9 de abril de 2021

Para especialistas recorde de mortos por Covid-19 reforça necessidade de isolamento social rígido nacional

 

Adotado no Ceará isolamento social rígido sempre foi rechaçado pelo presidente Bolsonaro (Foto: Fabio Lima)

O Brasil enfileira recordes de mortos pela Covid-19 e, apesar disso, a palavra "lockdown" é rejeitada no Palácio do Planalto e na Esplanada dos Ministérios. Foram 4.249 mortes em 24 horas registradas ontem (08/04), com 86.652 novos casos da doença. No total, já são 345.025 mortos.

Quinze mil pessoas no Ceará já morreram acometidas pelo novo coronavírus. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) se dirigiu a governadores e prefeitos pedindo a esses gestores que tentem encontrar um "meio-termo" entre o lockdown e a abertura da atividade econômica, de modo a preservar empregos.

O isolamento social rígido, outro termo para lockdown, sempre foi rechaçado pelo mandatário. Para ele, a "política do fecha tudo" não resolve a crise sanitária. No lugar disso, segundo o militar, acentuaria a outra face do problema: a econômica. É mais um dos casos em que a ação negacionista do presidente esbarra nas diretrizes das autoridades sanitárias e da comunidade científica em geral.

Pesquisadores ouvidos pelo jornal O POVO foram enfáticos na defesa de que não há outra saída para um país que empilha números cada vez mais alarmantes a cada dia. Eles defendem pelo menos 21 dias de fechamento total de qualquer atividade.

Professora da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora do Observatório Covid-19 BR, Lorena Barberia analisa que é necessária a adoção de um “pacote coerente e claro de medidas que abrangem o território nacional.” A pesquisadora sublinha que os resultados não serão suficientes se não houver coordenação.

"Precisamos coordenar um pacote de medidas que se traduzem em fechar no máximo possível toda a circulação das pessoas fora de suas casas por um período de pelo menos três semanas, salvo para urgências e serviços essenciais", acrescentou a mexicana, que integra o Centro de Estudos em Política e Economia do Setor Público (Cepesp), da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV), e é coordenadora científica da Rede de Pesquisa Solidária.

Para Domingos Alves, responsável pelo Laboratório de Inteligência em Saúde da Faculdade de Medicina da USP, em Ribeirão Preto, se nada for feito, o Brasil deve bater a marca dos 500 mil mortos entre o começo e a metade de maio.

“Temos 340 mil óbitos nesse momento, a taxa de abril já é maior que todo o mês de março. Pelo ritmo que nós estamos tendo, isso é questão de aritmética simples”, afirmou o físico.

Alves é crítico também do que chamou de “adaptação de protocolos” praticada por governadores e prefeitos, que consiste na tentativa de abertura de algumas atividades durante a fase aguda do vírus. O Ceará deve anunciar flexibilização de medidas a partir da próxima segunda-feira, 12.

"Não existe nenhuma atividade econômica que poderia estar sendo aberta. Deveríamos estar seguindo protocolos (já adotados) da Itália, Espanha, Portugal, Inglaterra, França e, em particular, Israel", anota o pesquisador.

Divulgado em fevereiro, estudo do Imperial College, de Londres, indicou que o terceiro lockdown praticado na Inglaterra foi responsável pela redução de dois terços dos casos pelo período de um mês. As medidas duras haviam sido iniciadas em 5 de janeiro.

Sabine Boettger Righetti é professora de Política Científica na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ela, que tem trabalhado com olhar específico para a Covid-19, avalia que a dicotomia pregada pelo presidente, que põe saúde e empregos em lados opostos, não existe.

"Não dá pra falar em preservar a economia se as pessoas estão morrendo por causa de uma única doença. Forçar abrir comércio nessa situação só piora o problema e afunda cada vez mais o País — inclusive na percepção internacional. O Brasil é um país desigual e, para o lockdown dar certo, é preciso ter assistência financeira", diagnostica a docente.

E adiciona: "Já temos quase 20 milhões de pessoas no país passando fome. Como fazer isso? Como arrumar esse dinheiro? Bom, que tal começar convocando o Congresso, o País, os cientistas, especialistas do mundo todo para pensar numa solução?"

Doutor em Epidemiologia pela USP, Julio de Carvalho Ponce diz que com a taxa de infecção atual pode-se supor algo como 3,5 mil mortes diárias nas próximas semanas.

"Com um lockdown bastante restritivo, se isso cair digamos 15%, cairíamos para 3 mil mortes diárias, ao menos 7 mil vidas salvas", ele calcula, ponderando que a queda demoraria a acontecer. "Primeiro diminuímos infecções, depois internações, depois óbitos - pelo progresso natural da doença."

Antônio Silva Lima Neto, o Tanta, coordenador da Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza (SMS), destaca que o desafio de segunda onda é mais dificultoso, pois a pandemia ocorre com mesma intensidade - ou de modo similar - em todos os cantos do País.

Ele discorda e considera insensível a aplicação do conceito de "fakedown" como definição do que ocorre nas zonas periféricas de Fortaleza e de outras capitais.

Se as condições para a prática do isolamento são desiguais, ele frisa, os governos têm de dar suporte financeiro e alimentar, por exemplo, para que as camadas mais pobres possam se proteger de modo mais eficaz.

"A proposta seria de um acordo nacional que viabilizasse um lockdown em todo o país. Não é só decretar do nada."

O País teve duas mudanças na política de divulgação de dados, pelo menos, cujo objetivo de uma delas foi evitar que o Jornal Nacional divulgasse os números da crise sanitária, segundo confessou próprio Bolsonaro. "Acabou matéria no Jornal Nacional", ironizou em 5 de junho de 2020.

Segundo Righetti, a transparência é fundamental para a elaboração de políticas públicas. “Quanto mais democrático for um país, mais abertas são as informações. As pessoas também precisam saber o que está acontecendo.”

"As políticas públicas dependem de dados públicos e transparentes. No Brasil durante a pandemia, não temos dados públicos dinâmicos que comunicam a situação real e que permitem a toma de decisão baseada na melhor evidencia possível", concorda Lorena Barberia.

Com informações portal O Povo Online

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