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7 de abril de 2020

Após dia de turbulência e desgaste, Mandetta consegue se manter no cargo

Mandetta foi recebido com aplausos por funcionários do Ministério da Saúde, após deixar a reunião no Planalto: agradecimento à equipe (Foto: Marcelo Ferreira)
Na linha de frente do hercúleo combate à doença que impacta não só o Brasil como o restante do mundo, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, ainda tem de encarar a turbulência de que é alvo, imposta pelo presidente Jair Bolsonaro. Ontem (01/04), ele passou por mais um dia de grande desgaste, com rumores de que seria demitido, mas avisou, em entrevista coletiva à noite, que permanecerá no cargo. Mandetta pediu paz para trabalhar. “Infelizmente, começamos com mais um solavanco a semana de trabalho e a gente precisa ter paz”, enfatizou.

Os rumores de que Mandetta seria demitido ocorreram após Bolsonaro receber para um almoço no Palácio do Planalto o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS), ex-ministro da Cidadania. Ao longo do dia, a informação sobre a saída do titular da pasta da Saúde, que tem arrancado elogios nos Três Poderes por sua atuação contra o coronavírus, agitou o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). Nos bastidores, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), fizeram chegar até o chefe do Executivo que não aceitariam a demissão de Mandetta.

Ministros do Supremo também manifestaram contrariedade à eventual exoneração. Ao fim da tarde, dezenas de técnicos do Ministério da Saúde foram para a frente da sede do órgão destacar que não ficariam em seus cargos se ocorresse a troca de chefe. O assunto também movimentou as redes sociais. No Twitter, em que Bolsonaro e seus apoiadores alegam ter grande influência, as mensagens relacionadas à eventual demissão do ministro bateram a marca de 300 mil em cerca de três horas. O assunto chegou a ficar entre os mais debatidos do mundo.

“Nós vamos continuar, pois continuando, vamos enfrentar nosso inimigo. Médico não abandona paciente, e eu não vou abandonar”, afirmou Mandetta, na coletiva, tranquilizando, inclusive, os técnicos da pasta. De acordo com o ministro, ao longo do dia, servidores do órgão limparam as gavetas, aguardando a saída dele. “Teve gente que limpou as gavetas, inclusive, me ajudou a limpar as minhas.”

Mandetta reafirmou o caráter técnico das decisões que toma, elogiou a equipe, formada por muitos médicos, e disse que o foco do trabalho é obter equipamentos hospitalares e respiradores para combater o avanço da doença no país. Ele agradeceu o apoio dos servidores, que foram para a frente do prédio aguardar uma decisão sobre sua saída ou não. “Aqui nós entramos juntos, nós estamos juntos e, quando eu deixar o ministério, vamos colaborar com qualquer equipe que venha, mas vamos sair juntos”, completou.

Ciência

O ministro fez questão de deixar claro que todas as estratégias do órgão serão determinadas com base na ciência, e não em critérios políticos ou ideológicos. “Somos aqui a voz da ciência. Nós procuramos a sociedade e o Conselho Federal de Medicina para adotar drogas (no tratamento)”, disse. “Abrimos o Ministério da Saúde para todos os demais ministérios. Trabalhamos o tempo todo com base nos números, discussões e tomadas de decisões. Não temos nenhum medo da crítica. Gostamos da crítica construtiva. O que temos dificuldade é quando, em determinadas situações, as críticas não vêm para construir, mas para colocar dificuldades ao nosso trabalho”, emendou, em uma indireta para apoiadores do governo.

Ele aproveitou para dizer que a tomada de decisões não será feita sem a avaliação técnica necessária. “Levaram-me para uma sala com dois médicos que queriam um protocolo de hidroxicloroquina por decreto, e eu disse que é super bem-vindo, com os debates entre os pares: o Conselho Federal de Medicina e o Ministério da Saúde. Primeiro, precisa saber se é bom, se há indícios. Vamos fazer pela ciência, planejamento, sem perder o foco.”

O ministro afirmou, ainda, que passou o fim de semana lendo a Alegoria da Caverna, de Platão. O texto faz referência à visão limitada da realidade, que gera apenas uma noção parcial do verdadeiro cenário sobre o funcionamento da sociedade.

 As cavadas de Terra

Enquanto é fritado por Bolsonaro, Mandetta também é alvo de Osmar Terra, cotado para assumir a Saúde. Nas últimas semanas, o ex-ministro da Cidadania vem se aproximando de integrantes do governo e fazendo declarações públicas que deixam claro seu alinhamento com o Executivo. Ele é a favor do relaxamento do isolamento social, como prega o presidente, e do uso da cloroquina no tratamento da Covid-19. O chefe do Planalto defendeu, mais de uma vez, o medicamento, ministrado contra artrite e lúpus, mas que ainda está sendo testado no combate ao coronavírus.

