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19 de abril de 2021

Roberto Carlos chega aos 80 anos com múltiplas faces na história da música

Romântico, ecológico, ultrapassado, rebelde, múltiplo, Roberto Carlos completa 80 anos como o nome mais popular da música brasileira (Foto: Reprodução/Youtube)

Um baralho é comumente estampado com os símbolos espelhados. O rei, por exemplo, é um duplo que aponta para lados opostos. Esta imagem representa bem um artista que muito cedo se dividiu entre o homem e o mito. Onipresente na cultura brasileira desde os anos 1960, ele está no rádio, TV, cinema, na missa, nos motéis, na sala, quarto, cozinha, num cruzeiro pela costa de Búzios, no estádio e no botequim. É de tal forma que essa presença nos dá uma certeza: é impossível que alguém com idade para ouvir LP, CD ou uma plataforma de streaming nunca tenha ouvido o nome de Roberto Carlos.

O cantor e compositor que completa 80 anos neste 19 de abril construiu uma obra que tornou-se maior do que ele mesmo supõe. E não é fácil compreender esse fenômeno, se não entendendo as muitas faces da história construída por Roberto Carlos. Desde que saiu de Cachoeiro do Itapemirim, Espírito Santo, e foi para o Rio de Janeiro, seus caminhos foram se bifurcando entre um lado real e outro mágico. Talvez até para ele seja difícil compreender o tamanho dessa história e o quanto ela mexe com tantas histórias brasileiras. 

Se não, vejam: desde os anos 1960, quando a Jovem Guarda transformou aquele rapaz de olhos melancólicos num ídolo da juventude, tudo que Roberto faz vira notícia. Romances, shows, filhos, intimidade, viagens, nada disso passa despercebido pelo público. Mas isso não o impediu de barrar na justiça uma biografia que reunia essas intimidades. Escrita pelo jornalista Paulo César de Araújo, "Roberto Carlos em detalhes" é um volumoso trabalho que consumiu mais de dez anos de pesquisa e algumas dezenas de entrevistas. Mesmo sendo um fã confesso, nada comoveu o Rei, que foi até o fim da batalha jurídica, para a retirada dos livros das prateleiras.

Mas o mais curioso é que o biografado fez questão de dizer que nem chegou a ler o livro. Sim, ele apenas se incomodou de saber que sua história estava nas mãos de outra pessoa. Na verdade, essa história está nas mãos, pés, ouvidos e na alma de muitas pessoas. Em suas canções, Roberto falou de sua terra, de seus pais, da maturidade, da zoada dos filhos dentro de casa e do quanto esses filhos podem interferir na vida de um casal. Falando de si, ele invadiu a intimidade de uma nação e mostrou que entende muitos daqueles sentimentos a que muitas vezes não sabemos dar nome. E fez isso tudo usando palavras simples, e aí reside outra face importante de sua obra.

Não é preciso muito esforço para entender uma frase como "detalhes tão pequenos de nós dois são coisas muito grandes pra esquecer". E o que pensar de "você pensa que a verdade é o que sai da sua mente, mas se esquece que no amor tudo é muito diferente"? É bem verdade que, na contramão dessa simplicidade, ele cavalgou por toda a noite numa estrada colorida, mas com um pouco de maturidade você é capaz de entender onde Roberto chegou.

Tamanha simplicidade chegou aos anos 1990 empalidecendo uma obra que foi se mostrando repetitiva. A partir da segunda metade dos anos 1980, mesmo sem perder a majestade, Roberto foi migrando do popular para o popularesco. Virou algo brega, ultrapassado, um objeto para consumo de massa, algo de que já se sabia o que esperar. Até as capas de discos reproduziam esse quadro imutável.

Coube a Maria Bethânia reavivar a memória do grande compositor quando lançou o tributo "As canções que você fez pra mim" (1993). Com um repertório que cabia perfeitamente na sua dramaticidade, a baiana criou um clássico e vendeu mais de um milhão de cópias. No ano seguinte, outro marco: assinando como produtor, Roberto Frejat (Barão Vermelho) reuniu uma turma de roqueiros para celebrar a obra do grande ídolo da jovem guarda. O tributo "Rei" contou com nomes como Marina Lima, Blitz, Chico Science, e é, até hoje, um trabalho referencial para fãs de Roberto.

Até Bethânia, raríssimas vozes tinham dedicado um disco inteiro a Roberto e seu parceiro Erasmo Carlos. Depois de Bethânia, virou uma das fórmulas mais requisitadas da MPB. Cauby Peixoto, Waldick Soriano, Nando Reis, Roberta Miranda, Teresa Cristina, Ângela Maria, Lulu Santos são só alguns deles.

Já o Roberto Carlos intérprete, uma única vez abriu mão da sua porção compositora para dedicar um disco inteiro a outro artista. A convite de Caetano Veloso, ele topou dividir um tributo a Tom Jobim para celebrar os 50 anos da Bossa Nova. Fora isso, ele até gravou muita coisa de muita gente. Djavan, Luiz Ayrão, Belchior, Tim Maia, por exemplo. Mas Roberto nunca sozinho dedicou um disco inteiro a outro compositor.

O que seria interessante, uma vez que ele é um tipo raro de intérprete, que sabe muito bem trazer para si o que está cantando. Roberto Carlos aprendeu como poucos a usar a voz que tem, capaz de murmurar "Na paz do seu sorriso" e explorar regiões mais altas em "A ilha", mantendo a mesma segurança. Da mesma forma, ele consegue ser dramático em "O gosto de tudo", sedutor em "Não se afaste de mim", teatral em "I love you", bem-humorado em "Vista a roupa meu bem", saudosista em "Jovens tardes de domingo" e até meio cafona em "Alô".

Mas, goste ou não, esse é o Roberto que conquistou o Brasil. Ou melhor, os Robertos. Tem o roqueiro Jovem Guarda, o crooner com ares de Sinatra, o sertanejo que acompanha caminhoneiros, o consciente que defende a Amazônia e as baleias, o artista indiferente que pediu favores à ditadura e o que pediu ao seu público que fique em casa e use máscara, o amigo camarada, o terror das mulheres, o pai de família, o homem de fé, o cantor, o compositor, o showman, o Roberto sucesso em tantas vozes, o Roberto ainda inédito na própria voz... 

São tantos e de tantas formas, que se você, leitor, ainda não encontrou o seu, não se preocupe. Um dia Roberto Carlos vai lhe encontrar e vai ter algo a lhe dizer.

Texto de Marcos Sampaio, publicado originalmente no portal O Povo Online

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