O amor
entre Sergio Moro e Jair Bolsonaro durou um ano, quatro meses e uma troca de
comando na direção da Polícia Federal. Pivô da desavença entre o agora
ex-ministro e o presidente, a mudança na cúpula da entidade precipitou a maior
crise já enfrentada pelo ex-militar desde que se elegeu chefe do Executivo em
2018.
Demissionário,
o ex-juiz da Lava Jato fez da sua saída do Ministério da Justiça, nessa
sexta-feira, um evento no qual expôs uma série de crimes atribuídos por ele ao
presidente, de prevaricação a obstrução de investigações que apuram fakes news
e que podem chegar a aliados do Planalto.
O
ex-ministro também acusou Bolsonaro de interferir na PF, de modo a obter
informações de relatórios sigilosos que envolvem processos tramitando no
Supremo Tribunal Federal (STF) sob relatoria de Alexandre de Moraes. O
presidente nega.
Em
pronunciamento que durou cerca de 40 minutos, Moro disse que a substituição de
Maurício Valeixo, então diretor-geral da PF e já preterido por Bolsonaro em
favor do delegado Alexandre Ramagem, sucessor no posto, atendeu a interesses
políticos.
"O
grande problema de realizar essa troca", disse mais cedo o ainda ministro,
"é, primeiro, que haveria uma violação de uma promessa que foi feita
inicialmente, que eu teria carta branca". Em segundo lugar, "não
haveria uma causa" para a troca.
Moro
falou também que, segundo ele, era "claro que estaria havendo ali uma
interferência política na Polícia Federal, o que gera um abalo na
credibilidade, não minha, mas minha também, mas também do governo, desse
compromisso maior que nós temos de ter com a lei".
E
acrescentou: "O presidente me disse mais de uma vez que queria ter uma
pessoa da confiança pessoal dele, que ele pudesse ligar, que ele pudesse colher
informações, relatórios de inteligência, (...) e não é o papel da Polícia
Federal prestar esse tipo de informação".
Lembrando-se
dos anos do PT, sob o governo Lula, Moro questionou: "Imaginem se, durante
a Lava Jato, o ex-presidente Lula, a ex-presidente Dilma ficassem ligando para
a Polícia Federal em Curitiba para colher informações".
Três
horas depois, foi a vez de Bolsonaro partir para o contra-ataque. Em discurso
parte improvisada, parte lida, o presidente rejeitou todas as acusações. Chamou
o ex-ministro de vaidoso, que punha seus projetos e biografia acima do Brasil,
e revelou que Moro condicionara a mudança na PF à indicação para uma vaga no
STF, a se efetivar em novembro. Desta vez, foi Moro quem negou.
"Sempre
falei para ele", prosseguiu Bolsonaro, "Moro, não tenho informações
da PF. Eu tenho que ir todo dia ter um relatório do que aconteceu, em especial
nas últimas 24h, para decidir o futuro da nação". Nunca pedi o andamento
de qualquer processo. Até porque a inteligência, com ele, perdeu espaço na
justiça".
Sobre
a exoneração de Valeixo, publicada no Diário Oficial da União de ontem como
"a pedido" (Moro afirmou que não fora consultado, tampouco que o
diretor da PF havia pedido demissão), Bolsonaro respondeu: "Oras bolas, se
eu posso trocar o ministro por que eu não posso trocar o diretor da PF?".
O
presidente provocou Moro: "Eu posso trocar qualquer um. Será que é
interferir na PF quase que exigir quem mandou matar Jair Bolsonaro? A PF de
Sergio Moro se preocupou mais do que com a Marielle do que com seu chefe".
Após
as trocas de acusações, que se completou com revelação de mensagens feitas por
Moro ao "Jornal Nacional" comprovando pressão de Bolsonaro sobre a
PF, a Procuradoria-Geral da República pediu abertura de inquérito para
investigar as afirmações do ex-ministro. Celso de Mello, o decano da Corte e o
magistrado a quem Moro pretendia suceder no Supremo, é o relator da ação.
