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25 de abril de 2020

Bolsonaro e o governo ficam na berlinda após a queda de Moro


O amor entre Sergio Moro e Jair Bolsonaro durou um ano, quatro meses e uma troca de comando na direção da Polícia Federal. Pivô da desavença entre o agora ex-ministro e o presidente, a mudança na cúpula da entidade precipitou a maior crise já enfrentada pelo ex-militar desde que se elegeu chefe do Executivo em 2018.

Demissionário, o ex-juiz da Lava Jato fez da sua saída do Ministério da Justiça, nessa sexta-feira, um evento no qual expôs uma série de crimes atribuídos por ele ao presidente, de prevaricação a obstrução de investigações que apuram fakes news e que podem chegar a aliados do Planalto.

O ex-ministro também acusou Bolsonaro de interferir na PF, de modo a obter informações de relatórios sigilosos que envolvem processos tramitando no Supremo Tribunal Federal (STF) sob relatoria de Alexandre de Moraes. O presidente nega.

Em pronunciamento que durou cerca de 40 minutos, Moro disse que a substituição de Maurício Valeixo, então diretor-geral da PF e já preterido por Bolsonaro em favor do delegado Alexandre Ramagem, sucessor no posto, atendeu a interesses políticos.

"O grande problema de realizar essa troca", disse mais cedo o ainda ministro, "é, primeiro, que haveria uma violação de uma promessa que foi feita inicialmente, que eu teria carta branca". Em segundo lugar, "não haveria uma causa" para a troca.

Moro falou também que, segundo ele, era "claro que estaria havendo ali uma interferência política na Polícia Federal, o que gera um abalo na credibilidade, não minha, mas minha também, mas também do governo, desse compromisso maior que nós temos de ter com a lei".

E acrescentou: "O presidente me disse mais de uma vez que queria ter uma pessoa da confiança pessoal dele, que ele pudesse ligar, que ele pudesse colher informações, relatórios de inteligência, (...) e não é o papel da Polícia Federal prestar esse tipo de informação".

Lembrando-se dos anos do PT, sob o governo Lula, Moro questionou: "Imaginem se, durante a Lava Jato, o ex-presidente Lula, a ex-presidente Dilma ficassem ligando para a Polícia Federal em Curitiba para colher informações".

Três horas depois, foi a vez de Bolsonaro partir para o contra-ataque. Em discurso parte improvisada, parte lida, o presidente rejeitou todas as acusações. Chamou o ex-ministro de vaidoso, que punha seus projetos e biografia acima do Brasil, e revelou que Moro condicionara a mudança na PF à indicação para uma vaga no STF, a se efetivar em novembro. Desta vez, foi Moro quem negou.

"Sempre falei para ele", prosseguiu Bolsonaro, "Moro, não tenho informações da PF. Eu tenho que ir todo dia ter um relatório do que aconteceu, em especial nas últimas 24h, para decidir o futuro da nação". Nunca pedi o andamento de qualquer processo. Até porque a inteligência, com ele, perdeu espaço na justiça".

Sobre a exoneração de Valeixo, publicada no Diário Oficial da União de ontem como "a pedido" (Moro afirmou que não fora consultado, tampouco que o diretor da PF havia pedido demissão), Bolsonaro respondeu: "Oras bolas, se eu posso trocar o ministro por que eu não posso trocar o diretor da PF?".

O presidente provocou Moro: "Eu posso trocar qualquer um. Será que é interferir na PF quase que exigir quem mandou matar Jair Bolsonaro? A PF de Sergio Moro se preocupou mais do que com a Marielle do que com seu chefe".

Após as trocas de acusações, que se completou com revelação de mensagens feitas por Moro ao "Jornal Nacional" comprovando pressão de Bolsonaro sobre a PF, a Procuradoria-Geral da República pediu abertura de inquérito para investigar as afirmações do ex-ministro. Celso de Mello, o decano da Corte e o magistrado a quem Moro pretendia suceder no Supremo, é o relator da ação.

O futuro do governo
Agora sem Sergio Moro, ex-ministro da Justiça que deixa o Planalto depois de acusar o presidente de interferência política na Polícia Federal, como se manterá o governo Bolsonaro?

Em pronunciamento ontem, o chefe do Executivo reuniu aliados e auxiliares, numa demonstração de força. Segundo deputados, a intenção é a de descontruir o ex-juiz da Lava Jato e tornar mais palatável a sua demissão.

Cientista político e professor, Cleyton Monte avalia, porém, que essa operação levada adiante pelo presidente é arriscada e sua situação, delicada.

“Acredito que o governo vai entrar numa crise muito grave”, disse Monte, para quem o bolsonarismo se sustenta em três pilares, um dos quais o lavajatismo representado por Moro.

Sem o ex-magistrado na equipe, assegura o especialista, Bolsonaro se divorcia “de parte da opinião pública e de seu eleitorado, que fica menor ainda”.

Monte considera também que a primeira consequência da demissão de Moro é acentuar o isolamento do presidente, cuja apoio já vinha se deteriorando desde o início da crise na esteira do coronavírus.

“Isso aprofunda mais o isolamento de Bolsonaro. A queda de Moro dificulta e reduz a força dele junto à opinião pública e vai ter efeitos políticos nas instituições, principalmente no Supremo”, projeta.

Ainda conforme o cientista, “essa tentativa de ingerência de Bolsonaro na PF vai afastar uma parte dos setores que estava ligada ao Bolsonaro e que ainda viam o Moro como um fiador do discurso anticorrupção”.

Questionado sobre as condições do presidente no Legislativo, principalmente na Câmara, onde estão engavetados mais de duas dezenas de pedidos de impeachment contra o presidente, Monte afirmou que, “se não estivéssemos numa pandemia, o processo iria se acelerar”.

De acordo com ele, “as lideranças partidárias vão fazer um cálculo. O que vai surgir (das investigações)? Pode ser que surja algo concreto. Precisaríamos de um áudio, alguma prova”.

Para a oposição, no entanto, as palavras de Moro e suas acusações bastam. Líder da minoria, o deputado federal José Guimarães (PT) defende que Bolsonaro seja investigado de imediato.

“Temos duas alternativas”, disse o petista. “Uma delas é engrossar o pedido de impeachment. Em segundo lugar, pedimos a instalação imediata de uma CPMI para investigar todas as denúncias vindas a público.”

À frente da oposição na Câmara, o também cearense André Figueiredo (PDT) afirma que as legendas que se opõem a Bolsonaro farão, juntas, um requerimento de instalação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito a fim de apurar as denúncias apresentadas por Sergio Moro.

Pelas redes sociais, parlamentares bolsonaristas mantiveram apoio ao presidente, ecoando argumentos apresentados por Bolsonaro durante pronunciamento. Deputado federal e dirigente do PSL no Ceará, Heitor Freire desejou sorte a Sergio Moro, mas não acolheu as suas denúncias.

“Todo o meu respeito e gratidão ao agora ex-ministro Sérgio Moro pelos serviços prestados no combate à corrupção e ao crime organizado”, escreveu pesselista. “Que seu sucessor possa continuar realizando um bom trabalho na frente da pasta, garantindo mais justiça e igualdade ao nosso país.”

Colega de legenda e adversário de Freire, o deputado estadual André Fernandes respondeu: “Me desculpe, mas discordo de quem diz que Bolsonaro deu um tiro no próprio pé. Se houve ‘tiro no pé de Bolsonaro’, quem deu foi Sergio Moro ao abandonar o barco em um momento tão crítico”. Em seguida, o deputado assegurou que Moro “será candidato em 2022 e já começou sua campanha”

Com informações portal O Povo Online

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