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4 de maio de 2020

Qual o limite de Bolsonaro? por Carlos Mazza


Sem surpreender ninguém, o presidente Jair Bolsonaro voltou a contrariar orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde do próprio governo e incentivou mais uma vez aglomerações de pessoas neste domingo. Acenando para aliados da rampa do Planalto, abraçando pessoas e apontando para o céu, deu talvez sua mais dura declaração sobre a crise política que enfrenta até então: "Peço a Deus que não tenhamos problemas nessa semana. Porque chegamos no limite, não tem mais conversa. Daqui para frente, não só exigiremos, faremos cumprir a Constituição".

Resta apenas uma dúvida no discurso inflamado do presidente: de que limite Bolsonaro está falando? Neste domingo, no mesmo dia em que o presidente aplaudia e dava joinhas para uma aglomeração, o Brasil atingia o posto de 4º país com maior número de vítimas da doença no mundo. Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) do Ceará recebiam contêineres para preservar corpos de pacientes falecidos com Covid-19.

No balanço oficial, número de mortes no Estado foi a 663 e levou taxa de letalidade da doença para alarmantes 7,9%. Na Capital, a procura por sepultamentos é tamanha que tem obrigado cemitérios a formar "filas" para enterros, a maioria relacionados ao novo coronavírus. Diante da escalada rápida e macabra dos fatos, o negacionismo ideológico de Bolsonaro e seus apoiadores radicais não parece só irresponsável, como cego e potencialmente perigoso.

Se o "limite" citado por Bolsonaro se refere às medidas de isolamento social adotadas por governadores, frequentemente na mira do presidente, que tipo de ação estaria planejando ele? Reverter na marra ações baseadas em ciência e a experiência geral aplicada em quase todos os Países do mundo - inclusive nos EUA de Donald Trump? Difícil imaginar, visto que o próprio ministro da Saúde, Nelson Teich, tem sido categórico na impossibilidade de reversão do isolamento durante o crescimento de casos.

Liberdade de imprensa
Outro possível interpretação para o "limite" citado por Bolsonaro seria de sua própria relação com a imprensa, sempre o alvo favorito do presidente. Na tarde de ontem, discurso inflamado do chefe do Executivo acabou tendo mais uma repercussão direta entre sua militância, que agrediu a chutes e socos jornalistas do Estado de S. Paulo que cobriam a manifestação.

No mesmo domingo, era comemorado o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para celebrar a importância do jornalismo livre para qualquer sociedade que busque cumprir a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

O que preocupa, de fato, Bolsonaro
Com uma pandemia solta pelo mundo, era de se esperar que o presidente da República estivesse se referindo ao vírus que vem matando e infectando a população que ele governa. Uma frase soltada pelo presidente logo na sequência, no entanto, sugere que a preocupação de Bolsonaro era outra. "Ela (Constitução) tem dupla-mão. Não é de uma mão, de um lado só, não. Amanhã nomeamos novo diretor da PF e o Brasil segue o seu rumo aí".

Contexto é tudo: a fala de Bolsonaro é da manhã de domingo, no dia seguinte a depoimento de mais de oito horas do ex-ministro Sergio Moro à Polícia Federal, em Curitiba. Na oitiva, Moro teria reforçado acusações de que o presidente tem tentado interferir politicamente na condução de investigações da corporação, justamente pela troca da direção-geral da PF. Mais do que qualquer pandemia ou problema econômico ou social, é o conteúdo das falas do ex-aliado que tira o sono de Bolsonaro.

Nos próximos dias, já devem aparecer os primeiros vazamentos das acusações relatadas por Moro. Se isso representar o tal "limite" do presidente, é algo a se preocupar. Se Bolsonaro se gaba de apoio das Forças Armadas, até onde pode ir um chefe do Executivo acuado e que promete "fazer cumprir" a Constituição? O quadro é grave, sobretudo levando em consideração que estamos falando de um presidente que já falou "a Constituição sou eu".

Publicado originalmente no portal O Povo Online

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