Não
é uma pergunta retórica. O amanhã nunca esteve tão em falta. Vivemos o déficit
de expectativa, talvez de esperança, essa palavra já destituída de sentido.
Admitir-se esperançoso é como supor a existência de fadas ou criaturas
maravilhosas. Crer na melhora é de pouca valia nestes dias, e, no entanto, a
interrogação persiste: o que será de 2020? Quem ou quê nos espera na virada do
ano?
Boa
parte de 2019 consumiu-se na peleja com uma língua que traduzisse todo o
estupor e incredulidade. Os fatos desafiaram o léxico e a gramática, que se
mostraram sempre insuficientes para descrever o real. Tentamos (eu tentei)
escrever sempre de modo abarcar numa visada a agonia do momento, vendo no
político a emergência das forças que se refletem na coletividade, ou dela parte
para se inscrever na vida de cada um de nós.
Mas
é possível que a política nunca tenha sido tão movediça quanto agora. Daí a
relativização da realidade e do que a sustenta, daquilo que lhe serve de
arcabouço: o fato. Antes incontroverso, foi alvo de contorcionismo, servindo a
argumentações de toda sorte, torcido no debate e ofertado ao gosto da
audiência.
Eu
diria que, em 2019, a verdade, essa verdade factual, verificável e
compartilhável, foi subtraída do debate público. Importou mais quem dizia do
que o que se disse. E isso é resultado direto de um ambiente no qual os
personagens exercem poder excessivo, impondo-se como fonte de onde emana não
essa verdade científica, mas a versão.
Este
foi sem dúvida um ano repleto de versões: a de que o óleo que invadiu o
Nordeste era venezuelano, de que a precarização do trabalho gera empregos, de
que as universidades produzem drogas e que os professores se valem de sua
influência para perverterem seus alunos, ensinando-lhes a baderna.
A seu modo, os agentes públicos demonstraram-se incapazes de lidar com o dissenso, apelando sempre a meias verdades ou mentiras inteiras, criando fabulações a fim de justificar o que subjazia às suas teses. Foi assim em praticamente todas as áreas do governo: da economia às ciências, da cultura ao meio ambiente. Nelas prevaleceu a versão, a gambiarra, o engodo.
A seu modo, os agentes públicos demonstraram-se incapazes de lidar com o dissenso, apelando sempre a meias verdades ou mentiras inteiras, criando fabulações a fim de justificar o que subjazia às suas teses. Foi assim em praticamente todas as áreas do governo: da economia às ciências, da cultura ao meio ambiente. Nelas prevaleceu a versão, a gambiarra, o engodo.
Para
2020, então, espero que tenhamos todos a capacidade de encontrar sempre a
melhor expressão para falar o que trazemos de mais precioso. Afinal, não é o
falseamento que vence ao final, mas essa verdade de que apenas a palavra íntima
está imbuída.
Publicado
originalmente no O Povo Online
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