Mandetta foi recebido com aplausos por funcionários do Ministério da Saúde, após deixar a reunião no Planalto: agradecimento à equipe (Foto: Marcelo Ferreira) |
Na
linha de frente do hercúleo combate à doença que impacta não só o Brasil como o
restante do mundo, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, ainda tem de
encarar a turbulência de que é alvo, imposta pelo presidente Jair Bolsonaro.
Ontem (01/04), ele passou por mais um dia de grande desgaste, com rumores de
que seria demitido, mas avisou, em entrevista coletiva à noite, que permanecerá
no cargo. Mandetta pediu paz para trabalhar. “Infelizmente, começamos com mais
um solavanco a semana de trabalho e a gente precisa ter paz”, enfatizou.
Os
rumores de que Mandetta seria demitido ocorreram após Bolsonaro receber para um
almoço no Palácio do Planalto o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS),
ex-ministro da Cidadania. Ao longo do dia, a informação sobre a saída do
titular da pasta da Saúde, que tem arrancado elogios nos Três Poderes por sua
atuação contra o coronavírus, agitou o Congresso e o Supremo Tribunal Federal
(STF). Nos bastidores, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da
Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), fizeram chegar até o chefe do Executivo que não
aceitariam a demissão de Mandetta.
Ministros
do Supremo também manifestaram contrariedade à eventual exoneração. Ao fim da
tarde, dezenas de técnicos do Ministério da Saúde foram para a frente da sede
do órgão destacar que não ficariam em seus cargos se ocorresse a troca de
chefe. O assunto também movimentou as redes sociais. No Twitter, em que
Bolsonaro e seus apoiadores alegam ter grande influência, as mensagens
relacionadas à eventual demissão do ministro bateram a marca de 300 mil em
cerca de três horas. O assunto chegou a ficar entre os mais debatidos do mundo.
“Nós
vamos continuar, pois continuando, vamos enfrentar nosso inimigo. Médico não
abandona paciente, e eu não vou abandonar”, afirmou Mandetta, na coletiva,
tranquilizando, inclusive, os técnicos da pasta. De acordo com o ministro, ao
longo do dia, servidores do órgão limparam as gavetas, aguardando a saída dele.
“Teve gente que limpou as gavetas, inclusive, me ajudou a limpar as minhas.”
Mandetta
reafirmou o caráter técnico das decisões que toma, elogiou a equipe, formada
por muitos médicos, e disse que o foco do trabalho é obter equipamentos
hospitalares e respiradores para combater o avanço da doença no país. Ele
agradeceu o apoio dos servidores, que foram para a frente do prédio aguardar
uma decisão sobre sua saída ou não. “Aqui nós entramos juntos, nós estamos
juntos e, quando eu deixar o ministério, vamos colaborar com qualquer equipe
que venha, mas vamos sair juntos”, completou.
Ciência
O
ministro fez questão de deixar claro que todas as estratégias do órgão serão
determinadas com base na ciência, e não em critérios políticos ou ideológicos.
“Somos aqui a voz da ciência. Nós procuramos a sociedade e o Conselho Federal
de Medicina para adotar drogas (no tratamento)”, disse. “Abrimos o Ministério
da Saúde para todos os demais ministérios. Trabalhamos o tempo todo com base
nos números, discussões e tomadas de decisões. Não temos nenhum medo da
crítica. Gostamos da crítica construtiva. O que temos dificuldade é quando, em
determinadas situações, as críticas não vêm para construir, mas para colocar
dificuldades ao nosso trabalho”, emendou, em uma indireta para apoiadores do
governo.
Ele
aproveitou para dizer que a tomada de decisões não será feita sem a avaliação
técnica necessária. “Levaram-me para uma sala com dois médicos que queriam um
protocolo de hidroxicloroquina por decreto, e eu disse que é super bem-vindo,
com os debates entre os pares: o Conselho Federal de Medicina e o Ministério da
Saúde. Primeiro, precisa saber se é bom, se há indícios. Vamos fazer pela
ciência, planejamento, sem perder o foco.”
O
ministro afirmou, ainda, que passou o fim de semana lendo a Alegoria da Caverna,
de Platão. O texto faz referência à visão limitada da realidade, que gera
apenas uma noção parcial do verdadeiro cenário sobre o funcionamento da
sociedade.
As cavadas de Terra
Enquanto
é fritado por Bolsonaro, Mandetta também é alvo de Osmar Terra, cotado para
assumir a Saúde. Nas últimas semanas, o ex-ministro da Cidadania vem se
aproximando de integrantes do governo e fazendo declarações públicas que deixam
claro seu alinhamento com o Executivo. Ele é a favor do relaxamento do
isolamento social, como prega o presidente, e do uso da cloroquina no
tratamento da Covid-19. O chefe do Planalto defendeu, mais de uma vez, o
medicamento, ministrado contra artrite e lúpus, mas que ainda está sendo
testado no combate ao coronavírus.
