Cientistas políticos destacam que a verve liberal não faz parte do chefe do Executivo federal (Foto: Ed Alves) |
Desde
o início do mandato presidencial, Jair Bolsonaro já foi comparado a diversos
chefes de Estado brasileiros. No início da gestão, uma revista colocou a face
de Bolsonaro na icônica foto de um Jânio Quadros desengonçado, indicando a
falta de direção de um governo que acabava de começar. Posteriormente, o mau
relacionamento com parlamentares lembrou Fernando Collor à época do
impeachment. Esta semana, diante do aumento do preço do arroz, ao colocar o
Ministério da Justiça na cola dos supermercados e produtores alimentícios,
Bolsonaro deixou transparecer no rosto a sombra do tradicional bigode de José
Sarney, ao mesmo tempo que o ímpeto em gastar de alguns setores do Executivo o
aproximam do paletó vermelho de Dilma Rousseff.
Analistas ouvidos pelo Correio destacam que Bolsonaro não tabelou os preços nem colocou os militantes radicais para vigiar as gôndolas nos supermercados. Mas, o discurso ligando o valor do arroz e do óleo, regulado pelo mercado, a uma questão de patriotismo, além de tentar isentar o Executivo das más decisões que provocaram a carestia, trouxe as cores políticas da década de 1980 para o presente. A crise econômica provocada pela pandemia de coronavírus e o medo das possíveis repercussões realçaram ainda mais o bigode do escritor na face do capitão reformado.
Cientistas políticos destacam que a verve liberal não faz parte do chefe do Executivo federal que, vez ou outra, deixa transparecer as antigas convicções e precisa recuar em nome do ministro da Economia, Paulo Guedes, e do mercado. Mestre em sociologia política, doutor em direito e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Geraldo Tadeu Monteiro destaca que “Sarney nunca disse que professava do discurso liberal” que o mercado regula tudo.
“O primeiro reflexo de Bolsonaro é agir de acordo com essa lógica do limite patriótico para o lucro. Naturalmente, depois que deu essa declaração, Paulo Guedes ligou para ele e deu um passo atrás, um passo que nunca volta exatamente ao ponto em que estava antes”, avaliou.
Monteiro destaca que é a mentalidade intervencionista que o aproxima, também da figura de Dilma. Porém, os dois parecem fazer movimentos diferentes. Dilma teve de ceder ao mercado em seu segundo mandato, enquanto Bolsonaro parece se afastar dos anseios de economistas à medida que governa.
“A questão intervencionista é uma abordagem que liga os dois. Embora a Dilma seja muito mais qualificada. Bolsonaro repete meio dúzia de fórmulas que aprendeu em sua vida política”, ponderou.
O analista político Melillo Diniz destaca que, antes de Guedes, Bolsonaro já mostrava a verve intervencionista.
“Quem vota em Bolsonaro pelas suas colocações econômicas não sabe somar. Muita gente que está na política — o Sarney é um exemplo, outro é a Dilma — tem a visão que cabe ao Estado o controle do mercado. Esse controle ocorre por diversos mecanismos, fiscal, pressão política. Não compararia Bolsonaro só com Sarney, mas, também à Dilma e ao Temer que, por meio de impostos, desoneração, tentou controlar o mercado. Eu me lembro da Dilma brigando contra a bomba de combustível”, comparou.
Para Melillo, mesmo sinalizando para a população com uma postura intervencionista, Bolsonaro enfrentará turbulências.
“Vai aumentar a percepção do eleitorado, mal-humorado com o quadro nacional. Bolsonaro é um populista de combate, e tem uma intuição importante sobre o que o povo pensa. Mas, em um governo de incompetentes, deve ficar em ziguezague. E sempre teremos um cenário de embate entre o Ministério da Economia e os outros ministérios, pois é um governo sem projeto, que vive nesse limiar entre a intuição e a falta de juízo. O Sarney tomou medidas fiscais, mas tinha uma ação coordenada. O assunto é descoordenado, mas não me surpreenderá se, em breve, nós tivermos os guardiões do Bolsonaro, agindo como fiscais do Sarney”, supôs.
Professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília, José Luís Oreiro é cuidadoso ao fazer as comparações. No caso de Sarney, ele pede “vênias”, “pois o presidente José Sarney era um democrata e uma pessoa instruída”. Para o economista, ao acionar o ministério da Justiça, Bolsonaro ensaiou um tipo de “fiscal do Sarney”.
O título foi criado pela imprensa à época da implementação do Plano Cruzado, em março de 1986. Eram voluntários que conferiam se os preços nos mercados estavam de acordo com a tabela do governo. “Esse negócio do Ministério da Justiça pedir nota fiscal para os supermercados não é tabelamento e congelamento de preços, mas lembra o que foi adotado no Plano Cruzado. Mas, a crise do arroz foi produzida pelo próprio governo”, destacou.
O arroz deve voltar ao preço anterior com o tempo. Bolsonaro, em vez de mobilizar a máquina pública contra os supermercados, deveria estar preocupado com o preço do combustível, pois o preço do petróleo tende a subir e o mandatário, como Dilma, terá que enfrentar o aumento do combustível, avalia o chefe do departamento de Economia da UnB, Roberto Ellery.
“Esse discurso do patriotismo, do Ministério da Justiça, é para passar uma ideia para o eleitorado. Mas, o controle forte de preço não parece estar no cenário. Talvez seja importante observar o setor de combustíveis. Teremos uma subida de preço no petróleo, e temos que ver se Bolsonaro vai segurar. É mais provável de ir no combustível.”
Com
informações portal Correio Braziliense
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