus, em uma situação extraordinária de nós não termos noção de quantos pacientes vão chegar ao hospital, é impossível fazer uma previsão de quanto se vai usar a mais (de oxigênio). O que eles tiveram foi uma constatação: passaram de 30 mil metros cúbicos para 80 mil metros cúbicos”, destacou. “Não considero que seja possível (prever o desabastecimento de oxigênio)”, disse, acrescentando que “não é do Ministério da Saúde a competência de cuidar do abastecimento do estoque e do fornecimento de oxigênio”.

O senador Eduardo Braga (MDB-AM) confrontou a secretária. “Como uma técnica, com o nível de formação que a senhora tem, com toda a secretaria e com toda a assessoria do ministério presente na cidade de Manaus, constata esse quadro e não identifica que iríamos colapsar por falta de oxigênio?”, cobrou. Mayra Pinheiro respondeu: “Não foi essa a informação que eu dei. O que eu disse é que nós não temos como prever a quantidade de metros cúbicos que vamos utilizar, até porque não é essa a nossa função. O Ministério da Saúde não faz o monitoramento (do estoque de oxigênio nos hospitais)”.

A depoente manteve a defesa do uso de cloroquina nas fases iniciais da infecção pela covid-19. O relator, Renan Calheiros (MDB-AL), quis saber se o tratamento precoce foi definido pelo Ministério da Saúde e em quais estudos a secretária, que é médica pediátrica, se baseou para indicar a cloroquina. “É preciso que nós tenhamos claro que o Ministério da Saúde nunca indicou tratamentos para covid. O ministério criou um documento juridicamente perfeito, que é a nota orientativa nº 9, que depois se transformou na nota orientativa nº 17, em que nós estabelecemos doses seguras para que os médicos brasileiros, no exercício da sua autonomia, pudessem utilizar esses medicamentos com consentimento dos seus pacientes, de acordo com seu livre arbítrio”, respondeu.

Em seguida, Calheiros perguntou se a depoente recebeu do presidente Jair Bolsonaro orientação para recomendar o tratamento precoce. Ela negou ter recebido pressões. “Nunca recebi ordens, e o uso desses medicamentos não é uma iniciativa minha, pessoal”, enfatizou.

O relator perguntou à secretária por que o Ministério retirou, no início deste mês, de seu site na internet, as orientações sobre o uso da cloroquina. Segundo Mayra Pinheiro, foi para eliminar divergências sobre o assunto. “O ministro (da Saúde), Marcelo (Queiroga), numa atitude extremamente acertada, resolveu levar para a Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS) todas as construções de protocolos clínicos para a conduta da doença, exatamente para eliminarmos as divergências que existem hoje de opiniões”, afirmou. Recentemente, a pasta elaborou o primeiro protocolo para tratamento hospitalar da covid-19. No documento, não recomenda o uso de medicamentos hidroxicloroquina, cloroquina, azitromicina e ivermectina.

O relator da CPI também lembrou à secretária que a Organização Mundial da Saúde (OMS) interrompeu testes com a hidroxicloroquina e não recomendou o uso do medicamento para tratar pacientes com o novo coronavírus. Em resposta, ela afirmou, como já havia declarado Pazuello à CPI, que o Brasil não é obrigado a seguir as orientações da OMS.

Mayra Pinheiro voltou a contradizer Pazuello quando perguntada a respeito do suposto hackeamento do aplicativo TrateCov, do Ministério da Saúde, relatado pelo ex-ministro à comissão. A ferramenta, que foi retirada do ar em 21 de janeiro, recomendava o uso de cloroquina para tratamento precoce do novo coronavírus, inclusive para crianças.

Segundo o relato de Pazuello aos senadores, o TrateCov foi copiado e colocado no ar de forma indevida. Porém a secretária apresentou duas versões diferentes. Primeiro, acusou um jornalista de ter feito uma “extração indevida de dados”. Depois, confirmou que não houve nenhum roubo de dados, mas que o profissional teria apenas executado “simulações indevidas”.

O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), reagiu com irritação. “Não houve hackeamento nenhum. Vamos trazer os técnicos que fizeram o aplicativo”, ressaltou.

Disse considerar a tese da imunidade de rebanho “extremamente perigosa”: Vídeo apresentado pelo relator, Renan Calheiros, mostra Mayra Pinheiro defendendo a imunidade de rebanho. “Tínhamos de, no início da doença, ter deixado isolados os nossos idosos, as pessoas de grupos de risco e garantido os equipamentos de proteção individual. Deixar que as nossas crianças frequentassem as escolas, deixar que o comércio, a indústria, os estabelecimentos comerciais funcionassem com as orientações de distanciamento social. (...) Atrapalhamos a evolução natural da doença naquelas pessoas que seriam assintomáticas, como as crianças, e que a gente teria um efeito rebanho”, ressalta no vídeo.

