Presidente optou por fazer ataques em vez de usar um tom mais conciliador (Foto: Johannes Eisele) |
O
discurso do presidente Jair Bolsonaro na abertura da Assembleia-Geral da
Organização das Nações Unidas (ONU), nesta terça-feira (24/09), em Nova York,
acabou sendo bairrista e não contribuiu para melhorar a imagem do Brasil no
exterior, de acordo com especialistas ouvidos pelo Correio. Para eles, a fala
do chefe do Executivo na principal arena internacional foi muito ideológica e
antiquada, remetendo a um mundo que não existe mais, o do pós-guerras.
Ao
criticar o socialismo, o globalismo, culpando a mídia pelas críticas
internacionais, Bolsonaro não poupou nem mesmo o Cacique Raoni, reconhecido
globalmente como defensor da Amazônia e indicado ao Prêmio Nobel da Paz, e se
mostrou menos flexível do que os ex-presidentes de governos militares, que
foram mais conciliadores do que o capitão reformado.
“Não
foi um discurso de estadista voltado para o mundo, mas de um político voltado
para a base que o elegeu”, resumiu o embaixador Marcos Azambuja, conselheiro
emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri). Ele comentou
que não se surpreendeu com a fala do presidente, porque ele acabou falando
apenas para os convertidos. “O discurso foi feito pensando no público interno e
no eleitorado dele. Não esperava outra coisa”, destacou.
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Contudo,
Azambuja ressaltou que a fala de Bolsonaro não teve o tradicional tom
conciliador dos presidentes brasileiros que tradicionalmente fazem o discurso
de abertura da Assembleia-Geral da ONU.
“Bolsonaro
tem uma retórica que diverge da tradição da diplomacia brasileira, que sempre
buscou convergências. Ele, ao contrário, acentua as divergências e se considera
o detentor de uma verdade, e, por isso vive repetindo o refrão da Bíblia como
se ele fosse o portador dessa verdade. Mas essa não é a linguagem da
diplomacia, que é a ponte para entender os outros por meio do diálogo com quem
é diferente e tem outras opiniões”, avaliou o diplomata.
Especialistas
lamentam o fato de Bolsonaro ter desperdiçado os holofotes do mundo para falar
apenas para os eleitores cativos, atacando todas as ONGs, os socialistas, a
França, a Alemanha e a mídia, sem apresentar propostas.
“O
presidente se dirige sempre ao mesmo grupo e ele costuma criticar os outros
alegando que são ideólogos, quando ele também é um ideólogo da direita”,
pontuou.
Para
o professor de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV)
Vinícius Vieira, o discurso de Bolsonaro reflete as linhas gerais da política
externa do presidente, caracterizada pela ruptura da tradição diplomática do
Brasil de defesa do multilateralismo. De acordo com o especialista, em vez de
fazer um discurso antiquado, de política anticolonial e de defesa da soberania,
ele deveria ter falado em cooperação, já que estava em um fórum
multilateral.
“Ele
fez uma fala que já é clássica do presidente, de defesa da soberania nacional,
sem citar cooperação sequer com os países vizinhos com quem o Brasil divide a
Amazônia e reforçou sua postura crítica a direitos humanos e povos originários,
além de ter exagerado ao se referir a Cuba, Venezuela e França, o que não é uma
prática recomendada na diplomacia”, avaliou.
Ele
lembrou que, mesmo no período militar, falava-se mais em cooperação do que no
governo Bolsonaro, uma vez que, em 1978, foi assinado o Tratado de Cooperação
da Amazônia, com oito países.
“Nossos
problemas não serão resolvidos apenas por nós. É preciso cooperação”, disse.
O
analista político Carlo Barbieri, também considerou que Bolsonaro que a fala do
chefe do Executivo trouxe ‘mais do mesmo’.
“Em termos internacionais, ele falou para dois
públicos: o governo americano e o da França e de outros países que se opuseram
ao Brasil em relação à Amazônia. Foi agressivo. Não modificou em nada. Continua
batendo em quem não se simpatiza com a opinião dele. Ele sequer tentou
reformular a imagem que os países têm dele, apenas reforçou o que já vinha
dizendo”, completou.
Falácias
Marcio
Astrini, coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace, ressaltou que, nos 30
minutos em que ocupou a tribuna da ONU, Bolsonaro atacou três países, mentiu
sobre a realidade brasileira, apoiou-se na teoria da conspiração globalista,
atacou os povos indígenas e fez propaganda para o eleitorado no Brasil, além de
afirmar que o Brasil, sob sua gestão, está mais seguro, poucos dias após o
trágico assassinato de uma criança de oito anos no Rio de Janeiro por ação
violenta do Estado. Para ele, o discurso do presidente é que foi baseado em
falácias.
“A
fala do presidente sobre meio ambiente foi uma farsa. Bolsonaro tentou
convencer o mundo que protege a Amazônia, quando, na verdade, promove o
desmonte da área socioambiental, negocia terras indígenas com mineradoras
estrangeiras e enfraquece o combate ao crime florestal. Sob sua gestão, as
queimadas, o desmatamento e a violência aumentaram de forma escandalosa. Para a
floresta e seus povos, Bolsonaro é um problema, não a solução”, criticou.
O
professor de Ciências Políticas na Universidade de Brasília (UnB), Aninho
Irachande, apontou que faltou humildade no discurso de Bolsonaro, o que deixa o
país ainda mais isolado internacionalmente.
“Ele
não compreende a grandeza de um discurso na ONU, nem a gravidade na área
ambiental do ponto de vista civilizacional que a humanidade vive. Fez discurso
para combater falácias, usando outras falácias. Foi um discurso feito fora de
propósito, direcionado para quem o apoia, em um palanque incorreto. Sair
culpando a mídia e o socialismo pelo que está acontecendo no Brasil não faz
sentido. Ele não demonstrou abertura para cooperação, para diálogo, nenhuma
humildade para entender que faz parte de um universo em que o Brasil não pode
viver isoladamente. Bolsonaro isola ainda mais o Brasil e nos coloca numa
condição de quase pária internacional. Não é repercussão de direita ou de
esquerda, mas uma reação de qualquer pessoa racional porque em oito meses ele
sepultou a tradição da política brasileira de abertura e diálogo” destacou.
Sem
impacto
Contudo,
para o mercado financeiro, a fala de Bolsonaro não teve muito impacto,
especialmente, após a notícia da abertura de um processo de impeachment do
presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, na Câmara norte-americana,
anunciada nesta terça-feira (24/9) pela deputada democrata Nancy Pelosi,
presidente da Casa.
“O
discurso foi de pouco impacto, ainda mais com a notícia de abertura de processo
de impeachment nos EUA. Tal fato, somado a mais um atraso na reforma da
Previdência no Senado brasileiro contribuíram negativamente para a piora no
sentimento de risco nos mercados”, destacou um operador de Wall Street. Para
ele, Bolsonaro acabou sendo ignorado pelos operadores diante dos demais fatores
que derrubaram as bolsas de Nova York e do Brasil.
De
acordo com levantamento da consultoria norte-americana Eurasia, a grande mídia
rejeitou o discurso de Bolsonaro. Contudo, destacou que o compromisso com uma
agenda orientada para o mercado continua forte.
“Acho
que domesticamente o discurso cumpriu uma função. Tem lógica política para ser
fiel às bases. Mas, internacionalmente, prejudica a imagem”, avaliou cientista
político Christopher Garman, diretor da Eurasia.
Com
informações portal Correio Braziliense
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