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29 de setembro de 2019

Tinder dos Livros, uma iniciativa que conecta pessoas através de livros

A família de  Mika recebeu o livro pelo projeto Tinder dos Livros (Foto: Aurélio Alves)
"Escrever é o ato mais atrevido que eu já ousei e o mais perigoso. Escrever é perigoso porque temos medo do que a escrita revela: os medos, as raivas, a força de uma mulher sob uma opressão tripla ou quádrupla. Porém neste ato reside nossa sobrevivência". Na década de 1980, a escritora norte-americana com ascendência mexicana Gloria Anzaldúa redigiu uma carta para "mulheres de cor" sobre as enunciações urgentes da escrita.

Historicamente, o racismo afetou a publicação de autoras e autores negros. Segundo pesquisa da Universidade de Brasília divulgada em 2018, 97,5% dos literatos no catálogo das grandes editoras brasileiras são brancos. Mas, além dos desafios de difusão, o acesso à literatura também é marcado pela questão racial. Na contramão dessa lógica excludente, a ativista dos movimentos sociais negro e feminista Winnie Bueno criou uma iniciativa transformadora: o Tinder dos Livros.

O nome do projeto é inspirado no aplicativo de paquera, mas o match do Tinder dos Livros é outro: interessados em doar obras literárias procuram Winnie via mensagem direta no Twitter @winniebueno. Pessoas negras que precisam ou desejam livros também escrevem uma mensagem pessoal para a articuladora com o título da obra e o endereço para entrega.

De Porto Alegre, no trajeto cotidiano de duas ou três horas entre as aulas do Doutorado em Sociologia que cursa na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a gaúcha envia os dados de quem fez a demanda para o potencial doador.

"O Tinder dos Livros surgiu de uma maneira quase autônoma: em 20 novembro do ano passado, no Dia da Consciência Negra, eu compartilhei no meu Twitter a respeito de uma percepção minha sobre pessoas se colocando como anti-racistas na Internet, mas não repercutindo uma atuação anti-racista na prática. Falei que uma das formas de fazer isso poderia ser doar um livro para uma pessoa negra que precisasse para estudar. Várias pessoas se colocaram à disposição de doar e começou essa corrente. A gente tem conectado pessoas", compartilha Winnie.

Em quase um ano, o Tinder dos Livros já distribuiu cerca de 800 obras no Brasil inteiro. A iniciativa também recebeu apoios importantes, como da editora Companhia das Letras, que enviou 20 exemplares de Americanah, da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie; do cantor Emicida, que doou 50 exemplares do seu livro infantil Amora; da renomada filósofa e ativista do movimento negro Sueli Carneiro, que disponibilizou dez exemplares de Escritos de uma vida e da Estante Virtual, que contribui com livros raros.

Além disso, personalidades públicas como Maria Rita, Paola Carosella e Leoni somam-se à extensa lista de doadores — mas é o público em geral que movimenta o projeto. "Tem gente de tudo que é lugar doando. Universitários, professores, artistas... Uma gama grande de doadores que acreditam na educação como uma ferramenta de transformação", continua a criadora da iniciativa. Na última semana, aproximadamente 80 pedidos foram encaminhados por pessoas negras. A ideia é automatizar parte desse processo, em parceria com o Twitter, desenvolvendo um robô que funciona dentro das mensagens de Winnie. No futuro, o projeto deve se tornar independente.

Sobre a demarcação racial do Tinder dos Livros, Winnie explica: "A maioria da população pobre no Brasil é negra. Além disso, os distanciamentos sociais são marcados pela questão racial. Quando observamos o acesso à universidade pelas políticas de ações afirmativas, marcadas por uma questão social, quem entra (na academia) é uma grande maioria de pessoas brancas.

De pessoas brancas pobres, mas de pessoas brancas. Isso significa que o pobre negro não entra e não consegue acessar uma política somente social. A política social vai ser acessada pelo branco pobre e muitas vezes ela se esgota antes de chegar no negro. Necessariamente precisamos de um braço dessa política que seja racial. Essa é uma das razões do Tinder dos Livros ser uma iniciativa voltada para a população negra, porque também é uma forma de diminuir essas distâncias que são ocasionadas por um sistema de dominação informado por uma hierarquia racial. Precisamos de funções criativas que deem conta do problema do racismo".

Entre os livros mais pedidos, destacam-se obras escritas por intelectuais negras e negros. "Mas as pessoas pedem o livro que elas precisam — de cálculo, por exemplo. O fato é que existe uma procura e mercado para esses livros de pessoas negras, mas que muitas vezes acabam sendo caros.

O Pensamento feminista negro, tradução do livro de Patricia Hill Collins, está custando cerca de R$65. É troco para algumas pessoas, mas para a maioria é comida de duas semanas", argumenta Winnie. "Eu fico muito feliz de ver como a literatura pode mudar a vida das pessoas. Mudou a minha e acho que pode mudar a vida de muita gente", finaliza.

O livro infantil do rapper paulista Emicida atravessou o Brasil e ancorou em Fortaleza, no Jangurussu. A poeta e escritora Mika Andrade, mãe de Danilo e Clarice, solicitou o livro Amoras para ler com os filhos.

"Eu acho extremamente importante essa iniciativa da Winnie Bueno. Nem todo mundo tem acesso aos livros e esse recorte é ainda mais difícil pra quem é periférico", pontua Mika.

Para ela, a leitura coletiva constrói uma aproximação familiar e também contribui com a formação de novos leitores.

"É o momento em que me aproximo dos meus filhos e construo uma afetividade maior com os livros. Depois, entrego esses livros para bibliotecas comunitárias, como a Livro Livre Curió, coordenada pelo poeta Talles Azigon". Assim, o movimento de democratização da leitura se expande.

Quer doar livros ?
Para doar ou demandar obras literárias por meio do projeto Tinder dos Livros, basta entrar em contato com Winnie Bueno por mensagem privada no perfil @winniebueno na rede social Twitter

Com informações portal O Povo Online


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