O presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Educação, Carlos Alberto Decotelli, no Palácio do Planalto (Foto: Marcos Corrêa) |
Desmentido por uma série de instituições de ensino internacionais e do Brasil acerca do seu currículo, o economista e professor Carlos Alberto Decotelli pediu para ser exonerado do Ministério da Educação (MEC), menos de uma semana depois de ter sido nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro para substituir Abraham Weintraub. Ontem, ele entregou uma carta de demissão ao chefe do Executivo e saiu do governo federal antes mesmo de tomar posse.
O ministro-relâmpago disse que o estopim para a decisão de desistir do posto foi o fato de a Fundação Getulio Vargas (FGV) ter afirmado que ele não foi pesquisador ou professor da instituição. “Prof. Decotelli atuou apenas nos cursos de educação continuada, nos programas de formação de executivos e não como professor de qualquer das escolas da Fundação”, informou a instituição, em comunicado oficial.
Antes, Decotelli já havia sido desmentido pela Universidade Nacional de Rosário, da Argentina, e pela Universidade de Wuppertal, da Alemanha, que negaram títulos de doutorado e pós-doutorado que constavam no currículo dele. Além disso, foi acusado de plágio na tese de mestrado (leia ao lado). Em entrevista à CNN Brasil, Decotelli culpou a FGV por sua saída repentina do MEC.
“A estrutura pela qual a destruição da continuidade veio pelo fato da construção fake da FGV divulgar que eu nunca fui professor da FGV. Então, essa informação fez com que o presidente me chamasse e dissesse que: ‘Se até a FGV, onde o senhor trabalha há 40 anos ministrando cursos, vários alunos têm seu nome impresso nos certificados, está negando que o senhor é professor da FGV, então, é impossível o governo continuar sendo questionado das inconsistências em seu currículo’. O que, portanto, tornou inviável minha permanência”, afirmou Decotelli.
Ontem, Bolsonaro não deu declarações sobre a situação de Decotelli. Contudo, já aceitou o pedido de demissão e deve publicar um ato no Diário Oficial da União de hoje para tornar sem efeito a nomeação do professor. O presidente quer evitar constrangimentos maiores para ele e para o governo, sobretudo porque os dois se reuniram na última segunda-feira e, apesar da cobrança de Bolsonaro por explicações sobre as inconsistências curriculares, o ex-ministro não citou o caso da FGV.
A nova controvérsia deixou Bolsonaro irritado. Até então, o presidente estava disposto a manter o nomeado como ministro. Em publicação nas redes sociais na segunda-feira, chegou a afirmar que o professor “estava ciente de seu equívoco”, mas destacou que ele não pretendia “ser um problema” para o governo.
Para escolher o novo ministro da Educação, Bolsonaro pretende ser mais criterioso. No momento, o nome mais cotado é o do professor e reitor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), Anderson Ribeiro Correia. A nomeação dele conta com o aval de militares e da ala ideológica do governo. Correia tem um perfil técnico, como se quer no governo, e um currículo robusto. Por sinal, todas as informações sobre Correia foram checadas para não se repetir a desmoralização em relação a Decotelli.
Ele é ex-presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), foi membro do Conselho Deliberativo e é pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), nível 1B. Atuou na equipe de transição entre os governos Michel Temer e Bolsonaro, na área da Educação.
Outros dois nomes citados na lista de cotados são Marcus Vinicius Rodrigues, ex-presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep); e Antônio Freitas, pró-reitor da FGV, que aparecia como orientador do doutorado não realizado por Decotelli.
Também aparecem no páreo o assessor especial do MEC, Sérgio Sant’Anna, aliado de Abraham Weintraub; o secretário nacional de Alfabetização, Carlos Nadalim; o secretário estadual de Educação do Paraná, Renato Feder; e a secretária de Educação Básica, Ilona Becskeházy.