Também médico, como Mandetta, Terra, inclusive, reuniu-se com Bolsonaro para tratar do uso da cloroquina. Ele disse não ter conversado com o presidente sobre uma eventual indicação para assumir o Ministério da Saúde.

O presidente também se encontrou com o vice-presidente Hamilton Mourão e com outros integrantes do Executivo, antes de tomar a decisão de seguir com Mandetta no ministério. Ao sair do Planalto, não quis comentar o assunto e apenas cumprimentou apoiadores.
Ameaças
Na semana passada, depois de dias negando a existência de uma crise entre os dois, Bolsonaro disse que faltava “humildade” a Mandetta e que nenhum ministro é “indemissível’. “Em alguns momentos, ele teria que ouvir um pouco mais o presidente da República”, reclamou. No domingo, o chefe do Executivo disse não ter medo de “usar a caneta”. Segundo o comandante do Planalto, “algo subiu à cabeça” de alguns integrantes do governo. “Eram pessoas normais, mas, de repente, viraram estrelas. Falam pelos cotovelos, têm provocações. Mas a hora deles não chegou ainda, não, mas vai chegar a hora deles. A minha caneta funciona. Não tenho medo de usar a caneta”, afirmou.

Intervenção de militares
Os generais que assessoram o presidente Jair Bolsonaro, no Palácio do Planalto, atuam para apaziguar os ânimos e evitar a demissão de Mandetta. Assim como o chefe do Executivo, os militares também têm reparos à forma como o ministro se comporta. Eles consideram que Mandetta tenta capitalizar as ações da pasta. Mas avaliam que uma demissão, neste momento, fortaleceria os governadores que hoje travam uma queda de braço com o presidente. Os militares insistem que essa é uma guerra que não é boa para ninguém. E alertam para falta de opção. O ex-ministro Osmar Terra, um dos aliados que mais tiveram acesso a Bolsonaro nos últimos dias e que busca assumir o lugar de Mandetta, foi demitido do Ministério da Cidadania porque não dava resultado.

Projeto impede exoneração

Um projeto de lei apresentado pelo deputado federal Joaquim Passarinho (PSD/PA) impede que haja demissão injustificada, enquanto durar o período de calamidade pública, do “dirigente máximo do órgão de Saúde responsável pela direção única em cada ente da Federação”, ou seja, secretários municipais e estaduais de Saúde, assim como o ministro Luiz Henrique Mandetta. A proposta, que está na Câmara, foi pensada especialmente para os municípios, mas é lembrada agora com a possibilidade mais latente de demissão do ministro.

O texto, apresentado em 28 de março, prevê que os gestores poderão sair apenas em caso de renúncia, condenação judicial transitada em julgado e descumprimento injustificado das orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS) em relação ao coronavírus, “ou dos órgãos e entidades oficiais de vigilância sanitária e epidemiológica, ouvidos previamente o Conselho Nacional de Saúde, o Conselho Federal de Medicina e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e seus correspondentes nas esferas estadual e municipal”.

O projeto foi elaborado com o auxílio de um grupo de especialistas e contou com a colaboração da Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (AudTCU). Presidente da entidade, Lucieni Pereira afirmou que a proposta foi pensada especialmente na situação dos municípios. Como haverá eleição para prefeitos neste ano, a ideia é de que o secretário de Saúde não seja substituído até o fim do período de calamidade, previsto para dezembro. “Eu não sei se a calamidade pública vai acabar no fim do ano. Este ano, tem eleição, e é preciso garantir o mínimo de estabilidade para a população. Não é algo pensando na política, é pensando no povo. Um gestor não consegue se inteirar de uma situação em um mês, e em um mês muita gente morre”, argumentou.

Integração

Sobre a possível saída de Mandetta, a auditora federal frisou que esta não é hora de mudança. “O momento é de integração, de uma direção única e alinhada. Mudança neste momento causa insegurança e não vai contribuir para que as nossas autoridades sanitárias possam agir de forma rápida para a gente enfrentar o inimigo.”


Autor do projeto, o deputado Joaquim Passarinho afirmou que a ideia do texto é normatizar gastos públicos no período de calamidade. Foi incluída a vedação de demissão injustificada dos gestores da Saúde, segundo ele, por acreditar que em um período tão curto a descontinuidade das ações pode ser muito perigosa. “Você já tem compras feitas, contratações, definições. Se muda essa lógica no meio do caminho, será que as despesas vão ser aproveitadas?”, questionou.

Com informações portal Correio Braziliense

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