Mayra Pinheiro respondeu às perguntas sobre a crise em Manaus, embora estivesse amparada por um habeas corpus concedido pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), que a autorizava a permanecer em silêncio a respeito de fatos ocorridos na capital amazonense. A secretária já é ré em uma ação de improbidade administrativa na Justiça Federal do Amazonas sobre a tragédia.

Após o depoimento de Mayra Pinheiro, o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), disse que precisam ser esclarecidas as contradições entre ela e o ex-ministro Eduardo Pazuello sobre a data em que a pasta tomou conhecimento do risco de colapso nos hospitais de Manaus.

Eduardo Girão (Podemos-CE) classificou a oitiva da secretária como segura e clara. “Assim como foi com Pazuello, mesmo com habeas corpus debaixo do braço, ela respondeu a tudo. Não se furtaram em responder, e isso é bom, para que venha toda a verdade.”

Por sua vez, Humberto Costa (PT-PE) frisou o fato de Mayra Pinheiro ter exercido atividades que nada têm a ver com as atribuições do cargo dela. “Em vez de cumprir a responsabilidade dela na secretaria, se tornou um baluarte do tratamento precoce da hidroxicloroquina. Ela é da área de gestão do trabalho e educação em saúde. É para formar profissionais, treinar para lidarem com a covid-19, como podem se proteger, ter um protocolo de sintomas e sinais da doença para orientar as pessoas. Treinar agentes comunitários de saúde”, listou.

Já Otto Alencar (PSD-BA), que é médico, destacou o risco à saúde representado pela recomendação de medicamentos para tratar a covid-19. “Hidroxicloroquina para tomar sem fazer eletro é crime. Matou muita gente, que morreu de parada cardíaca. Eles fizeram uma quimioprofilaxia. Tem muitos doentes, não dá para fazer exames em todos os pacientes, dá medicação a todo mundo. Quimioprofilaxia é motivo para tomar o CRM (documento do Conselho Regional de Medicina)”, frisou.

Inverdades e contradições:

Disse que a hidroxicloroquina tem ação antiviral comprovada: O remédio não é um antiviral. A Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), braço da Organização Mundial da Saúde (OMS) nas Américas, afirma em seu site que “não há evidência científica até o momento de que esses medicamentos (cloroquina e hidroxicloroquina) sejam eficazes e seguros no tratamento da covid-19”.

Afirmou que o Ministério da Saúde não recomendou, mas orientou o uso de tratamento precoce para médicos de todo o país, não só de Manaus: Não existe tratamento precoce contra a covid-19. O que há são orientações para que o tratamento seja iniciado tão logo o paciente sinta os primeiros sintomas.

Negou que o aplicativo TrateCov tenha sido hackeado: A declaração contradiz depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello. Ele chegou a dizer que foi registrado um boletim de ocorrência (BO) após o aplicativo ter sido hackeado. Ao longo do depoimento, Mayra Pinheiro apresentou outras duas versões: primeiro, acusou um jornalista de ter feito uma “extração indevida de dados”. Depois, confirmou que não houve roubo, mas que o profissional teria apenas executado “simulações indevidas”. Na verdade, a plataforma estava aberta e foi divulgada no próprio site do Ministério da Saúde, não tendo havido extração por parte do profissional.

Sustentou ser impossível prever a falta de oxigênio: Conforme informações levantadas pela equipe do relator, Renan Calheiros (MDB-AL), ao Ministério Público Federal, Mayra Pinheiro afirmou que “é possível realizar esse cálculo a partir do prognóstico de hospitalizações, pois se estima a quantidade de insumo a partir do número de internados”.

Destacou que soube da crise de Manaus por Pazuello, em 8 de janeiro: A declaração contradiz depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello. Ele disse na CPI que tomou conhecimento da falta de oxigênio em hospitais de Manaus em 10 de janeiro. No segundo dia de oitiva, porém, voltou atrás e afirmou que soube da falta do insumo em 7 de janeiro.

Frisou que o Ministério da Saúde apenas recomendava cloroquina: O documento “Plano Manaus”, assinado pelo então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, determinava o incentivo ao tratamento precoce. O aplicativo TrateCov também indicava que fosse receitado a pacientes com suspeita de covid medicamentos como cloroquina e ivermectina. Além disso, em maio do ano passado, o ministério divulgou um protocolo que orientava o uso de cloroquina e hidroxicloroquina até para casos leves da doença.

Com informações portal Correio Braziliense

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