Embora não faça menção direta a Decotelli, o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), afirmou, por meio das redes sociais, que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) checa a vida pregressa de ocupantes de cargos no governo, mas que cada ministro é responsável pelo seu currículo. “Aos desinformados: o GSI/Abin examinam, sobre quem vai ocupar cargos no governo, antecedentes criminais, contas irregulares e pendentes, histórico de processos e vedações do controle interno. No caso de ministros, cada um é responsável pelo seu currículo”, escreveu.
Os cinco dias como ministro
25 de junho
» O presidente da República, Jair Bolsonaro, nomeia Carlos Decotelli como novo ministro da Educação, no lugar do controverso Abraham Weintraub. O decreto é publicado em edição extra do Diário Oficial da União (DOU). Nas redes sociais, o chefe do Executivo escreve: “Informo a nomeação do professor Carlos Alberto Decotelli da Silva para o cargo de ministro da Educação. Decotelli é bacharel em ciências econômicas pela UERJ, mestre pela FGV, doutor pela Universidade de Rosário, Argentina, e pós-doutor pela Universidade de Wuppertal, na Alemanha. Essas informações também constam no currículo de Decotelli na plataforma Lattes.
26 de junho
» O reitor da Universidade Nacional de Rosário, na Argentina, Franco Bartolacci, afirma, que Decotelli não obteve o título de doutor na instituição, como consta no currículo dele. Segundo Bartolacci, o brasileiro cursou o doutorado na Faculdade de Ciências Econômicas, mas a tese dele não foi aprovada, portanto, não conseguiu o título de doutor. Diante do desmentido, Decotelli corrigiu as informações do currículo Lattes. Consta, agora, que ele concluiu os créditos do doutorado, mas sem defesa de tese.
27 de junho
» A Fundação Getulio Vargas (FGV) informa que vai investigar suspeita de plágio no mestrado de Decotelli. A decisão foi anunciada após o economista Thomas Conti apontar, no Twitter, possíveis indícios de cópia no trabalho do ministro, defendido em 2008 na Escola de Administração Pública e de Empresas da FGV. Segundo a denúncia, 12% da dissertação de Decotelli tem parágrafos idênticos ao de um relatório do Banco do Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul) para a Comissão de Valores Imobiliários (CVM), sem a devida citação. A reprodução de trechos de outros trabalhos é comum em dissertações e teses, mas deve ser indicada como tal sempre ao fim da sentença. Em nota, o MEC diz que “o ministro refuta as alegações de dolo, informa que o trabalho foi aprovado pela instituição de ensino e que procurou creditar todos os pesquisadores e autores que serviram de referência”. O ministro afirma ainda, na nota do MEC, que “caso tenha cometido quaisquer omissões, estas se deveram a falhas técnicas ou metodológicas”. Ele se dispõe a revisar o trabalho para providenciar as devidas correções, “caso sejam identificadas omissões”.
29 de junho
» A Universidade de Wuppertal, na Alemanha, informa que Decotelli não fez pós-doutorado na instituição. A universidade explica que ele teve estadia de pesquisa de três meses, mas não tem um título. Ser pós-doutor não é considerado título, mas exige conclusão e doutorado. Diante da informação, Decotelli altera o currículo de novo: deixa de afirmar que fez pós-doutorado em Wuppertal.
» A Fundação Getulio Vargas (FGV) informa que Decotelli não foi pesquisador ou professor da instituição. A nota diz: “Prof. Decotelli atuou apenas nos cursos de educação continuada, nos programas de formação de executivos e não como professor de qualquer uma das escolas da Fundação”. A situação é comum na instituição em cursos com esse perfil: professores são chamados como pessoa jurídica e atuam apenas em cursos específicos. Isso quer dizer que ele não faz parte do corpo docente da instituição, mas foi apenas professor colaborador.
Ontem
» Carlos Alberto Decotelli entrega a carta de
demissão a Bolsonaro, que a aceita.
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