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23 de março de 2020

Bolsonaro, muito ajuda quem não atrapalha por Carlos Mazza

Bolsonaro e filhos gravando vídeo para as redes sociais (Foto: Reprodução/Facebook)
Interessado em montar uma barreira sanitária contra o novo coronavírus no aeroporto de Fortaleza, o governo Camilo Santana (PT) foi obrigado a levar o caso à Justiça Federal no último fim de semana. Isso porque, embora não esteja tomando providências necessárias neste sentido, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tentava impedir que o governo cearense fizesse o monitoramento e inspeção de passageiros que desembarcam no Estado. Ou seja: mesmo com a pandemia escalando todo dia, o órgão federal não fazia e nem queria deixar que os outros fizessem.


O episódio apenas ilustra o que vem sendo a postura do governo Jair Bolsonaro durante toda crise da Covid-19 até agora. Desde o surgimento dos primeiros casos confirmados no Brasil, o presidente e seu núcleo mais próximo têm agido com atenção máxima apenas aos possíveis efeitos políticos da doença, minimizando vidas em risco - como quando diz que a Covid-19, que já matou mais de 5,5 mil na rica Itália, de "gripezinha" - e beirando a irresponsabilidade em vários momentos - como quando convocou manifestantes para atos em meio à pandemia.

A necessidade de transformar absolutamente tudo em fla-flu político é tanta que até a nova doença acabou entrando no espectro político, como se admitir a gravidade da situação e pregar reações enérgicas contra um vírus potencialmente letal fosse "coisa de esquerda". Diante disso, se destacam episódios como o da entrevista onde o presidente criticou medidas de quarentena tomadas por governadores - citando por nome, é claro, João Doria (SP) e Wilson Witzel (RJ), dois de seus principais adversários políticos -, mais uma vez não só deixando de auxiliar os gestores preocupados, como efetivamente agindo para impedir o trabalho deles.

O mais curioso nessa estratégia de Bolsonaro é tentar entender onde o presidente quer chegar com tamanho negacionismo. Conforme o próprio Ministério da Saúde afirma, as perspectivas para o País diante da pandemia não são nada boas e o cenário mais provável é de um colapso total do sistema de saúde ainda no próximo mês. Não parece muito inteligente, portanto, apostar fichas contra um cenário posto que é real, vai matar muita gente e não pode ser "varrido para debaixo do tapete" com discussões fúteis sobre "esquerda e direita".

A impressão é que, assim como em quase todas as decisões tomadas por Bolsonaro, o que é prioridade é manter o clima de campanha, minimizar estragos à imagem pessoal do presidente e conseguir arrumar linhas discursivas que empurrem a culpa para os seus adversários. Difícil vai ser convencer muita gente de que é tudo uma "histeria" no momento em que os hospitais estiverem totalmente caóticos e o número de mortos em crescimento.

Afinal de contas, que tipo de lógica maluca tem que ter alguém para imaginar que uma doença que derrubou a Itália de joelhos (e agora está derrubando a Espanha também) vai chegar ao Brasil como um problema pequeno?

Ao longo da última semana, muito se falou sobre a condução séria e totalmente técnica do ministro Henrique Mandetta (Saúde) sobre a crise do coronavírus no País. Por isso, chamou a atenção postura do ministro em coletiva de imprensa tocada pelo governo na última sexta-feira, 20, onde Mandetta fez uma série de elogios a Bolsonaro e chegou a chamá-lo de "timoneiro do nosso barco".

Soou forçado, como se o próprio presidente tivesse pressionado o ministro a levantar sua bola durante a crise. Ainda mais quando a maior parte das falas do Planalto vêm no sentido oposto ao que prega o Ministério da Saúde. Pois veja a situação: diante de uma pandemia com potencial de afetar milhões e arrasar economicamente o País, a preocupação do presidente segue sendo a de evitar sair mal na fita.

Diante disso tudo, uma coisa parece óbvia: é melhor que Bolsonaro ou comece a levar a crise a sério, ou que deixe o caminho livre para aqueles que a enxergam de tal forma. É como diz o chavão: Muito ajuda quem não atrapalha.

Publicado originalmente no portal O Povo Online


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