O
futuro do governo
Agora
sem Sergio Moro, ex-ministro da Justiça que deixa o Planalto depois de acusar o
presidente de interferência política na Polícia Federal, como se manterá o
governo Bolsonaro?
Em
pronunciamento ontem, o chefe do Executivo reuniu aliados e auxiliares, numa
demonstração de força. Segundo deputados, a intenção é a de descontruir o
ex-juiz da Lava Jato e tornar mais palatável a sua demissão.
Cientista
político e professor, Cleyton Monte avalia, porém, que essa operação levada
adiante pelo presidente é arriscada e sua situação, delicada.
“Acredito
que o governo vai entrar numa crise muito grave”, disse Monte, para quem o
bolsonarismo se sustenta em três pilares, um dos quais o lavajatismo
representado por Moro.
Sem
o ex-magistrado na equipe, assegura o especialista, Bolsonaro se divorcia “de
parte da opinião pública e de seu eleitorado, que fica menor ainda”.
Monte
considera também que a primeira consequência da demissão de Moro é acentuar o
isolamento do presidente, cuja apoio já vinha se deteriorando desde o início da
crise na esteira do coronavírus.
“Isso
aprofunda mais o isolamento de Bolsonaro. A queda de Moro dificulta e reduz a
força dele junto à opinião pública e vai ter efeitos políticos nas
instituições, principalmente no Supremo”, projeta.
Ainda
conforme o cientista, “essa tentativa de ingerência de Bolsonaro na PF vai
afastar uma parte dos setores que estava ligada ao Bolsonaro e que ainda viam o
Moro como um fiador do discurso anticorrupção”.
Questionado
sobre as condições do presidente no Legislativo, principalmente na Câmara, onde
estão engavetados mais de duas dezenas de pedidos de impeachment contra o
presidente, Monte afirmou que, “se não estivéssemos numa pandemia, o processo
iria se acelerar”.
De
acordo com ele, “as lideranças partidárias vão fazer um cálculo. O que vai
surgir (das investigações)? Pode ser que surja algo concreto. Precisaríamos de
um áudio, alguma prova”.
Para
a oposição, no entanto, as palavras de Moro e suas acusações bastam. Líder da
minoria, o deputado federal José Guimarães (PT) defende que Bolsonaro seja
investigado de imediato.
“Temos
duas alternativas”, disse o petista. “Uma delas é engrossar o pedido de
impeachment. Em segundo lugar, pedimos a instalação imediata de uma CPMI para
investigar todas as denúncias vindas a público.”
À
frente da oposição na Câmara, o também cearense André Figueiredo (PDT) afirma
que as legendas que se opõem a Bolsonaro farão, juntas, um requerimento de
instalação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito a fim de apurar as
denúncias apresentadas por Sergio Moro.
Pelas
redes sociais, parlamentares bolsonaristas mantiveram apoio ao presidente,
ecoando argumentos apresentados por Bolsonaro durante pronunciamento. Deputado
federal e dirigente do PSL no Ceará, Heitor Freire desejou sorte a Sergio Moro,
mas não acolheu as suas denúncias.
“Todo
o meu respeito e gratidão ao agora ex-ministro Sérgio Moro pelos serviços
prestados no combate à corrupção e ao crime organizado”, escreveu pesselista.
“Que seu sucessor possa continuar realizando um bom trabalho na frente da
pasta, garantindo mais justiça e igualdade ao nosso país.”
Colega
de legenda e adversário de Freire, o deputado estadual André Fernandes
respondeu: “Me desculpe, mas discordo de quem diz que Bolsonaro deu um tiro no
próprio pé. Se houve ‘tiro no pé de Bolsonaro’, quem deu foi Sergio Moro ao
abandonar o barco em um momento tão crítico”. Em seguida, o deputado assegurou
que Moro “será candidato em 2022 e já começou sua campanha”
Com
informações portal O Povo Online
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