10 de dezembro de 2019

Falta Inteligência por Adriano de Sousa


Um homem não se casa com uma mulher, mas com uma família e, portanto, com um universo de diferenças que devem ser administradas com muito cuidado para que haja entendimento. Da mesma forma é um prefeito municipal quando se propõe a administrar um município. A candidatura, a campanha, a eleição... tudo isso é pautado em cima das avultadas fortunas a serem administradas. Mas, normalmente, os prefeitos esquecem que estão adquirindo para sua responsabilidade um município que já detém uma história, um povo, um patrimônio.

O primeiro patrimônio de um município, célula mater da nação, é o povo. O povo e tudo o que o povo tem. Porque município enquanto entidade, sem povo, não existe. Como exemplo, podemos citar as cidades abandonadas do mundo por falta de gente. Cococi, nos Inhamuns, é um exemplo clássico e próximo da nossa realidade.

Ao povo pertence as crenças, os valores, a identidade do município e até o recurso financeiro que existe. O povo é que produz riqueza. Prefeito entra sem dinheiro e deveria assim sair. Pois é um funcionário e, assim sendo, não deveria levar do seu trabalho nada para casa, a não ser trabalho, coisa que o funcionário quando se propõe à função já sabe que levará.

Todo aglomerado de pessoas se inicia ao lado de água. Necessariamente foi assim desde sempre porque a água é um bem necessário à vida. Com Altaneira não foi diferente. O aglomerado de pessoas e depois de casas surgiu ao lado de um lago. A Lagoa que ainda hoje existe.

Aonde tem gente tem fé, tem crença, tem devoção. Assim nomeou-se a Lagoa Santa Tereza e depois, se alastrando a devoção, fizeram-na padroeira. Então, pertence ao povo a escolha de santa Tereza como padroeira e sua festa em âmbito municipal para afirmação da fé.

Pois bem! Todos os prefeitos de Altaneira, desde o primeiro, quando chegou ao Centro Administrativo Municipal (que tem o nome trocado de quando em quando) já encontrou a Lagoa de Santa Tereza e já encontrou a fé na Santa Padroeira. No entanto, a modernidade, a presença do “Estado Laico” na terra em que o poder público grita: “L’État, c’est moi”, entendeu que deveria deixar de fazer a festa social que desde sempre seguiu paralelamente os festejos religiosos à padroeira. Não tendo sido aceito nos seus desejos imediatos, fica a dica para assim que puder.

Quanto a Lagoa de Santa Tereza, abraçada por gerações e gerações de alunos das escolas 18 de Dezembro e Santa Tereza, causa apoiada por professores de biologia que sempre deram os créditos da falta de cuidados da Lagoa à administração pública daquela época, da qual era oposição, mas que hoje na situação nada desenvolve em favor da causa. E não vejo resolução em se dizer que há projetos, porque qualquer projeto antes de ser desenvolvido é somente um projeto e, por isso, é nada! De boca só beijo e papel aceita tudo.

Muito me alegra, no entanto, em saber que Altaneira, atualmente, é um município que não tem problema financeiro ou de qualquer outra ordem.

Haja vista as preocupações a que está dedicado o poder público, dividido nas duas casas: executiva e legislativa, pois quando a preocupação do município está em mudar o dia da feira-livre, atitude que não fará de Altaneira a primeira economia no Ceará; desvalorizar a festa da padroeira, atitude que não dará a Altaneira a economia que viabilizará a resolução dos problemas na saúde, na educação e nos demais setores; mudar nome de prédio público, sem pensar antes em reforma-lo adequadamente, e descobrindo um santo para cobri outro; demolir monumentos da cidade, em vez de reutiliza-los de maneira criativa... quando o poder público se dedica a isso, pode acreditar: alguma coisa está errada. Ou perdeu-se no compromisso ou nunca se teve!

A Caixa D’água da Altaneira Antiga, há muito tempo deixou de ser útil. Mas, “coincidentemente” ela passou a ser história no dia que deixou de ser útil. Porque é assim que a história se faz.

O Coliseu, na Itália não foi feito para ser um monumento cultural que representaria a Itália no mundo, nasceu um teatro de apresentações ao ar livre e depois se tornou monumento histórico. Assim, a Caixa D’agua da Altaneira Antiga, teve o seu tempo de utilidade, e depois virou patrimônio histórico.

Será que o caso Caixa D’água, não seria visto de outra forma se a administração municipal estivesse voltada para a valorização do seu povo? A Caixa D’água é mais velha do que três quartos dos que compõem a administração. Será que não há uma voz dentro desse grupo que possa ser ouvida em torno da valorização da história local?

Se há justificativa no recurso para demolir, há também justificativa do mesmo recurso para recuperar (aproveitando aqui o discurso de que a Caixa D’água ameaça desabar).

O debate sobre demolir a Caixa D’água está dividido em dois campos: de um lado os que apoiam a decisão unilateral, mas não versam sobre o mal causado pelo monumento, dando como única solução para o caso a demolição total e a construção de outra coisa qualquer muito mal desenhada como as obras que temos visto ultimamente; enquanto do outro lado estão os que defendem o monumento como patrimônio local e que podem dá ao referido monumento uma serventia cultural.

A solução do caso não está em nenhum dos lados do debate. A solução está no chefe do palácio sem nome que poderá, pela sua atitude, qualificar culturalmente o seu próprio governo.

Francisco Adriano de Sousa é professor, escritor e poeta, atualmente atua como Diretor Regional de Patrimônio da Academia de Letras do Brasil Seccional Regional Cariri-Oeste.

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