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8 de setembro de 2019

Jornalismo a serviço de quem? Daniela Nogueira


Tenho escrito, porque defendo, reiteradas vezes a importância do fortalecimento de uma valorizada imprensa regional. A preocupação com os valores do contexto de sua região, a importância de uma cobertura regional e a mediação social da prática jornalística são fatores que contribuem para essa prática bem-sucedida. Há alguns dias, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que "a imprensa regional é importante para o futuro da nação".

A afirmação foi dada durante encontro com lideranças da mídia da região do Sul do País. Chamou a atenção, sobretudo, o discurso do presidente da Associação Catarinense de Emissoras de Rádio e Televisão (Acaert), Marcello Corrêa Petrelli. Eivado por um deslumbramento gratuito, em um dos trechos, disse: 

"A mídia regional se diferencia por ter esse espírito público, senhor presidente. Somos a ponte para construir um verdadeiro diálogo com a sociedade, pautado na informação e no compromisso com os fatos, com a verdade. Por isso, senhor presidente, estamos colocando à disposição do seu governo a nossa credibilidade, o nosso relacionamento e a nossa presença regional para que a sua mensagem de mudança e de transformação chegue a todos os brasileiros, ouvintes, telespectadores, leitores e internautas".

O presidente da Acaert defendeu que a mídia regional - de modo separatista, deixando bem claro que se trata do Sul, explicitando que aparentemente estaria apartado do País - pode ajudar o Governo em pautas importantes. Com esse tipo de discurso, a Associação se esquece da independência editorial à qual os veículos jornalísticos deveriam se ater e da atenção com as cobranças que deveriam fazer a quem estiver nas gestões públicas.

Jornalismo não é subserviência. E jornalista precisa entender que submissão aos governos não é papel da imprensa. O regime democrático nunca é bastante. À medida que misturamos nossas paixões e interesses - inclusive escusos - com as instituições que representamos e que deveriam mediar conflitos sociais, falhamos na função de vigilância dos governos e mais - subordinamo-nos a eles.

Na noite de lançamento do Anuário do Ceará, publicação do O POVO, no último dia 12 de agosto, a presidente do Grupo O POVO, Luciana Dummar, proferiu: 

"Nenhum governo deve ser tratado com condescendência pela imprensa, nunca, jamais, sob pena de esta mesma imprensa perder sua legitimidade. Uma perda a pôr em risco a democracia que confere legalidade aos eleitos. As melhores gestões são aquelas cuja maturidade de seus governantes permite lidar com os incômodos do bom Jornalismo".

Ora, é claro que cada setor da cadeia produtiva que move o País vê os governos sob seus interesses e trabalha para que eles não sejam contrariados ou afetados de modo negativo. E quem não os tem? O que não se deve é colocar as suas instituições e - pior - a instituição Jornalismo e a mídia que dele faz parte a serviço de qualquer governo ou qualquer governante.

Não se trata especificamente do atual presidente, do anterior, da anterior a ele, do ex-presidente preso ou de quem quer que seja ou esteja na gestão. O País não é um presidente. Os jornalistas que reverenciam esse tipo de atitude e a adotam estão correndo um risco grave de pôr toda a credibilidade e a qualidade do bom Jornalismo em constantes questionamentos.

Isso não significa, no entanto, que as boas iniciativas dos governos não devam ser apoiadas ou publicadas. Também não quer dizer que a mídia deva amparar os boatos lançados contra toda e qualquer gestão sem questionar a veracidade dos fatos com precisão. Ao contrário, as ações a favor do bem comum e em prol da maioria, de interesse público, precisam da contribuição da imprensa para chegar de modo eficiente e rápido à população. É serviço. Faz-se jornalismo desse modo.

Entretanto, ao promover um discurso claramente produzido alinhado aos valores, desejos e anseios dos governos, e distanciado das reais necessidades da população, a imprensa se afasta da sua real função social e do público a que serve. Há muitos defeitos para um jornalismo lisonjeador e acrítico. Mas um jornalismo deslumbrado com o poder é mais do que falho - é perigoso.

Publicado originalmente no portal O Povo Online

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