Também
médico, como Mandetta, Terra, inclusive, reuniu-se com Bolsonaro para tratar do
uso da cloroquina. Ele disse não ter conversado com o presidente sobre uma
eventual indicação para assumir o Ministério da Saúde.
O
presidente também se encontrou com o vice-presidente Hamilton Mourão e com
outros integrantes do Executivo, antes de tomar a decisão de seguir com
Mandetta no ministério. Ao sair do Planalto, não quis comentar o assunto e
apenas cumprimentou apoiadores.
Ameaças
Na
semana passada, depois de dias negando a existência de uma crise entre os dois,
Bolsonaro disse que faltava “humildade” a Mandetta e que nenhum ministro é
“indemissível’. “Em alguns momentos, ele teria que ouvir um pouco mais o
presidente da República”, reclamou. No domingo, o chefe do Executivo disse não
ter medo de “usar a caneta”. Segundo o comandante do Planalto, “algo subiu à
cabeça” de alguns integrantes do governo. “Eram pessoas normais, mas, de
repente, viraram estrelas. Falam pelos cotovelos, têm provocações. Mas a hora
deles não chegou ainda, não, mas vai chegar a hora deles. A minha caneta
funciona. Não tenho medo de usar a caneta”, afirmou.
Intervenção
de militares
Os
generais que assessoram o presidente Jair Bolsonaro, no Palácio do Planalto,
atuam para apaziguar os ânimos e evitar a demissão de Mandetta. Assim como o
chefe do Executivo, os militares também têm reparos à forma como o ministro se
comporta. Eles consideram que Mandetta tenta capitalizar as ações da pasta. Mas
avaliam que uma demissão, neste momento, fortaleceria os governadores que hoje
travam uma queda de braço com o presidente. Os militares insistem que essa é
uma guerra que não é boa para ninguém. E alertam para falta de opção. O
ex-ministro Osmar Terra, um dos aliados que mais tiveram acesso a Bolsonaro nos
últimos dias e que busca assumir o lugar de Mandetta, foi demitido do
Ministério da Cidadania porque não dava resultado.
Projeto
impede exoneração
Um
projeto de lei apresentado pelo deputado federal Joaquim Passarinho (PSD/PA)
impede que haja demissão injustificada, enquanto durar o período de calamidade
pública, do “dirigente máximo do órgão de Saúde responsável pela direção única
em cada ente da Federação”, ou seja, secretários municipais e estaduais de
Saúde, assim como o ministro Luiz Henrique Mandetta. A proposta, que está na
Câmara, foi pensada especialmente para os municípios, mas é lembrada agora com
a possibilidade mais latente de demissão do ministro.
O
texto, apresentado em 28 de março, prevê que os gestores poderão sair apenas em
caso de renúncia, condenação judicial transitada em julgado e descumprimento
injustificado das orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS) em relação
ao coronavírus, “ou dos órgãos e entidades oficiais de vigilância sanitária e
epidemiológica, ouvidos previamente o Conselho Nacional de Saúde, o Conselho
Federal de Medicina e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e
seus correspondentes nas esferas estadual e municipal”.
O
projeto foi elaborado com o auxílio de um grupo de especialistas e contou com a
colaboração da Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de
Contas da União (AudTCU). Presidente da entidade, Lucieni Pereira afirmou que a
proposta foi pensada especialmente na situação dos municípios. Como haverá
eleição para prefeitos neste ano, a ideia é de que o secretário de Saúde não
seja substituído até o fim do período de calamidade, previsto para dezembro.
“Eu não sei se a calamidade pública vai acabar no fim do ano. Este ano, tem
eleição, e é preciso garantir o mínimo de estabilidade para a população. Não é
algo pensando na política, é pensando no povo. Um gestor não consegue se
inteirar de uma situação em um mês, e em um mês muita gente morre”, argumentou.
Integração
Sobre
a possível saída de Mandetta, a auditora federal frisou que esta não é hora de
mudança. “O momento é de integração, de uma direção única e alinhada. Mudança
neste momento causa insegurança e não vai contribuir para que as nossas
autoridades sanitárias possam agir de forma rápida para a gente enfrentar o
inimigo.”
Autor
do projeto, o deputado Joaquim Passarinho afirmou que a ideia do texto é
normatizar gastos públicos no período de calamidade. Foi incluída a vedação de
demissão injustificada dos gestores da Saúde, segundo ele, por acreditar que em
um período tão curto a descontinuidade das ações pode ser muito perigosa. “Você
já tem compras feitas, contratações, definições. Se muda essa lógica no meio do
caminho, será que as despesas vão ser aproveitadas?”, questionou.
Com
informações portal Correio Braziliense
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