Tenho
escrito, porque defendo, reiteradas vezes a importância do fortalecimento de
uma valorizada imprensa regional. A preocupação com os valores do contexto de
sua região, a importância de uma cobertura regional e a mediação social da
prática jornalística são fatores que contribuem para essa prática bem-sucedida.
Há alguns dias, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que "a imprensa
regional é importante para o futuro da nação".
A
afirmação foi dada durante encontro com lideranças da mídia da região do Sul do
País. Chamou a atenção, sobretudo, o discurso do presidente da Associação
Catarinense de Emissoras de Rádio e Televisão (Acaert), Marcello Corrêa
Petrelli. Eivado por um deslumbramento gratuito, em um dos trechos, disse:
"A mídia regional se diferencia por ter esse espírito público, senhor
presidente. Somos a ponte para construir um verdadeiro diálogo com a sociedade,
pautado na informação e no compromisso com os fatos, com a verdade. Por isso,
senhor presidente, estamos colocando à disposição do seu governo a nossa
credibilidade, o nosso relacionamento e a nossa presença regional para que a
sua mensagem de mudança e de transformação chegue a todos os brasileiros,
ouvintes, telespectadores, leitores e internautas".
O
presidente da Acaert defendeu que a mídia regional - de modo separatista,
deixando bem claro que se trata do Sul, explicitando que aparentemente estaria
apartado do País - pode ajudar o Governo em pautas importantes. Com esse tipo
de discurso, a Associação se esquece da independência editorial à qual os
veículos jornalísticos deveriam se ater e da atenção com as cobranças que
deveriam fazer a quem estiver nas gestões públicas.
Jornalismo
não é subserviência. E jornalista precisa entender que submissão aos governos
não é papel da imprensa. O regime democrático nunca é bastante. À medida que
misturamos nossas paixões e interesses - inclusive escusos - com as
instituições que representamos e que deveriam mediar conflitos sociais,
falhamos na função de vigilância dos governos e mais - subordinamo-nos a eles.
Na
noite de lançamento do Anuário do Ceará, publicação do O POVO, no último dia 12
de agosto, a presidente do Grupo O POVO, Luciana Dummar, proferiu:
"Nenhum
governo deve ser tratado com condescendência pela imprensa, nunca, jamais, sob
pena de esta mesma imprensa perder sua legitimidade. Uma perda a pôr em risco a
democracia que confere legalidade aos eleitos. As melhores gestões são aquelas
cuja maturidade de seus governantes permite lidar com os incômodos do bom
Jornalismo".
Ora,
é claro que cada setor da cadeia produtiva que move o País vê os governos sob
seus interesses e trabalha para que eles não sejam contrariados ou afetados de
modo negativo. E quem não os tem? O que não se deve é colocar as suas
instituições e - pior - a instituição Jornalismo e a mídia que dele faz parte a
serviço de qualquer governo ou qualquer governante.
Não
se trata especificamente do atual presidente, do anterior, da anterior a ele,
do ex-presidente preso ou de quem quer que seja ou esteja na gestão. O País não
é um presidente. Os jornalistas que reverenciam esse tipo de atitude e a adotam
estão correndo um risco grave de pôr toda a credibilidade e a qualidade do bom
Jornalismo em constantes questionamentos.
Isso
não significa, no entanto, que as boas iniciativas dos governos não devam ser
apoiadas ou publicadas. Também não quer dizer que a mídia deva amparar os boatos
lançados contra toda e qualquer gestão sem questionar a veracidade dos fatos
com precisão. Ao contrário, as ações a favor do bem comum e em prol da maioria,
de interesse público, precisam da contribuição da imprensa para chegar de modo
eficiente e rápido à população. É serviço. Faz-se jornalismo desse modo.
Entretanto,
ao promover um discurso claramente produzido alinhado aos valores, desejos e
anseios dos governos, e distanciado das reais necessidades da população, a
imprensa se afasta da sua real função social e do público a que serve. Há
muitos defeitos para um jornalismo lisonjeador e acrítico. Mas um jornalismo
deslumbrado com o poder é mais do que falho - é perigoso.
Publicado
originalmente no portal O Povo Online
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